A produção normativa e a objetividade

AutorIvens José Thives de Carvalho
CargoDoutorando em Ciência Jurídica pelo programa de doutorado da Universidade do Vale do Itajaí - SC, Professor de Direito Penal da Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - SC e Promotor de Justiça da Comarca de Rio do Sul - SC
Páginas161-171

    Artigo confeccionado em cumprimento ao programa da disciplina Questões Epistemológicas da Produção do Direito - QEPD, ministrada pelo professor Doutor José Alcebíades Júnior.


Page 161

1. Introdução

Ao demonstrar-mos a veracidade das preposições antes enunciadas, vamos, com apoio nos artigos de Adrei Marmor, Jules L. Coleman e Brian Leiter vamos introduzir uma nova concepção da objetividade e defender sua coerência e plausibilidade enquanto descrição do tipo de objetividade pressuposto por nossas práticas legislativas.

Uma teoria política liberal faz surgir em nossa mente a idéia de um Estado que aceita limites1 e, bem assim, adote "[...] uma filosofia política construída sobre a premissa de que as autoridades muitas vezes governam diante de uma pluralidade de concepções do bem".2

Nos dizeres precisos de Cruz, o liberalismo seria:

"Corrente de pensamento que se consolidou a partir das revoluções burguesas do século XVIII, caracterizada por defender as maiores cotas possíveis de liberdade individual frente ao Estado, que deve procurar ser neutro. Postula tanto uma filosofia tolerante da vida como modelo social para substituir o antigo Regime e cujos conteúdos se constituíram em fundamentos jurídico e político das constituições democráticas".3

A ideologia que integra a política liberal admite diversas concepções de bens e de interesses e, apesar de estabelecer normas que indiquem em determinados assuntos qual o comportamento a ser adotado, admitem a modificação destes comportamentos no espaço e no tempo e, não raras vezes, modifica o conteúdo das normas, adotando novos padrões de comportamento e modificando a escala hierárquica dos bens e interesses.

Para afirmar-mos que a teoria liberal é aceita no sistema legislativo brasileiro tomamos o conteúdos das disposições inseridas no Título I da Constituição Federal, mormente: "Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: [...] V- o pluralismo político". e "Art. 3ºPage 162 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; I- construir uma sociedade livre, justa e solidária".4

A objetividade legislativa sob o prisma metafísico consiste, em uma primeira aproximação, na identidade entre os interesses dos homens e o regramento estabelecido para o alcance desta realidade. Aproxima-se, bem por isso, do ideal do direito natural da existência de um "direito" concomitante com a existência humana. Consiste em matéria-prima passível de ser preexistente e passível de ser conhecida pelo homem, inclusive pela sua experiência, utilizando-se dos métodos analítico e sintético, ou por sua impressão sensível. Pode ser descrita e não exclusivamente prescrita.

A objetividade na produção de regras processuais, que se caracteriza pela solução dos conflitos de maneira a permitir a amplitude do contraditório e o perfeito ponto de equilíbrio na imparcialidade, é, em gruas diferenciados, plenamente aceita e exige apenas que tais regras sejam construídas de forma a permitir que as decisões sejam tomadas de maneira imparcial (justiça processual).

Esclareço que as regras que buscam a imparcialidade podem, no afã de criar equilíbrio entre as partes, facilitar e/ou melhorar o posicionamento processual deste ou daquele litigante, sem alterar a validade da preposição de que a objetividade exige uma igualdade entre as partes. Perfeitamente aplicável a máxima de que a igualdade consiste em tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais.

Esta forma de pensar a objetividade (processual) é defensável não porque proporcione regras com respostas corretas para disputas jurídicas e políticas, mas porque fornecem regras que permitirão resolver tais disputas de maneira justa5 e imparcial, isto é, objetiva.

Conforme salienta Höffe6 , ninguém dúvida da verdade e justiça em procedimentos que buscam permitir que a parte contrária se manifeste, que proíbe alguém ser juiz em causa própria ou que o julgador seja parcial.

Apesar da importância da objetividade processual na produção das regras para a obtenção de uma decisão justa, nossa pretensão é aPage 163 objetividade metafísica, que se distingue pela aceitação da proposição: existem respostas corretas para questões jurídicas, políticas e morais prementes: "respostas cuja correção independe das crenças das pessoas com respeito a elas e que são, em um sentido objetivamente corretas".7

É possível para o legislador que se encontre em uma posição epistemológica adequada, reconhecer na natureza humana e no processo evolutivo, os parâmetros a serem observados e, através deles, estabelecer, por meio de normas, para um determinado comportamento humano, regras justas.

2. O homem como ser real

A realidade pressupõe que os fatos possuam as mesmas características que apreendemos deles, ou seja, que a imagem que se forma em nosso consciente seja equivalente às características e/ou qualidades do fato. Surge aqui a identidade entre a realidade e a verdade, ou seja, um argumento será verdadeiro quando expressar exatamente aquilo que estiver contido na realidade fática.

De Holbach podemos extrair que a verdade é "El conocimiento de las relaciones que subsisten entre aquellos seres que obran reciprocamente unos en otros o, más bien, la conformidad que hay entre los juicios que formamos de los seres y las cualidades que esses seres poseen realmente".8

Conforme Hessen, "O conceito de verdade relaciona-se intimamente com a essência do conhecimento [...] Um conhecimento diz-se verdadeiro se o seu conteúdo concorda com o objeto designado. O conceito de verdade é, assim, o conceito de uma relação. Exprime uma relação, a relação do conteúdo do pensamento, da 'imagem' com o objeto".9 A verdade consiste na "[...] concordância do conteúdo do pensamento com o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT