Brown v. Board of education e o dilema da convergencia de interesses.

AutorBell, Derrick A., Jr

Depois que o caso Brown v. Board of Education foi julgado, o professor Herbert Wechsler questionou se a decisão da Suprema Corte poderia ter se justificado com base em princípios "neutros". Para ele, o caso Brown arbitrariamente representou a barganha dos direitos dos brancos de não se associarem com negros em troca do direito dos negros de se associarem com brancos. Neste Comentário*, o professor Derrick Bell sugere que não houve de fato conflito de interesses; por um breve período, os interesses das raças convergiram para tornar a decisão no caso Brown inevitável. Decisões mais recentes da Suprema Corte, no entanto, indicam, para o professor Bell, uma crescente divergência de interesses que torna a integração menos viável. Ele sugere que os interesses dos negros quanto à educação de qualidade poderiam agora ser mais bem atendidos concentrandose em melhorar a qualidade de escolas existentes, sejam dessegregadas ou totalmente negras.*

Em 1954, a Suprema Corte proferiu a decisão histórica no caso Brown v. Board of Education (1), na qual o Tribunal ordenou o fim da segregação racial das escolas públicas como medida obrigatória do Estado. Agora, mais de vinte e cinco anos depois daquela dramática decisão, está claro que o caso Brown não será esquecido. A decisão desencadeou uma revolução jurídica no campo dos direitos civis e no poder de influência política dos negros dentro e fora da Corte. Como o Juiz Robert L. Carter afirmou, com o caso Brown os negros passaram de pedintes implorando por tratamento decente a cidadãos exigindo igualdade perante a lei como seu direito constitucionalmente reconhecido (2).

Ainda hoje, contudo, a maioria das crianças negras frequenta escolas públicas que são racialmente isoladas e inferiores (3). Os padrões demográficos, a evasão de brancos e a incapacidade dos tribunais de efetuar o grau necessário de reforma social tornam o progresso na implementação da decisão no caso Brown quase impossível. O finado professor Alexander Bickel advertiu que ela não seria derrubada, mas, por um amplo conjunto de razões, "pode estar fadada à--palavra terrível--irrelevância" (4). Embora a previsão de Bickel seja juridicamente prematura, uma vez que a decisão permanece viável, pode ser um diagnóstico preciso de seu atual valor prático para milhões de crianças negras para as quais a promessa da decisão por oportunidades educacionais iguais na prática não se concretizou.

Pouco tempo após a decisão, o Professor Herbert Wechsler proferiu uma crítica severa e dilacerante a ela (5). Embora considere seus resultados bem-vindos, criticou a ausência de uma base de princípios. As teses do Professor Wechsler foram, desde então, refutadas de maneira persuasiva (6), mas nelas residem ideias que podem ajudar a explicar a decepção com o caso Brown e o que pode ser feito para renovar sua promessa.

Neste comentário, planejo lançar um novo olhar sobre as posições de Wechsler dentro do contexto da campanha de dessegregação subsequente. Ao fazê-lo, espero oferecer uma explicação de por que a dessegregação das escolas tem, em grande medida, fracassado, e o que pode ser feito para mudar isso.

  1. A BUSCA DO PROFESSOR WECHSLER POR PRINCÍPIOS NEUTROS NO CASO BROWN

    O ano era 1959, cinco anos após a decisão da Suprema Corte. Se havia algo que os já pressionados defensores do precedente não precisavam, era mais crítica a uma decisão ignorada pelo Presidente, condenada por grande parte do Congresso e resistida onde quer que fosse aplicada (7). Certamente, os adeptos dos direitos civis não viram com bons olhos o nome do professor Herbert Wechsler se somando à crescente lista de críticos, um excepcional advogado, um frequente defensor das causas de direitos civis, e um influente e prestigiado acadêmico (8). Não obstante, o professor Wechsler, convidado a proferir a palestra Oliver Wendell Holmes, na Harvard Law School, escolheu aquele momento como ocasião para levantar novas questões sobre a adequação jurídica e as deficiências principiológicas do julgamento do caso Brown e várias outras importantes decisões de direitos civis (9).

    Era um ataque que não poderia ser tratado como uma mera racionalização a posteriori por parte de algum acadêmico conservador usando seu intelecto para promover uma preferência por manter os negros no seu lugar de "separados, mas iguais". O professor Wechsler começou dizendo que havia recebido com prazer a decisão no caso Brown; observou que havia se juntado com Charles Houston, do NAACP, para litigância em casos de direitos civis junto à Suprema Corte (10). Acrescentou que seu problema não era que a Corte havia deixado de reiterar decisões anteriores que aprovavam a segregação escolar, e tampouco estava persuadido por argumentos de que o mérito deveria ser deixado para o Congresso, sob risco do julgamento da Corte não ser respeitado (11).

    Wechsler não se alinhava com os "realistas", que "percebem no direito apenas o elemento de fiat, em cuja concepção do cosmos jurídico a razão não tem nem significado nem lugar" (12), nem com os "formalistas", que "franca ou veladamente fazem o teste de virtude ao interpretar se os resultados imediatos da decisão parecem atravancar ou promover os interesses ou valores que eles defendem" (13). Em vez disso, Wechsler via a necessidade de um critério de decisão que pudesse ser estabelecido e testado como um exercício da razão, e não meramente adotado como um ato de vontade ou arbítrio.

    Acreditava, em síntese, que as cortes poderiam se engajar em uma "apreciação principiológica" das ações legislativas que excederiam o "significado histórico" fixo de uma disposição constitucional sem, como temia o Juiz Learned Hand, tornar-se "uma terceira câmara legislativa" (14). Os tribunais, argumentava Wechsler, "deveriam ser genuinamente principiológicos, observando com respeito cada passo envolvido na realização de um julgamento com base em análises e razões que transcendem o resultado imediato que é obtido" (15). Aplicando-se esses princípios, que incluíam a intepretação legal e constitucional, o fio condutor sutil fornecido pela história, e um grau de fidelidade apropriada, mas não servil, aos precedentes, Wechsler encontrou problemas quanto às decisões da Suprema Corte em que o raciocínio principiológico era, em sua visão, ou deficiente ou, em alguns casos, inexistente (16). E incluiu o caso Brown nessa última categoria.

    Wechsler revisitou e rejeitou a possibilidade de que a decisão final no caso Brown pudesse estar baseada na ideia de que a décima quarta emenda vedaria qualquer legislação em linhas raciais (17). Ele também tinha dúvidas quanto a decisão se basear em uma determinação factual de que a segregação causava prejuízo às crianças negras, posto que as evidências a esse respeito eram não só inadequadas como conflitantes (18). Em vez disso, Wechsler concluiu, a Corte, no caso Brown, deve ter se limitado à visão de que "a segregação racial é, em princípio, uma negação da igualdade à minoria contra a qual é dirigida; isto é, o grupo que não é politicamente dominante e, portanto, não faz a escolha em questão" (19). Ainda assim, Wechsler julgou esse argumento insustentável também, porque, dentre outras questões, parecia exigir uma investigação sobre as motivações do legislador, uma prática que em geral não diz respeito às cortes (20).

    Após descartar esses argumentos, Wechsler afirmou, então, que a questão jurídica quanto à discriminação imposta pelo Estado não era sobre discriminação de fato, mas sim sobre direitos associativos: "a negação, por parte do Estado, da liberdade de se associar, uma negação que é infligida da mesma maneira sobre quaisquer grupos ou raças que possam estar envolvidos" (21). No raciocínio de Wechsler, "se a liberdade de associação é negada pela segregação, a integração impõe a associação sobre aqueles para quem ela é desagradável ou repugnante" (22). E, concluindo com uma questão que tem desafiado académicos do direito, Wechsler perguntou:

    Dada uma situação em que o Estado praticamente tem de escolher entre negar associação àqueles indivíduos que a desejam ou impô-la àqueles que preferem evitá-la, há uma base neutra de princípio para defender que a Constituição exige que as demandas por direitos de associação prevaleçam? (23) Ao insinuar que havia uma base principiológica neutra para defender que a Constituição favorece a demanda negra por um direito associativo, o professor Wechsler confessou que ainda não tinha escrito uma opinião sustentando tal tese. "Escrevê-la, para mim, é o desafio dos casos de segregação escolar" (24).

    II--À PROCURA DE UM PRINCÍPIO NEUTRO: IGUALDADE RACIAL E A CONVERGÊNCIA DE INTERESSES

    Pesquisadores que aceitaram o desafio do Professor Wechsler tiveram certa dificuldade em detectar o princípio neutro sobre o qual a decisão do caso Brown teria se baseado. Certamente, analisando com o benefício retrospectivo de 25 anos da maior elevação de consciência racial já vista no país, muitas das considerações do Professor Wechsler parecem difíceis de imaginar. Duvidar que a segregação racial é danosa aos negros, e sugerir que o que os negros realmente buscavam era o direito de se associar aos brancos é acreditar em um mundo que não existe agora e que não teria como ter existido então. O Professor Charles Black, portanto, corretamente identificou a igualdade racial como o princípio neutro que sustenta a decisão do caso Brown (25). Para Black, a questão de Wechsler é "constrangedoramente simples" (26), e formula sua resposta na forma de um silogismo. A premissa maior de Black é que "a cláusula de proteção igualitária da 14[section] Emenda deve ser lida como dizendo que a Raça Negra, como tal, não pode ser significativamente desfavorecida pelas leis dos estados." (27) Sua premissa menor é que "a segregação constitui um desfavorecimento intencional massivo da Raça Negra, como tal, pela lei estadual." (28) A conclusão, portanto, é que a cláusula de proteção igualitária claramente proíbe a segregação racial devido ao fato de a...

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