A sentença arbitral frente às novas alterações do Código de Processo Civil Brasileiro e sua impugnação nos casos de inexistência

AutorMarcia dos Santos Eiras; Rozane da Rosa Cachapuz
Páginas209-228

Marcia dos Santos Eiras. Mestranda em Direito Negocial (Processo civil), pela Universidade Estadual de Londrina (UEL/PR). Email: marciaseiras@hotmail.com

Rozane da Rosa Cachapuz. Mestre em Direito Negocial (Civil e Processo Civil), pela Universidade Estadual de Londrina (UEL/PR) e Doutora em Relações Sociais, com ênfase em direito de família, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Email: rozane_ cachapuz@hotmail.com

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Introdução

A idéia deste trabalho pode ser debitada grande parte à repercussão da crise do acesso à Justiça, a lentidão na tramitação dos processos, agravada pelo excesso de instâncias recursais; provocando insuportável demora na prestação da tutela jurisdicional, além da deficiência dos serviços de assistência judiciária... Observado isto, nota-se, pela pesquisa acadêmica, que por essas e outras razõesPage 210 o processo civil passa por profundas modificações, sendo que tais mudanças evoluem para o incentivo à resolução dos conflitos seja através da mediação, negociação, conciliação ou arbitragem - por iniciativa das partes.

Inicialmente, sem necessidade de enfrentar as tormentosas discussões que se travam no terreno da arbitragem, tem-se que a Lei 9.307/96 [que regulamenta todo o procedimento arbitral] estabelece com base no princípio da autonomia da vontade permissão às partes para solucionarem, fora da órbita estatal, em sede privada, questões atinentes a direitos disponíveis seus.

Entretanto, considerando as recentes alterações promovidas pela Lei 11.232/05 no Código de Processo Civil, no que diz respeito ao conceito de sentença e seu cumprimento, convém ressaltar que esta alterou sensivelmente a estrutura da sistemática processual em que a Lei de Arbitragem foi moldada, gerando abertura para novas discussões referentes a seus institutos à luz do ordenamento jurídico vigente.

Anote-se que, em razão do conceito de sentença atualmente adotado pelo Código de Processo Civil, é possível aventar a possibilidade de sentenças parciais em sede de arbitragem, o que atende aos imperativos no âmbito de resolução de conflitos comerciais complexos, bem como a possibilidade de execução de sentença declaratória. Execução esta considerada, pela maioria da doutrina, inexeqüível nos moldes anteriores.

Na conformidade das inovações trazidas pela Lei 11.232/05 no caso de execução de título executivo judicial ou cumprimento da sentença pretende-se demonstrar em que medida tais alterações refletem na análise e aplicação da Lei de Arbitragem na atualidade.

Argumenta-se, ainda, a possibilidade de impugnação da sentença, através de ação de natureza declaratória, nos casos em que a decisão apresente vício grave que impeça a produção de seus efeitos, ensejando, dessa forma a inexistência jurídica da sentença.

1 Sentença arbitral

A Lei 9.307/96 estabelece que a decisão do árbitro consiste em sentença e deve, portanto, adotar a forma escrita, conquanto que tem a mesma eficácia do provimento judicial transitado em julgado (arts 18, 23, 24 e 31)1.

A sentença, analisada sob seu aspecto formal, pode ser conceituada como o ato do julgador proferido conforme arts 267 e 269 do CPC, qual seja,Page 211 independentemente de apreciar-lhe o mérito ou não, nos termos do art. 162 § 1º do CPC. Por essa perspectiva, apresenta-se sob duas formas:

  1. quando apenas apresenta conteúdo meramente processual, em razão de invalidade de compromisso arbitral ou nos casos do art. 12, I e II da Lei de Arbitragem, por exemplo;

  2. quando reconhece o direito de uma das partes, podendo ser condenatória, constitutiva ou declaratória.

Vale lembrar que a doutrina, antes das alterações promovidas pela Lei 11.232/2005 que modificou o conteúdo do art. 162 do CPC, cujo dispositivo prestava-se, entre outras coisas, à definição de sentença, apresentava conceito de cunho finalístico desse provimento. Considerada ato que encerrava o processo, a sentença dispunha cunho terminativo: quando apenas finalizava o processo, sem discutir o mérito, ou definitiva, quando decidia o mérito.

Sob esse prisma, o conceito de sentença, trazido por Bellinetti (1994, p.145), apresenta dois aspectos: formal e material. No aspecto formal há perspectiva de sentença como "ato que encerra o processo, independente de julgar-lhe o mérito, ao lado daquele que entende sentença como o ato que julga o mérito do processo (resolve um litígio autônomo), funcionando subsidiariamente o conceito atinente a ato emitido sob determinada forma". No aspecto material "implica uma reflexão não somente jurídica, mas também, psicológica, política e semiológica". Nesse sentido aduz o autor:

No aspecto material há a perspectiva de sentença como ato que estabelece (declarando – declaração pura ou constituição ou criando) a norma que irá regrar o caso concreto, ao lado de um conceito mais amplo, colocando-se a sentença como o ato que se manifesta sobre o estabelecimento dessa norma, estabelecendo-a ou negando-se a fazê-lo (BELLINETTI, 1994, p. 145).

Para Carmona (2006, p.278) "a sentença arbitral, da mesma forma que a sentença proferida pelos órgãos jurisdicionais estatais, é o ato através do qual o julgador põe fim ao processo". Porém, a partir da alteração ocorrida no CPC, em razão da reforma imposta pela Lei 11.232/2005, Carmona (2008, p. 15) alude que "ao contrário do que ocorre com a sentença proferida pelo juiz estatal, o árbitro, ao sentenciar, esgota sua função jurisdicional", sinalizando que "a Lei de Arbitragem apostou, portanto (com sucesso) na definição finalística de sentença arbitral".

A diferenciação entre as duas modalidades de sentença, apresentada por Nery Junior, (2002, p. 79), enfoca questão diversa:

Apenas se distanciam quanto ao aspecto confiança, que preside o negócio jurídico de compromisso arbitral, estando ausentes na jurisdição estatal, cujoPage 212 órgão não pode ser escolhido pelas partes e cuja sentença é imposta coativamente aos litigantes. Enquanto no compromisso arbitral as partes convencionam acatar a decisão do árbitro, na jurisdição estatal o réu é compelido a responder o processo, ainda que contra sua vontade, sendo as partes obrigadas a obedecer ao comando emergente da sentença.

Entretanto, distinção fundamental entre a sentença proferida pelo árbitro e a proferida pelo magistrado reside no fato da primeira carecer de executividade, isto porque à jurisdição privada não se estende o poder de coerção, sendo este monopólio do estado. O cumprimento ao julgado integra, pois, a função jurisdicional estatal2.

A grande inovação, trazida pela Lei de Arbitragem3, refere-se quanto à desnecessidade de homologação da decisão arbitral pelo órgão jurisdicional estatal, conforme ocorria anteriormente à sua publicação4. A natureza de título executivo judicial dado à sentença arbitral, anteriormente pelo art. 584, VI, do CPC e, após sua revogação pelo art. 475-N, IV da Lei 11.232/2005, só vem a reafirmar o caráter jurisdicional da arbitragem5, caracterizando-a como manifestação dessa atividade jurisdicional e, conseqüentemente, revestindo-a da autoridade da coisa julgada, que tem como resultado a imutabilidade e oponibilidade de exceção de coisa julgada. Segundo Parizzato (1997, p. 100-1):

A eficácia da sentença arbitral como título executivo judicial, decorre da própria prolação, havendo condenação, não mais necessitando essa de qualquer homologação pelo próprio órgão do poder Judiciário, como anteriormente se exigia. Desapareceu com a Lei n º 9.307/96, a figura da homologação pelo Poder judiciário, pelo que a sentença proferida pelo árbitro ou pelo tribunal arbitral, terá eficácia de uma sentença proferida por tal órgão, independentemente de qualquer interferência deste.

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O prazo para a prolação de sentença arbitral, nos moldes da legislação pátria vigente, é de seis meses, a contar da instauração do processo arbitral, se outro não for o prazo estipulado pelas partes. Ao se estipular tal prazo, pretendia-se a celeridade processual, vantagem esta apresentada pela arbitragem frente ao processo estatal.

Constata-se através da análise dos dispositivos que disciplinam a decisão arbitral na Lei 9.307/96 que o referido diploma legal trabalhou com a idéia de unicidade da sentença arbitral. Entretanto, com o advento da Lei 11.232/2005, alteradora do Código de Processo Civil brasileiro, que visou à adaptação do conceito de sentença ao procedimento adotado para o cumprimento das sentenças, foi possibilitado, no dizer de Carmona (2008, p. 11-8) "o fatiamento do julgamento da lide", quer seja na jurisdição estatal quanto na arbitral, posto que "alterou-se, portanto, o padrão do devido processo legal em que se espelhava a Lei de Arbitragem". No mesmo sentido, Vargas (2007, p. 154):

Todavia, pelo novo conceito de sentença, trazido pela Lei 11.232/2005, este ato processual não é mais definido pelo seu efeito, mas pelo seu conteúdo, ou seja, não é o ato pelo qual o juiz, necessariamente, põe termo ao processo, mas sim o ato do juiz que implica algumas situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC, o que significa dizer que num processo, agora, poderão existir várias sentenças.

Contudo, no âmbito arbitral, para a utilização de técnica de julgamentos parciais, destaca Carmona (2008, p. 18) a necessidade de expressa referência em convenção arbitral, que enfatiza:

Doravante, o emprego da técnica do julgamento gradual e parcelado da lide servirá tanto para economizar tempo e dinheiro das partes, como também para evitar situações em que árbitros, por absoluta impossibilidade material, não conseguiriam proferir sentenças líquidas (como acontecia com as hipóteses lembradas das decisões sobre rescisão de contratos de franquia e respectivas indenizações).

No direito comparado, na Itália, desde os anos 50, após julgado da Corte de Cassação, foi reconhecido que não havia óbice para a admissão de sentenças...

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