O cavalo de troia do processo penal

AutorMichael Procopio Ribeiro Alves Avelar
CargoJuiz federal e mestrando em direito penal (USP)
Páginas124-142
124 REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 676 I JUN/JUL 2022
DOUTRINA JURÍDICA
Michael Procopio Ribeiro Alves AvelarJUIZ FEDERAL E MESTRANDO EM DIREITO PENAL (USP)
O CAVALO DE TROIA DO
PROCESSO PENAL
A COLABORAÇÃO PREMIADA ABRIU A PORTA PARA UMA
CONCEPÇÃO DE DISCRICIONARIEDADE AMPLA DO MP, ALÉM DA
DELIMITAÇÃO LEGAL DOS ESPAÇOS DE CONSENSO
Troia, baixando as barreiras ao desconhecido
por meio de uma amostra de justiça consensual
para os casos criminais. O mensageiro teria pavi-
mentado o caminho para a colaboração premia-
da, sobretudo na confi guração da Lei 12.850/13,
que modifi cou a estrutura do sistema de justiça
penal e trouxe uma nova concepção de atuação
do órgão de acusação, como se nota pela insti-
tuição do acordo de não persecução penal, in-
troduzido, inicialmente, por mera resolução do
Conselho Nacional do Ministério Público.
Com o advento de modifi cação legislativa,
questiona-se o papel da Lei 13.964/19, como con-
tramovimento à amplitude de discricionariedade
do órgão de acusação, com disciplina da colabo-
ração premiada de forma mais pormenorizada.
O intuito fi nal, portanto, é diagnosticar os efeitos
da colaboração premiada no sistema processual
penal e seus aspectos positivos e negativos.
1. O CAVALO DE TROIA E O DIREITO
COMPARADO
A história do cavalo de Troia já foi contada
por diversos autores e se difundiu pelo mundo
todo, não se podendo confi rmar se é realmente
verídica ou apenas literária. Narra que os gre-
Opresente trabalho visa analisar o papel
da colaboração premiada na modifi ca-
ção da mentalidade no processo penal
brasileiro, abrindo portas para uma
concepção de discricionariedade ampla
do Ministério Público para além da delimitação
legal dos espaços de consenso no Brasil. Para
a análise, utiliza-se da metáfora do cavalo de
Troia, elaborada por Máximo Langer, a fi m de
demonstrar o efeito que um instrumento de
consenso, desenvolvido nos , pode causar
em um sistema de características tão diferentes
como o brasileiro.
Na sequência, busca-se compreender o fenô-
meno da internacionalização da justiça nego-
cial, com sua expansão gradativa e maior uni-
formidade dos ordenamentos jurídicos. Como
efeito dessa globalização, passa-se à experiên-
cia italiana, que foi a justifi cativa ofi cial do le-
gislador para adoção de instrumento de nego-
ciação na jurisdição criminal, com a introdução
da transação penal para os crimes de menor
potencial ofensivo.
Será visto, ainda, o enfoque que é dado à Lei
9.099/95, como mensageiro a convencer os bra-
sileiros para a posterior recepção do cavalo de
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REVISTA BONIJURIS I ANO 34 I EDIÇÃO 676 I JUN/JUL 2022
Michael Procopio Ribeiro Alves AvelarDOUTRINA JURÍDICA
gos teriam construído um artefato de madeira,
em formato de cavalo, como estratagema de
guerra. A estrutura foi enviada como presente
aos troianos, com soldados gregos escondidos
em seu interior, como uma forma de vencer o
obstáculo das muralhas da cidade inimiga.
Os troianos teriam levado o cavalo de madei-
ra para dentro de seus muros, conforme narra
Virgílio em sua obra Eneida, mas desconfi aram
do artefato. Príamo, o rei de Troia, teria então
questionado Sinon, um grego capturado por
eles , sobre o inusitado monstro, ao que o jovem
dissimulado, procurando fi ngir fi delidade aos
seus captores, responde:
Serão comvosco: a profecia he esta.
Da diva em desaggravo, amoesta-o Calchas,
De ligneas traves, em lugar da estatua,
Esta mole estupenda construíram.1
1
Com esse arti cio, Sinon fez que o rei cres-
se em si, conseguindo convencê-lo a não lançar
fogo à edifi cação de madeira, na qual se ocul-
tavam seus conterrâneos. O objeto fi cou, então,
exposto como presente dado por seus inimigos,
que o teriam construído – como fora convenci-
do – como desagravo a uma divindade por eles
enfurecida. Eis que, durante a noite, aprovei-
tando-se do sono da cidade, os gregos –que lá se
ocultavam – abriram os seus portões e permiti-
ram a entrada do exército, garantindo a vitória
sobre Troia.
A fi gura do cavalo de Troia, bastante emble-
mática, é utilizada por Máximo Langer como
metáfora para um fenômeno passível de ocor-
rer por meio de introdução de institutos de
um sistema jurídico em outro. De início, vale
destacar que o autor compreende que, quanto
à circulação de ideias jurídicas, a utilização da
concepção de tradução jurídica seria mais ade-
quada do que se falar em transplante, termo
popularizado por Alan Watson. O transplante
destacaria uma transposição de um instituto,
como em uma doação de órgãos, de um corpo
jurídico para outro, o que poderia levar à rejei-
ção, como por meio da declaração de incons-
titucionalidade ou de seu desuso, mas daria a
ideia de que, após haver sua aceitação, o institu-
to transferido funcionaria tal qual no local de
origem, o que não corresponderia à realidade
do direito comparado (L, 2004, p. 29-31).
Compreendendo que a metáfora do trans-
plante encontra limitações para descrever o
fenômeno da circulação de ideias entre siste-
mas jurídicos, Langer (2004, p. 32-33) defende
a sua substituição pela metáfora da tradução,
especialmente em razão da adaptação que um
A gura do cavalo de Troia é utilizada por Máximo Langer como metáfora
para um fenômeno passível de ocorrer por meio de introdução
de institutos de um sistema jurídico em outro
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