A Sanção Administrativa Ambiental e o Princípio da Proporcionalidade

AutorAudrey dos Santos Laus
Páginas417-434

    A autora é mestranda em Ciências Jurídicas na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. E-mail: audreylaus@hotmail.com

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1. Introdução

O ordenamento jurídico brasileiro deu ênfase especial à proteção do meio ambiente e dotou os órgãos estatais de diversos mecanismos para punir os infratores. As penalidades ambientais podem ocorrer tanto no plano civil, penal ou administrativo, cada um restrito a sua área de atuação. Nota-se, contudo, nos três planos que a intenção é punir aquele que malbaratar os bens ambientais. As sanções, quando se propõem mormente a prevenir o dano ambiental iminente, também têm função educativa, pois se prestam a modificar a conduta do indivíduo infrator e da sociedade em que vive.

A sanção administrativa ambiental também é instrumento eficaz porque se propõe a coibir as atividades que se apresentem contrárias à manutenção do meio ambiente sadio. A Lei 9.605/98, em seu art. 72, as arrola, sem contudo, prescrever como se dará sua aplicação. A proporcionalidade das penas e a observância dos direitos individuais não é claramente tratado na mencionada lei ou em outra legislação que trate das infrações ambientais.

Nesse sentido, o presente artigo tem, com objetivo principal, analisar a aplicação do princípio da proporcionalidade nas sanções administrativas ambientais em que se verifica a tensão entre direitos individuais e coletivas. Destaque-se que tal análise será realizada após a incursão no tema da sanção jurídica e, especialmente, da sanção administrativa ambiental, para maior compreensão do presente estudo.

Note-se que, embora a doutrina, nos momentos atuais, tenha demonstrado maior interesse pela inserção do princípio daPage 419 proporcionalidade no controle de constitucionalidade e interpretação das leis, a sua relevância no direito administrativo ainda permanece. Aparelhar os órgãos administrativos de meios para cumprir com sua missão de modo eficaz, com certeza evitará futuras lides e malferimentos a direitos fundamentais.

2. A Sanção Jurídica: Origem e Conceitos

A sanção, expressão que se origina do latim “sancire” (tornar inviolável através de um ato formal), pode apresentar-se sob diversas roupagens. A sanção moral, por exemplo, de natureza interna, traz a conseqüência da culpa, do desconforto, que sente o agente que agiu em desconformidade com as regras do costume na sociedade em que vive. Para Bobbio, esse tipo de sanção é ineficaz porquanto o cumprimento das normas fica sujeito à sensibilidade moral dos que as devem observar: “A sanção interior é certamente um meio inadequado. De fato, ela age, isto é, mostra a sua funcionalidade, somente em um número limitado de indivíduos, aqueles capazes de provar satisfação e insatisfação íntimas”.1

A sanção social também é espécie de sanção que tem caráter externo, pois provém do grupo social ao qual pertencem os indivíduos a ela submetidos. Segundo Bobbio, comportam vários graus de gravidade, que podem partir da “pura e simples reprovação, e chegar até a eliminação (do indivíduo) do grupo”2. O autor ainda afirma que “o defeito das sanções sociais não é, todavia, a falta de eficácia, mas a falta de proporção entre violação e resposta”3.

Para contornar os excessos que podem advir da sanção moral, de caráter interior, e da sanção social, que é externa, mais destituída de certeza no seu cumprimento, surge a sanção jurídica que, além de externa, é institucionalizada. A sua eficácia está justamente na segurança da previsão e aplicação que é dirigida aos órgãos estatais, dotados de competência para tal.

Surgida para se contrapor à autotutela, a sanção jurídica tem eficácia reforçada, porque é prevista no ordenamento jurídico que regula a sua previsão e a competência dos órgãos aplicadores. Aduz Angela Maria da Motta Pacheco que : “para cada norma violada haverá: a) a certeza da resposta, pois a cada normaPage 420 corresponderá uma sanção; b) a proporcionalidade; pois haverá sempre uma medida na sanção; c) a imparcialidade, pois as pessoas que se encarregarão de sua execução, serão agentes administrativos”.4

O grande diferencial da sanção jurídica é a certeza de que, uma vez realizado um ato contrário às regras da sociedade, incidirá sobre a conduta inadequada, respeitadas as normas que a previu e aplicada por quem for legalmente competente.

Deve-se frisar, ainda, que a sanção jurídica não pode ser entendida apenas como um conseqüente do ato ilícito, ou determinada conduta humana, mas como expediente que enfrenta situações socialmente indesejáveis. Nesse sentido, explica Kelsen, quando fala em sanção, que:

o conceito de sanção pode ser estendido a todos os atos de coerção estatuídos pela ordem jurídica, desde que com ele outra coisa não se queira exprimir se não que a ordem jurídica, através desses atos, reage contra uma situação de fato socialmente indesejável e, através desta reacão, define a indesejabilidade dessa situação de fato (...) Se tormarmos o conceito de sanção neste sentido amplíssimo, então o monopólio da coerção por parte da comunidade jurídica pode ser expressa na seguinte alternativa: a coação exercida por um indivíduo contra outro ou é um delito, ou uma sanção (entendendo, porém, como sanção, não só a reação contra um delito, isto é, contra uma determinada conduta humana, mas também a reação contra outras situações de fato socialmente indesejáveis).5

Ampliando o conceito de sanção, moldado originariamente no Estado Liberal, em que as demandas eram mais simplistas, restritas ao âmbito dos direitos individuais, Tércio Sampaio Ferraz esclarece que, no Estado Contemporâneo, a sanção deve ser entendida de modo mais amplo, compreendendo a função de encorajamento de um ato (sanção-prêmio) e não seu desencorajamento (sanção-castigo).6

De tudo exposto, conclui-se que a sanção jurídica, instituída para combater a autotutela presente nos grupos sociais mais remotos, detém, no Estado Contemporâneo, cuja complexidade permeia as relações sociais, função renovadora e educativa do comportamento social. Mais do que punir, ela deve propor pedagogicamente a reflexão sobre a conduta humana e do grupo social e premiar os que se pautam pela ordem jurídica.

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3. As Sanções Administrativas: conceitos e características

As sanções jurídicas podem ter natureza civil, que tem função ressarcitória, ou natureza penal, que visa coibir o ato ilícito. Também podem as sanções jurídicas ter o cunho administrativo, que também objetivam coibir os atos contrários à ordem jurídica, mas que são aplicados pelos próprios administradores, e não em via judicial.

Sobre sanções civis e penais, leciona Roberto José Vernengo que

as sanções civis seriam meramente ressarcitórias, enquanto a privação patrimonial sofrida pelo sancionado não teria outro alcance do que o de repassar o dano ocasionado; as sanções penais, ao contrário, seriam impostas para dissuadir a outros possíveis delinqüentes de incorrerem em ações delituosas.7

A respeito das sanções administrativas, ressalta Fábio Medina Osório, no artigo denominado “Observações a respeito do Princípio da Culpabilidade no Direito Administrativo Sancionador”, que a “ sanção administrativa lato sensu, resulta de um exercício de pretensão punitiva do Estado, com finalidade de assegurar determinados valores sociais e restabelecer a ordem jurídica violada, inibindo a possibilidade de novas infrações e tentando recuperar o infrator através de uma medida ressocializante”.8

As sanções administrativas decorrem, por sua vez, do poder de polícia de que são dotados os órgãos estatais para zelarem pelos bens coletivos. O poder de polícia “é a faculdade, inerente à Administração Pública, que esta detém, para disciplinar e restringir as atividades, o uso e gozo de bens e de direitos, bem assim as liberdades dos administrados, em benefício da coletividade”.9

O Poder de Polícia tem como característica, entre outras, a auto-executoriedade, segundo a qual poder-se-á aplicar de forma imediata a sanção. Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, a executoriedade pode ser definida como ” qualidade pela qual o Poder Público pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu”.10

Segundo Marcelo Abelha Rodrigues, a executoriedade distingue-se da mera exigibilidade, porque esta precede àquela, e porque “nem toda sanção administrativa é auto-executável, embora sejaPage 422 exigível”11, como ocorre com as multas que devem ser aplicadas por meio da via judicial.

Entre as medidas punitivas utilizáveis pelos órgãos competentes pode-se citar, como exemplos, as interdições de atividade, fechamento de estabelecimento, demolição de construção, embargos administrativos, destruição de objetos. Todas essas, porém, devem estar previstas em lei específica.

Conclui-se, assim, que as sanções administrativas, originadas do poder de polícia e do seu caráter de auto-executoriedade, devem estar expressamente previstas em lei, pois ao Administrador só é possível realizar o que estiver estritamente expresso em instrumento legislativo, sob pena de recair em desvio do poder.

Além do princípio da legalidade, as sanções administrativas, para que sejam eficazes, devem ser proporcionais. A proporcionalidade é indicada como elemento essencial das sanções administrativas por vários autores, como por exemplo, por Marcelo Abelha Rodrigues, já mencionado, que ensina:

Tendo em vista o fato de que as sanções administrativas são atos da Administração Pública e, portanto devem estar pautados na lei, é...

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