Capítulo II - Propedêutica

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Manoel Antonio Teixeira Filho
Capítulo II — Propedêutica
1. Recurso e impugnação das resoluções judiciais
Durante largo período, supôs-se haver identidade cientíca entre o instituto processual
dos recursos e as ações autônomas de impugnação às resoluções judiciais; embora ambas as
classes de remédio sugiram a ideia de ataque formal aos pronunciamentos jurisdicionais, a
doutrina moderna pôde estabelecer um divisor de águas sucientemente nítido, por modo
a dar m à antiga confusão acerca do conceito e da nalidade de um e de outro.
Efetivamente, nem todo meio de impugnação às decisões judiciais pode ser conside-
rado como recurso, sem embargo de se reconhecer que esse caráter impugnativo constitui o
conteúdo próprio, a característica fundamental dos remédios recursais. Diante disso, convém
esclarecer que a distinção medular entre tais meios assenta no fato de que os recursos se des-
tinam a retardar (e não a impedir, como, data venia, se vem sustentando) a formação da coisa
julgada, ao passo que as ações autônomas se voltam para as decisões já transitadas em julgado.
Além disso, o recurso provoca o reexame da decisão no mesmo processo (e não, necessaria-
mente, nos mesmos autos, pois, a ser assim, ter-se-ia de concluir, contra lei expressa, que o
agravo de instrumento não representa uma espécie recursal), enquanto as ações impugnativas
acarretam o surgimento de uma nova relação jurídica processual. Chiovenda (“Princípios
de Derecho Procesal Civil”, trad. de José Casais y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Reues,
sem data, tomo II, p. 510), porém, aglutina os recursos sob a designação comum de meios
de impugnação, concedendo a estes, portanto, um signicado extremamente genérico.
Esses mesmos fatos revelam, por outro lado, que os recursos não têm natureza de ação,
segundo o sentido processual do vocábulo, pois lhes falece uma existência autônoma; pressu-
põem, ao contrário, uma ação proposta, no tocante à qual se proferiu sentença desfavorável
aos interesses do impugnante.
Na linha desse critério diferenciador, temos como recursos típicos, no sistema processo
do trabalho, todos aqueles estampados no art. 893 da CLT, cuja enumeração, sob este aspecto,
está cienticamente correta; como gura integrante das ações autônomas de impugnação
destaca-se a ação rescisória, pois a sua nalidade é exatamente desconstituir os efeitos da
res iudicata, conduzindo, ou não, a um novo julgamento da causa (iudicio rescissorium).
Nesta classe, entretanto, não se inclui o mandado de segurança como querem alguns autores,
porquanto “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado”,
segundo a judiciosa orientação das Súmulas ns. 33 do TST, e 268 do STF, mais tarde reiteradas
Quanto ao requerimento dirigido ao juiz, com a nalidade de obter a correção de ma-
nifestos erros materiais existentes na sentença, como os de escrita, de datilograa, de cálculo
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etc. (CLT, art. 833), cuja possibilidade também está prevista no art. 494, I, do CPC, não se
amolda a nenhuma das categorias anteriormente examinadas. Recurso não é, porque o sis-
tema processual brasileiro não admite, salvo em situações excepcionais, a presença de mais
de um meio de impugnação para cada caso (princípio de unirrecorribilidade), sabendo-se
que, na espécie, a sentença pode ser objeto de recurso ordinário. Demais, no processo de
trabalho o conceito de recurso está subordinado a que o reexame seja feito, regra geral, por
órgão diverso do prolator da decisão impugnada e hierarquicamente superior a ele. Exceção
a esse princípio eram os embargos infringentes ou de nulidade; estes, porém, foram elimina-
dos pela Lei n. 5.542, de 24 de maio de 1968, que deu nova redação ao art. 894 da CLT. São
a esses embargos que se refere o art. 649, § 1.º, da CLT, hoje, letra morta. Os embargos de
declaração, embora sejam apreciados pelo mesmo órgão que proferiu a decisão censurada,
não integram, a nosso ver e segundo a melhor doutrina, a classe recursal, a despeito de serem
assim classicados pelo CPC (art. 994, IV).
A medida prevista no art. 833 da CLT — de que estamos a tratar — também não pode
ser classicada como ação de impugnação (como fez, data venia, o ilustre Frederico Marques,
obra cit., p. 117), pois a correção dos erros materiais é efetuada no mesmo processo; e nem
envolve desconstituição da coisa julgada.
A oportunidade recomenda esclarecer que a correção desses erros pode ser requerida
ou determinada de ofício até antes do início da execução da sentença, conforme prevê o
texto legal supracitado. Na verdade, essa correção será possível mesmo depois de iniciada
a execução.
Ainda sobre os embargos declaratórios, parece-nos que o legislador, por entender que
eles não se inserem dentre as ações autônomas de impugnação aos pronunciamentos jurisdi-
cionais (uma vez que não podem ser opostos às decisões passadas em julgado) e valendo-se
de presumido método de exclusão, acabou por introduzi-los no elenco dos recursos (CPC,
art. 994, IV) — circunstância que, em absoluto, não justica, nem redime o seu desacerto, do
ponto de vista doutrinário; nem autoriza a que se vejam esses embargos como um recurso
sui generis.
Sem que nos propulsione qualquer intenção heterodoxa, cremos que a divisão dico-
tômica dos remédios utilizáveis contra as resoluções judiciais em recursos e ações impugna-
tivas, em que pese ao fato de estar consagrada pela inteligência doutrinária, não é de todo
satisfatória. Assim dizemos, porque há, no processo do trabalho, certas guras que não se
submetem, com a necessária precisão, a nenhum dos grupos em que se biparte esse sistema.
Note-se, que não estamos preconizando o banimento dessa classicação — que é útil
—, mas apenas argumentando com a sua deciência para abranger a generalidade dos casos.
Visando a contribuir para o acertamento da matéria, no plano peculiar do processo do
trabalho, propomos uma classicação que compreende: a) os recursos; b) as ações autônomas
de impugnação; c) as medidas saneadoras; d) as providências corretivas; e) as providências
ordenadoras do procedimento; f) os atos protetivos de direitos.
Justiquemos essa divisão sistemática.
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1.1. Recursos
Os recursos buscam, em essência, a invalidação, ou reforma, total ou parcial, da decisão
(sentença ou acórdão) da qual foram interpostos. Em regra, são apreciados por órgão colegiado
diverso do que proferiu a decisão e hierarquicamente superior a este.
Os recursos não instauram um novo processo; apenas dilatam, ampliam a mesma
relação processual em que se manifestaram.
Como recursos trabalhistas típicos, enumeramos: 1) o de embargos infringentes, previs-
tos no art. 2.º, II, c, e os embargos referidos no art. 3.º, III, “b”, todos da Lei n. 7.701/88; 2) o
ordinário (art. 895); 3) o de revista (art. 896); 4) o de agravo de petição (art. 897, “a”); 5) o de
agravo de instrumento (art. 897, “b”); 6) o agravo regimental; 7) o pedido de revisão (Lei n.
5.584/70, art. 2.º, § 1.º), a correição parcial (CLT, arts. 682, XI, e 709, II), com a ressalva que
faremos, quanto a esta, no subitem 1.5., adiante. Nesse rol podem ser incluídos os embargos
de declaração (CLT, art. 897-A), embora, pelas razões já expostas, seja possível colocar-se
em dúvida, sob a perspectiva doutrinal, a natureza recursal desses embargos.
Há lugar, ainda, para o recurso extraordinário (Const. Fed., art. 102, III; CPC, art. 1.029),
conquanto não se possa considerá-lo como típico do processo especializado; apresenta-se
como uma espécie de recurso “ecumênico”, de origem constitucional. O agravo interno (CPC,
art. 1.021) também tem sido admitido no sistema do processo do trabalho.
1.2. Ações autônomas de impugnação
Pressupõem, como dissemos, o trânsito em julgado da decisão. Exemplo signicativo
é o da ação rescisória, que se destina a desconstituir os efeitos da res iudicata. Nas edições
anteriores deste livro armamos que este seria o único exemplo. Considerando, todavia,
que, posteriormente, no exercício da advocacia, passamos a ajuizar, com certo sucesso, Ação
Declaratória de Inecácia da Coisa Julgada Material (teoria da relativização da coisa julgada,
que preferimos denominar de doutrina da inecácia da coisa julgada), não podemos deixar
de inseri-la no rol das ações de impugnação.
Bem se vê que essas ações nada têm de semelhança com a categoria dos recursos,
sabendo-se que estes somente atuam enquanto a decisão impugnada não tiver passado em
julgado.
Como a classicação que estamos expondo não se circunscreve aos recursos, senão
que apanha, ou procura apanhar, todas as reações das partes aos pronunciamentos jurisdi-
cionais, ca justicada a inclusão, neste nosso estudo, das ações autônomas de impugnação
às resoluções judiciais, segundo o conceito que lhes atribuímos.
1.3. Medidas saneadoras
Pensamos que esta classe esteja a merecer maiores explicações, a começar pela própria
denominação.
Chamamos de medidas porque envolvem prevenção, providência; saneadoras, porque
se destinam a acrisolar, a depurar o julgado, expungindo-o de certas falhas de expressão
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