Do Cabimento de Medida Cautelar de Caução de Bens como Forma de Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário

AutorEduardo Arrieiro Elias
CargoAdvogado em Belo Horizonte/MG
Páginas52-57

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1. Introdução

Nos últimos anos, a expedição das certidões negativas de débitos fiscais tem sido um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento regular das atividades empresariais neste país.

Não raro, os contribuintes se vêem impossibilitados de ter acesso a tais documentos, em razão da existência de débitos junto aos Fiscos da Federação.

Nesta esteira, uma questão que merece a reflexão da comunidade jurídica é como obter uma CND entre o fim do processo administrativo e a formalização da penhora, lapso de tempo que pode durar até 5 anos. Ou, ainda, como ter acesso à CND ou CPDEN, mesmo após o ajuizamento de Ação Anulatória de Débito, quando não haja dinheiro disponível para efetuar o depósito do montante integral do crédito tributário.

Assim, com o presente ensaio, buscaremos demonstrar a possibilidade de caucionar bens, tendo em vista a antecipação dos efeitos de uma penhora eventual, para fins de obtenção de Certidão Positiva com efeitos de negativa.

2. A prova da quitação dos tributos através de certidões negativas

Nos termos do art. 205 do Código Tributário Nacional, a lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.

O parágrafo único do referido artigo, por sua vez, dispõe que certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.

Lado outro, o art. 206 afirma que tem os mesmos efeitos da certidão negativa a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

Da leitura dos dispositivos legais, e do artigo 151 do CTN, alguns tendem a dizer que o oferecimento de caução não tem amparo legal, pois não estaria abarcada nas hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário e, não seria penhora, também, conforme ordena o artigo 206 do CTN.

Aqueles que insistem na negativa da possibilidade de oferecimento de caução, o fazem com escopo no artigo 111, I, do CTN1.

No entanto, nada mais arcaico que fundamentar uma decisão, como fazem alguns magistrados, em uma chamada interpretação literal da lei.

3. Da interpretação da legislação tributária e do respeito aos cânones constitucionais

Dentre as várias formas de interpretação da legislação tributária, alguns ainda insistem em afirmar que, na ordem constitucional vigente, seria possível uma interpretação da legislação de forma literal, gramatical, mesmo em face de outros ditames legais e constitucionais.

No entanto, pensamos que não. Nunca será possível privilegiar uma interpretação gramatical, em detrimento de normas e princípios consagrados no Texto Magno. Certamente não se pode desconsiderar o texto legal, no entanto, não há como interpretá-lo de forma separada de todo o ordenamento jurídico que o sustenta.

Maximiliano já dizia que:

O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. Esta é a estática, e a função interpretativa, a dinâmica2.

Para Luiz Roberto Barroso:

A interpretação é a atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance da norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto3.

A interpretação sistemática do ordenamento jurídico é a única forma aceitável para fazer valer direitos e garantias fundamentais.

Ao contrário da interpretação literal, a interpretação sistemática pode, e deve, determinar um sentido e alcance de uma norma mesmo contra o seu sentido literal. O Poder Judiciário, muitíssimas vezes, já aboliu interpretações literais.

Karl Engish, baseado no princípio da unidade do sistema jurídico, apregoa a utilidade da interpretação sistemática para corrigir erros, incorreções ou contradições na ordem jurídica, vez que o legislador costumeiramente coloca o mandamento de um texto jurídico em colisão com o de outro, hierarquicamente superior, cronologicamente Page 53 mais antigo ou especial em relação a este: "Estas consistem em uma conduto in abstracto ou in concreto aparecer ao mesmo tempo como prescrita e não prescrita, proibida, ou até como prescrita e proibida.4 "

O professor Ricardo Lobo Torres também abomina a idéia de interpretação literal:

A interpretação literal, em outro sentido,significa um limite para a atividade do intérprete. Tendo por início o texto da norma, encontra o seu limite no sentido possível daquela expressão lingüística. É a fórmula brilhante de K. Larenz, para quem a interpretação literal é a compreensão do sentido possível das palavras (mögliche Wortsinn), servindo esse sentido de limite da própria interpretação, eis que além dele é que se iniciam a integração e a complementação do direito. Esse conceito de interpretação literal desenvolvido por Larenz influenciou na Alemanha as decisões judiciais sobre a matéria tributária, bem como a orientação da doutrina em geral e da teoria tributária em particular5.

Há de ser privilegiada a interpretação conforme a Constituição. Segundo J.J. Gomes Canotilho6 :

1) o princípio da preponderância da constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se uma interpretação não contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; 2) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a constituição; 3) o princípio da exclusão da interpretação conforme a constituição mas contra legem impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a constituição, mesmo através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais.

Assim, o argumento de que a interpretação literal do artigo 206 e do artigo 151, ambos do CTN, impediria a possibilidade de se caucionar bens, não pode prevalecer. Não em face da ordem constitucional vigente, que consagra o livre exercício das atividades empresariais.

4. Da problemática da expedição de certidões negativas e da caução de bens

Dentre as situações que mais nos chamam a atenção, diante da necessidade de certidões negativas, estão duas das mais corriqueiras no meio tributário, a saber: como conseguir uma certidão positiva com efeitos de negativa após o término do processo tributário administrativo ou do decurso do prazo para interposição de impugnação administrativa ("constituição definitiva" do crédito tributário), até a formalização da penhora em eventual executivo fiscal (lapso que pode durar até cinco anos)? Como, após o ajuizamento de ação anulatória de débito fiscal, indeferida a antecipação dos efeitos da tutela e, diante da impossibilidade financeira de efetuar o depósito do montante integral do débito, conseguir a pré-falada certidão?

Ambos os questionamentos acima são resolvidos através do ajuizamento de medida cautelar de caução de bens.

No primeiro caso, existe um hiato legal, não abarcado pela lei, que se inicia na situação da pendência da inscrição do débito em dívida ativa e se estende até a lavratura do Termo ou Auto de Penhora.

Neste espaço entre a inscrição do débito em dívida ativa e a lavratura do Termo ou Auto de Penhora, mesmo que desejasse garantir o juízo para valer-se do direito à certidão positiva com efeitos de negativa, a parte não conseguiria, a não ser que depositasse o montante integral da pretensa dívida. É inequívoco que tal situação viola o princípio de ampla defesa e do contraditório, artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, bem como o inciso

XXXV, do mesmo artigo que garante a apreciação do Poder Judiciário de qualquer lesão ou ameaça do direito. Viola também o disposto no artigo 173 da carta Política, que consagra o livre exercício das atividades empresariais.

Ademais, não há qualquer lesão aos interesses fiscais, uma vez que o juízo estaria garantido através da antecipação dos efeitos de uma eventual penhora. O bem ficaria gravado e, no caso de bem móvel, o depositário estaria sujeito, inclusive, a prisão em caso de infidelidade.

Neste caso, é plenamente possível o ajuizamento de medida cautelar preparatória de ação anulatória de débito fiscal.

Quanto ao segundo questionamento, é perfeitamente cabível o ajuizamento de medida cautelar incidental.

Tudo varia em função da necessidade e da situação das pendências fiscais.

Contudo, não são quaisquer bens que podem ser ofertados. Os bens devem ser idôneos e livres de quaisquer ônus, além de garantirem a integralidade dos créditos, com margem de segurança em razão da demora na solução dos litígios pelo Judiciário e do crescimento do débito tributário, pela correção via Selic.

Aliás, nos termos da norma processual, ao apreciar o pedido formulado, o julgador deve...

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