Caso fortuito, força maior e a impossibilidade de cumprimento da prestação

AutorJosé Guilherme Vasi Werner
Páginas117-139
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CASO FORTUITO, FORÇA MAIOR
E A IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO
DA PRESTAÇÃO
José Guilherme Vasi Werner
Doutor em História das Instituições – CPDOC/FGV. Mestre em Sociologia – IUPERJ.
Professor da FGV Direito-Rio e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
– EMERJ. Juiz de Direito.
Sumário: 1. Introdução – 2. A irrelevância da decomposição do binômio – 3. Função jurídica do binômio
caso fortuito/força maior no direito das obrigações – 4. Caso fortuito/força maior e descumprimento
– 5. Caracteres ou fatores de reconhecimento do caso fortuito/força maior; 5.1 Teoria subjetiva; 5.2
Teoria objetiva; 5.3 Necessariedade; 5.4 Inevitabilidade; 5.5 Impedividade; 5.6 Exterioridade; 5.7
Impossibilidade – 6. A função do caso fortuito/força maior; 6.1 Caso fortuito/força maior no direito do
consumidor; 6.1.1 Caso fortuito/força maior e responsabilidade pelo fato do produto/serviço; 6.1.2
Caso fortuito/força maior e responsabilidade contratual do fornecedor e do consumidor; 6.1.3 Caso
fortuito/força maior e responsabilidade pelo vício do produto/serviço – 7. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O caso fortuito e a força maior continuam a ensejar, neste Século XXI, sérios
questionamentos aos que se aprofundam nos temas do descumprimento das obri-
gações e da responsabilidade civil.
Se a importância da distinção conceitual entre os dois termos parece ter-se
reduzido durante o último século, a sua conceituação e o seu alcance se tornaram
essenciais para a compreensão do regime de responsabilização dos ilícitos civis.
Na vigência do Código Civil de 1916, a doutrina nacional nos ofereceu uma vasta
exposição dos principais tópicos de estudo do binômio caso fortuito/força maior.
Destacamos os problemas da sua origem histórica e do tratamento pelo direito
romano; da relevância da sua decomposição em caso e força; da sua ontologia sub-
jetiva ou objetiva; das suas características; e da sua função.
Procuraremos tratar, dada a natureza deste trabalho, um pouco de cada um des-
ses problemas, na intenção de subsidiar o estudo do binômio à luz das mais recentes
discussões sobre o seu lugar no atual regime da impossibilidade e, consequentemente,
da responsabilidade civil contratual.
É nesse aspecto de estudo da responsabilidade civil que nos concentraremos,
por mais que o caso fortuito/força maior (e o dispositivo do artigo 393 do Código
Civil) tenham lugar inconteste e papel semelhante também na responsabilidade
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aquiliana (há quem destaque uma diferença de função dessa f‌igura em cada uma das
responsabilidades, considerando a possibilidade de assunção dos riscos do fato pelo
devedor, conforme também prevê o nosso art. 3931.
A proliferação dos casos de responsabilidade civil objetiva e, ao mesmo tempo,
a identif‌icação de novas situações e que o devedor é considerado inimputável pelo
descumprimento exigem uma revisão do alcance e da função do caso fortuito e da
força maior e, assim, de seu papel na impossibilidade de prestar.
2. A IRRELEVÂNCIA DA DECOMPOSIÇÃO DO BINÔMIO
Já o título deste capítulo indica a perspectiva histórica de nossa análise do caso
fortuito e da força maior.
Ao reunir os dois termos em um binômio e falar em sua decomposição, revela-
mos um posicionamento que só é possível do ponto de vista atual, quando o direito
já dispõe de conhecimento e experiência para permitir a utilização dos termos “caso
fortuito” e “força maior” em uma relação de equivalência.
Essa equivalência, que é jurídica, não pode ser confundida como uma sinonímia,
mas é o que importa no seu tratamento e no seu estudo civilístico. Para o direito das
obrigações, caso fortuito e força maior se equivalem no seu conceito, função e efeitos.
Por mais que o signif‌icado de cada uma das expressões do binômio caso fortuito/
força maior tenha sido esmiuçado e discutido durante os séculos, podemos dizer
que, atualmente, a diferenciação entre o caso fortuito e força maior é assunto que
interessa aos historiadores do direito, na medida em que poucos autores ainda se
aventuram em buscar distinções entre os dois termos para explicar a aplicação do
direito na atualidade. Serpa Lopes indica que, em nossa doutrina, o próprio Clovis
Beviláqua, acompanhado de ambos os Carvalho de Mendonça e Lacerda de Almeida,
estaria, entre esses poucos2.
Para evitar cair na pretensão de que tratou Agostinho Alvim3 de, apesar dessa
mesma introdução sobre a equivalência entre os termos, apresentarmos as suas des-
semelhanças, limitamo-nos a registrar que os critérios de diferenciação variam entre
a imprevisibilidade e a inevitabilidade, a externalidade em relação aos desígnios do
devedor, a intensidade e a causa ef‌iciente4.
1. Ver CABRILLAC, Rémy. Droit européen comparé des contrats. 2. ed. Paris: LGDJ, 2016. p. 145; ZIMMERMANN,
Reinhard. The law of obligations: Roman foundations of the civilian tradition. Oxford: Oxford University
Press, 1996. p. 45-49; VICENTE, Dário Moura. Direito comparado: obrigações. São Paulo: Almedina Brasil,
2018. v. 2, p. 309.
2. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: obrigações em geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 2000. v. 2, p. 377.
3. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações em geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 329.
4. Nesse sentido, p.ex., Orlando Gomes (SILVA, Orlando Gomes da. Obrigações. 15. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2000. p. 149), Caio Mário (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das
obrigações. 25. ed. rev. e atual. por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
v. 2, p. 337), Carvalho Santos (SANTOS, J.M. Carvalho. Comentários ao Código Civil. 8. ed. Rio de Janeiro:
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