Breves notas sobre a preclusão judicial no procedimento probatório

AutorMatheus Ribeiro Rezende
CargoJuiz do Trabalho Substituto do TRT da 6a Região (Pernambuco)
Páginas64-72

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1. Introdução

Tema sempre inquietante na seara processual é aquele atinente à preclusão dirigida ao magistrado. Quando essa é encarada no bojo do procedimento probatório, as incertezas acerca da configuração do instituto se exacerbam e são vários os caminhos trilhados pelos doutrina-dores e aplicadores do direito em seu estudo e aplicação.

Se uma das finalidades da prova é o convencimento do juiz sobre os fatos articulados no processo, pergunta-se se para ele a prática de algum ato nessa fase processual é informada pela preclusão, qualquer que seja a sua espécie.

Nada, além disso, é o objetivo desta breve reflexão.

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2. A preclusão judicial

O termo preclusão deriva do latimpraedusio, de praecludere (fechar, tolher, encerrar), dando a ideia de impedimento que alguma coisa se faça ou prossiga1. No processo, a preclusão está diretamente relacionada com a atividade processual das partes2, significando a perda, extinção ou consumação de um poder pro-cessual3

Junge-se o sentido do vocábulo preclusão à noção de que o processo reveste-se de um conjunto ordenado de atos, cada qual previamente localizado, consubstanciando um caminhar para a frente. Deduz-se, daí, que o fundamento da preclusão se assenta na celeridade como expressão de uma tutela jurisdicional efetiva4. A lição de Fernando Rubin é precisa:

[...] toda demanda judicial deve seguir um procedimento (rito previamente estabelecido em lei), pautado pelo instituto da preclusão (que determina o fechamento de uma etapa do feito e o início de uma posterior - numa marcha dinâmica, sempre para a frente), tudo a incrementar os valores da efetividade (celeridade, na prestação jurisdicional) e o da segurança jurídica (confiança no procedimento, inclusive nos seus limites, pelas partes litigantes e demais eventuais terceiros interessados).5

Tradicionalmente, a doutrina classifica a preclusão nas espécies temporal, lógica e consumativa, uma vez tendo aquela decorrido, respectivamente, do transcurso do prazo previsto para a prática do ato, da realização de outro ato anterior incompatível com aquele que se pretende produzir ou da realização do próprio ato processual.

Sobre as espécies de preclusão, Daniel Amo-rim Assumpção Neves explica:

A preclusão consumativa se verifica sempre que realizado o ato processual. Dessa forma, somente haverá oportunidade para a realização do ato uma vez no processo e, sendo esse consumado, não poderá o interessado realizá-lo novamente. Ainda que o réu tenha no procedimento ordinário um prazo de quinze dias para responder à inicial, se apresentar contestação no quinto dia, não poderá nos dez dias subsequentes voltar a apresentar argumentos defensivos, tendo em vista a preclusão consumativa6

Continua o autor:

Na preclusão lógica, o impedimento de realização de ato processual advém da realização de ato anterior incompatível logicamente com aquele que se pretende realizar. Assim, se requerida a purgação da mora numa ação de despejo, estará precluso o direito de o

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réu contestar a demanda e, se o derrotado aceitar a sentença, não poderá recorrer, tudo em respeito à preclusão lógica.7

Por fim, sustenta que:

Diz-se preclusão temporal quando um ato não puder ser praticado em virtude de ter decorrido o prazo previsto para sua prática sem a manifestação da parte. Ao deixar a parte interessada de realizar o ato dentro do prazo previsto, ele não mais poderá ser realizado, já que extemporâneo. Tendo o réu quinze dias para contestar, e as partes cinco dias para falar nos autos, por exemplo, não respeitado o lapso temporal traçado pela lei, estarão impedidos de praticar o ato8.

O Código de Processo Civil em vigor utiliza expressamente a palavra preclusão no § 3- do art. 169, no art. 245 e seu parágrafo único e no art. 473, o que não acontecia no diploma anterior, de 1939, apesar de, em substância, aplicar o instituto na exata previsão de perda do direito de praticar um ato processual nas modalidades anteriormente mencionadas9. O Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil continua a cunhar a referida expressão em seu texto, como se vê das previsões do § 2- do art. 164, do art. 241 e seu parágrafo único, dos arts. 256 e 488 e do parágrafo único dos arts. 923 e 929. O processo do trabalho, ante a omissão sobre a matéria, bebe dessa fonte, em observância ao art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Quando se fala em preclusão para o juiz, costuma-se aludir, de pronto, ao termo preclusão pro iudicato10 sentido de óbice dirigido ao magistrado para o reexame de uma decisão já proferida sem que haja permissão legal para tanto, na esteira do art. 471 do Código de Processo Civil11. Utiliza-se, neste artigo, da expressão preclusão judicial, quando cuida daquela que atinge os poderes-deveres do magistrado no curso do processo, por compreender que a dicção preclusão pro iudicato foi criada por Enrico Redenti para ser empregada em uma situação específica ocorrida no processo de execução12

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3. As espécies de preclusão judicial e o procedimento probatório

Feitos esses considerandos, pode-se afirmar que não se vislumbra, no procedimento probatório13, a existência de preclusão judicial na modalidade temporal, e isso porque os prazos destinados ao magistrado são considerados impróprios. Uma vez não subsistindo qualquer consequência processual da não observância do prazo impróprio, é defeso se aludir à preclusão temporal. Não tendo sido praticado o ato processual no lapso previsto, o juiz não está impedido pela preclusão de realizá-lo14

De mais a mais, revestindo-se a iniciativa instrutória do juiz da natureza de um poder-dever, resta impossível compatibilizar a preclusão temporal com a formação do convencimento do magistrado, para o que esse sujeito processual pode e deve determinar a produção de provas a qualquer tempo15 estando a seu alcance, inclusive, a conversão do julgamento em diligência após encerrada a

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instrução processual para cumprir tal mister. José Roberto dos Santos Bedaque, sobre o assunto, assentou:

[...] as regras processuais referentes à preclusão destinam-se apenas a possibilitar o desenvolvimento normal da relação processual. Não podem prevalecer, porém, sobre o poder-dever do juiz de tentar esclarecer os fatos, aproximando-se o quanto possível da verdade, pois sua missão é pacificar com justiça. E isso somente ocorrerá se a decisão resultar da atuação da norma a fatos efeti-vamente verificados.16

Justifica-se a previsão de preclusão temporal para as partes no procedimento probatório em função da finalidade última do referido instituto, que é evitar recuos no processo tendentes a causar atrasos na entrega da prestação jurisdicional17. A preclusão é vista como um princípio fundamental da organização do processo, sem o que nenhum procedimento jamais teria fim18 Moura Rocha é taxativo, sustentando que "o desenvolvimento do procedimento é condição indispensável para que se realize e para que se alcance os seus fins. Sem este desenvolvimento estaríamos em situação de nunca mais terminar uma demanda"19

Nota-se, todavia, certa tendência, apresentada sobretudo pelos juizes de primeiro grau20) em flexibilizar a preclusão temporal para as partes no procedimento probatório. Costuma-se admitir, por exemplo, a produção de prova documental a destempo, ainda que não amparada na previsão do art. 397 do Código de Processo Civil21, nas hipóteses em que o juiz entende que o material a ser acostado aos autos é necessário para determinar o seu convencimento, já que, nessa situação, tem o poder-dever de determinar sua realização ainda que de ofício, escorado que está no art. 130 do mesmo diploma legal'22

Questão polémica é aquela que diz respeito à existência de preclusão judicial consumativa. Discute a doutrina se, após deferida pelo juiz a produção de uma prova pela parte, pode o mesmo, mediante decisão ulterior, dispensar a sua realização sob a alegação de que o seu convencimento já foi formado.

Algumas vozes se posicionam no sentido da impossibilidade da dispensa pelo juiz em casos que tais, a não ser que haja concordância

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da parte que requereu a prova, por vislumbrar nessa decisão cerceio do direito constitucional à prova daquele que teve o pleito deferido. Captam, nessa situação, a configuração da preclusão judicial consumativa. Nessa linha de pensamento, Daniel Amorim Assumpção Neves defende:

Não concordamos com tal ponto de vista. Primeiramente não se pode admitir que o juiz monocrático, que tão somente dá a primeira, e quase nunca definitiva decisão da demanda, possa dar-se por convencido no meio da fase instrutória, encerrando--se prematuramente e decidindo a lide. Tal atitude configuraria indubitavelmente nulidade da decisão por flagrante cerceamento de defesa da parte prejudicada. [...] Deferindo uma prova requerida por um dos litigantes, a nosso ver não mais poderá indeferi-la, já que esse litigante adquire um direito à produção daquela prova, que não pode simplesmente lhe ter subtraído pela vontade do juiz. Tal atitude violaria, indubitavelmente, o direito de provar da parte, que é garantido constitucionalmente no art. 5a, inciso IV do Texto Maior. [...] O impedimento do juiz voltar atrás em decisão em que deferiu a produção de uma prova dá-se em virtude da verficação de ocorrência da preclusão judicial nessa decisão. Não tendo sido interposto o recurso cabível pela parte que se sentiu prejudicada pelo deferimento da prova, caberá ao juiz produzi-la, sem a oportunidade de reconsiderar sua decisão, em mostra evidente da ocorrência da preclusão judicial2324

Outros, por sua vez, advogam que não há preclusão judicial consumativa na hipótese em comento, desde quando, sendo o juiz o destinatário da prova, compete a ele verificar a necessidade da mesma para a formação de seu convencimento, sem o que se...

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