Capítulo I - Princípios Informadores do Processo

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A Sentença no Processo do Trabalho
Capítulo I
Princípios Informadores do Processo
Nota preliminar
Não se suponha despropositado o fato de havermos, neste livro que versa essencial-
mente sobre sentença, dedicado todo um Capítulo aos denominados princípios informativos
do processo. Se nossa atitude, quanto a isso, houvesse decorrido de eventual intenção de nos
lançarmos a investigações puramente gnosiológicas acerca do tema, com provável menos-
prezo escolástico às suas implicações no plano da realidade prática, seria compreensível
que este Capítulo viesse a ser considerado heterotópico e, em razão disso, inútil ao escopo
fundamental da obra.
Ao tratarmos, porém, em caráter propedêutico, dos mencionados princípios, o zemos
impelidos pela preocupação de demonstrar a notável inuência que eles soem exercer no
vasto e complexo universo do processo e, em particular, no seu ponto de culminância, no
seu acontecimento máximo, por assim dizer, que é a sentença. Basta argumentar que,
mediante a invocação oportuna de um só desses princípios, o juiz poderá afastar do processo
a ameaça de nulidade, que esteja a sobrepairar, ou, ao contrário, proclamar a incidência desta
e a consequente contaminação fatal daquele; poderá, ainda, decidir a favor do autor ou do
réu, conforme seja o caso. Enm, o adequado conhecimento dos princípios que norteiam
o processo do trabalho constitui requisito indispensável para que o juiz possa exercer, com
segurança e eciência, o seu ofício.
Deste modo, conquanto ditos princípios se situem, do ponto de vista sistemático, no
campo da teoria geral(1), é inegável que os seus efeitos podem irradiar-se em direção aos
domínios da realidade prática, onde repercutem, não raro, com intensidade espetacular.
Quer nos parecer que isso constitua, por si só, motivo bastante para justicar a inclusão,
neste livro, de um Capítulo que deles se ocupe especicamente.
Conceito
Feita a justicativa — imaginando que estivéssemos obrigados a efetuá-la —, devemos
agora procurar estabelecer um conceito de princípio, na ordem jurídica (especialmente na
processual), a m de evitarmos a sua confusão com certos aspectos ou particularidades do
(1) A Teoria geral do processo é um sistema de conceitos e princípios elevados ao grau máximo de generalização
útil e condensados indutivamente a partir do confronto dos diversos ramos do direito processual; é uma disciplina
altamente teórica, voltada à indagação dos princípios comuns às várias guras processuais (DINAMARCO. Cândido.
A instrumentalidade do Processo. São Paulo: RT, 1987. p. 76 e 79).
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Manoel Antonio Teixeira Filho
processo, enquanto método estatal de solução dos conitos intersubjetivos de interesses
juridicamente tuteláveis. A tarefa chega a ser desaadora, diante do elevado grau de diculdade
que se oferece àquele que se propõe realizá-la.
O primeiro passo consistirá em separar os princípios das particularidades do processo.
Nesse sentido, a contribuição de Wagner Giglio é valiosa. Segundo o destacado jurista, essas
diferenças residem nos seguintes aspectos: a) os princípios são necessariamente gerais, ao
passo que as peculiaridades são restritas, dizendo respeito a um ou a uns poucos preceitos
ou momentos processuais; b) os princípios informam, orientam e inspiram preceitos legais,
por dedução, e podem deles ser extraídos, via raciocínio indutivo; das particularidades não
se extraem princípios, nem delas emanam normas legais; c) os princípios dão organicidade
a institutos e sistemas processuais; as peculiaridades, não, porquanto exaurem a sua atuação
em círculo restrito, geralmente relativo ao procedimento e não ao processo.(2)
Embora devamos reconhecer que, stricto sensu, os princípios se desassemelham das
particularidades do processo, uma vez que, entre outras coisas, falta a estas a nota de
generalidade, que é inerente àqueles, em sentido amplo é possível podermos falar, indis-
tintamente, de princípios, pois não se pode negar que, examinadas sob o prisma de seu
substrato ontológico, as referidas particularidades contêm uma certa “carga, ainda que
tênue, de normatividade, capaz, por isso mesmo, de inuenciar na interpretação ou na própria
elaboração de normas legais.
A inversão do ônus da prova, em benefício do trabalhador, a despeito de ser uma
particularidade do processo do trabalho ou uma técnica ligada ao procedimento, encontra no
princípio da proteção ao trabalhador (de amplo espectro) a razão ideológica de sua existência,
de onde extrai, aliás, a “carga” de princípio, que lhe confere indiscutível autoridade.
Os princípios também não devem ser confundidos com os brocardos. Estes, sinônimos
de máxima, aforismo, anexim, rifão, adágio, são ditos sentenciosos que valem como simples
preceitos. A propósito, a palavra brocardo é originária do latim brocarda. Brocardus, por
outro lado, foi autor de um compêndio de máximas. O Bispo de Woms (século XI) também
elaborou uma coletânea de aforismos, a que deu o nome de Decretum Burchardi, cujas
máximas foram chamadas de Burcardos.
Ainda que os brocardos tenham a sua nalidade, e sejam aceitos por muitos, Carlos
Maximiliano se dedicou à tarefa de coligir as críticas mais frequentes à aceitação dos
brocardos no âmbito jurídico. Conforme o referido jurista, essas críticas eram as seguin-
tes: a) a fórmula genérica e ampla dos brocardos, não raro, é ilusória, pois muitas vezes
são destacados de um determinado contexto, onde possuíam sentido diverso daquele que
passaram a ter, quando interpretados isoladamente; b) em certos casos, os brocardos não
possuem valor cientíco, chegando, inclusive, a consagrar princípios falsos; c) o emprego
desses brocardos, muitas vezes, ultrapassa o campo de aplicação; d) a multiplicidade de bro-
cardos pode fazer com que sejam encontrados brocardos contraditórios; e) embora sejam
expressos em Latim, nem sempre ostentam a autoridade do Direito Romano, sendo muitas
(2) Direito Processual do Trabalho. 6.ª ed. São Paulo: LTr, 1986. P. 75.
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A Sentença no Processo do Trabalho
vezes difícil descobrir-se a sua origem (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 7.ª ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1961. p. 298).
Em que pese ao fato de reconhecermos que Paul Léataud tinha uma certa razão ao
armar não haver “sentenças, máximas, aforismos de que não se possa escrever o contrário,
não podemos deixar de dizer que as críticas feitas à existência de brocardos jurídicos são
injustas, pois não se pode negar a utilidade destes, como preceitos destinados a formular
regras de conduta ou de bom senso, a serem adotadas em situações que estejam a reclamar
uma solução jurídica. Sob essa perspectiva pragmática, ninguém poderá negar, por certo, a
excelência de brocardos, como: Actiones non natae non praescribuntur (as ações não nascidas
não prescrevem); Bis de eadem re non sit actio (Não se dê ação duas vezes sobre a mesma
coisa); Confessio est probatio omnibus melior (A conssão é a melhor de todas as provas);
In dubio pro reo (Na dúvida, em favor do réu); In medio consistit virtus (A virtude está no
meio); Lex clara non indiget interpretatione (Lei clara não necessita de interpretação); Judex
secundum allegata et probata judicare debet (O juiz deve julgar segundo o alegado e provado);
Judex ultra petita condemnare non potest (O juiz não pode condenar além do pedido); Dura
lex, sed lex (a Lei é dura, mas é a lei); Nemo debet inauditus damnari (Ninguém deve ser
condenado sem ser ouvido); Non probandum factum notorium (O fato notório não precisa
ser provado); Nulla poena sine lege (Não há pena sem lei), dentre tantos outros que poderiam
ser aqui mencionados.
O que são, efetivamente, princípios?
Para Miguel Reale trata-se de “verdades fundantes de um sistema de conhecimento,
como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por
motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas
necessidades da pesquisa e da praxis”. (3)
Com efeito, se tomarmos o vocábulo princípio de acordo com o seu senso geral
podemos asseverar que ele traduz os elementos ou as regras fundamentais de qualquer
ramo da cognição cientíca, artística ou losóca; nosso objetivo, contudo, não é o de
estudar os princípios segundo sua acepção ética, mas, sim, lógico-jurídica. Sob esse estrito
ângulo óptico, devemos dizer que, no marcante particularismo do direito, os princípios
representam formulações genéricas, de caráter normativo, com a função não apenas de tornar
logicamente compreensível a ordem jurídica, mas, também, de servir de fundamento para
a interpretação ou para a própria criação de normas legais.
Não se confundem, todavia, os princípios gerais do processo com aquelas normas
ideais que reetem um desejo de aprimoramento do aparato processual. Levando em conta
esse aspecto, desde o século passado (Mancini-Pisanelli-Scialoja, “Commentario del codice
de procedura civile per gli stati sardi”, vol. I, parte II, Torino: Amministrazione della Società
Editrice, 1855. p. 7), a doutrina classicou os princípios processuais em: a) informativos e
b) fundamentais.
(3) Lições Preliminares de Direito. 7.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 299.
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