Globalização, Integração e Direitos Humanos

AutorTatiana Schmitz de Almeida
CargoMestranda em Direito Internacional Econômico. Universidade Católica de Santos
Páginas1-18

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Introdução

Para Praxedes e Piletti (1994, pág.58), regionalização e globalização1 são dois processos simultâneos que estão ocorrendo no mundo atual. Enquanto a globalização consiste no processo de dissolução das fronteiras entre os países, para facilitar a atuação das empresas transnacionais, a regionalização consiste na formação de blocos regionais, para defender as empresas já instaladas na região, contra a concorrência de empresas de outras regiões ou países.

“Apesar de estes dois movimentos interagirem, não deixam de ser contraditórios, já que a globalização aposta na livre circulação em nível mundial, enquanto que a regionalização une países para fortalecer, geralmente com práticas protecionistas, quando se trata de comércio exterior.”2

Verificamos que, muitas vezes o que importa para tais conceituações é o fator econômico, como avançar, desenvolver e proteger sua economia. NestePage 2 contexto, restou aos países render-se ao mundo globalizado e atualizar suas práticas econômicas com a criação inevitável de blocos regionais, pois a formação dos mesmos resultaria em melhores condições de negociação no mundo atual.

Ocorre que o processo de integração não pode se resumir a uma integração com conotação apenas econômica. Tal processo deve viabilizar uma integração em todos os seus aspectos, econômico, político, social.

Desta forma, observamos que o movimento de globalização, bem como de integração, muitas vezes, deixou de preocupar-se com as questões sociais, faltando vontade política na promoção de intercâmbio cultural e laboral, no desenvolvimento social e preocupação quanto às questões de direitos humanos.

Assim, neste trabalho, trataremos de conceitos mais abrangentes, tais como globalização, integração regional e direitos humanos, para por fim, demonstrar que não há integração econômica de sucesso sem o devido respeito aos direitos humanos, começando pelo compromisso democrático.

1. Teorias da Globalização

A globalização é um fenômeno capitalista e complexo que começou na época dos descobrimentos e que se desenvolveu a partir da Revolução Industrial. Mas o seu conteúdo passou despercebido por muito tempo, e hoje muitos economistas analisam a globalização como resultado do pós Segunda Guerra Mundial, ou como resultado da Revolução Tecnológica. Alguns doutrinadores afirmam a expansão comercial e marítima européia como um caminho pelo qual o capitalismo se desenvolveu assim como a globalização.

Não existe uma definição única e universal para a globalização mais esta pode ser definida como um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural e espacial e barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX. É um fenômeno observado na necessidade de formar uma Aldeia Global que permita maiores ganhos para os mercados internos já saturados.

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As principais características da globalização são a homogeneização dos centros urbanos, a expansão das corporações para regiões fora de seus núcleos geopolíticos, a revolução tecnológica nas comunicações e na eletrônica, a reorganização geopolítica do mundo em blocos comerciais regionais (não mais ideológicos),a hibridização entre culturas populares locais e uma cultura de massa supostamente "universal", entre outros.3

Por não existir um consenso quanto ao significado da globalização existem hoje alguns doutrinadores que desenvolveram teorias a seu respeito. Destacaremos três destas teorias.

O pensador italiano Antonio Negri, em seu livro "Império", defende que a nova realidade sócio-política do mundo é definida por uma forma de organização diferente das estruturas de poder "arborizadas",ou seja, partindo de um tronco único para diversas ramificações ou galhos cada vez menores. Para Negri, esta nova dominação é constituída por redes assimétricas, e as relações de poder se dão mais por via cultural e econômica do que uso coercitivo de força, entendendo que entidades organizadas como redes, tais como corporações, ongs e até grupos terroristas, têm mais poder e mobilidade do que instituições paradigmáticas da modernidade como o Estado, partidos e empresas tradicionais.4

O autor Benjamin Barber expõe sua visão dualista para a organização geopolítica global num futuro próximo. Os dois caminhos que ele enxerga — não apenas como possíveis, mas também prováveis — são o do McMundo e o da Jihad. Mesmo que se utilizando de um termo específico da religião islâmica (cujo significado, segundo ele, é genericamente “luta” e por extensão “guerra santa”), Barber não vê como exclusivamente muçulmana a tendência antiglobalização e pró-tribalista, ou pró-comunitária. Ele classifica nesta corrente inúmeros movimentos de luta contra a ação globalizante, inclusive ocidentais, como os zapatistas e outras guerrilhas latino-americanas. Para o autor, está claro que a democracia, comoPage 4 regime de governo particular do modo de produção da sociedade industrial, não se aplica mais à realidade contemporânea. Nem se aplicará tampouco a quaisquer dos futuros econômicos pretendidos pelas duas tendências apontadas por Barber: ou o pré-industrialismo tribalista ou o pós-industrialismo globalizado. Os modos de produção de ambos exigem outros tipos de organização política cujas demandas o sistema democrático não é capaz de atender.5

Já o cientista político Samuel Huntington, ideólogo do neoconservadorismo norte-americano, enxerga a globalização como processo de expansão da cultura ocidental e do sistema capitalista sobre os demais modos de vida e de produção do mundo, que conduziria inevitavelmente a um "choque de civilizações".6

Assim, existem contradições quanto à definição de globalização, mas um consenso quanto as suas características. E apesar de tal consenso, surgem nos dias atuais movimentos prós e contra o fenômeno, indicando aspectos positivos e negativos que veremos a seguir.

1. 1 Prós e contras da globalização

A divergência que encontramos é significativa e esta dividida em dois pólos. Os chamados céticos consideram o conceito de globalização tão amplo e abstrato que em termos práticos parece difícil operacionalizá-lo. Dessa forma, descartam o valor descritivo do conceito de globalização e procuram utilizar os termos “internacionalização” ou “regionalização”, na medida em que a globalização é compreendida como um conjunto de trocas econômicas e sociais na vida cotidiana das pessoas que se deslocam das fronteiras locais, consolidando um novo agrupamento geográfico e condições para uma ordem internacional liberal. Para os céticos o conceito de globalização funciona como um “mito necessário”, através do qual os políticos e governos disciplinam seus cidadãos para que eles satisfaçam os requisitos do mercado global. Enquanto que os globalistas conceituam o fenômenoPage 5 da globalização como um conjunto de mudanças estruturais na escala da organização social moderna, como, por exemplo, o crescimento de empresas multinacionais, a difusão da cultura popular, a degradação ambiental generalizada, e, notadamente, uma configuração inconstante das relações de poder inter-regionais. Essa transformação global trouxe implicações decisivas na vida social das pessoas na medida em que transformou os padrões dominantes da organização sócio-econômica, na divisão territorial, e na lógica de poder. (McGrew e Held, 2001)7

Para os globalistas, a globalização reconfigurou a noção de soberania do Estado, onde este é definido como uma arena fragmentada de formulação de decisões políticas, em que redes transnacionais e forças externas e internas exercem influências decisivas nas tomadas de decisão do governo. Nesse contexto, cooperação internacional e ampla interligação política parecem ser o novo norte para os Estados nacionais. Com relação à economia apesar da globalização econômica ter sido útil para o crescimento econômico de muitas empresas e para o desenvolvimento de alguns países, também foi responsável pela conjuntura atual, na qual encontramos um aumento da desigualdade e crescente pobreza. Os céticos ressaltam o problema da desigualdade social e sua importância como uma questão internacional a ser solucionada, pois o que se percebe é a falta de solidariedade social entre as nações, e um déficit em investimentos e programas nacionais e internacionais que regulem esses efeitos excludentes que advém do poderio econômico de certos países.

Para Octavio Ianni, apesar das nações serem politicamente independentes, tornaram-se economicamente interdependentes, sendo que as mesmas condições que alimentam esta interdependência e a integração alimentam as desigualdades e contradições, em âmbito tribal, regional, nacional, continental e global. Assim, para o autor existem dificuldades na construção de uma hegemonia global, pois em primeiro lugar a globalização ocorre nos níveis político, social e cultural em ritmos distintos e de modo desigual, contraditório e desencontrado, e ao mesmo tempo emPage 6 que integra e articula, desagrega e tenciona...

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