O direito à educação no brasil e a pessoa portadora de deficiência - as obrigações das instituições de ensino superior

AutorAndraci Lucas Veltroni Atique/Alexandre Lucas Veltroni
CargoMestre e Doutora em Direito do Estado pela PUC - SP. Vice-Reitora do Centro Universitário de Rio Preto - UNIRP/Mestre em Direito do Estado pela PUC - SP
Páginas120-135

Andraci Lucas Veltroni Atique1

Alexandre Lucas Veltroni2

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1 Introdução

No limiar deste novo século, as sociedades modernas precisam ter a consciência cada vez mais clara da importância da educação como fator de desenvolvimento, acompanhando de perto a progressiva complexidade das formas de relação entre seus membros e a necessidade, cada vez mais urgente, de agilização dos recursos materiais e humanos que se devem combinar para que se possa efetivar, plenamente, através do processo educacional, a perfeita interação entre todos aqueles.

Atualmente, não é por mero acaso que a maior parte das nações têm a educação como um de seus alicerces fundamentais, tanto de seu corpo social quanto de sua base econômica, exercendo a educação, ao menos a nosso ver, posição chave na infra-estrutura da sociedade, aliando-se à economia e propiciando a funcionalidade plena de todas as outras instituições que constituem os organismos sociais.

Observando-se países considerados mais desenvolvidos que o nosso, com melhor nível de vida de seus habitantes e de ritmo mais acelerado de crescimento econômico e progresso acadêmicocientífico, especificamente, aqueles que mais valorizam a sua educação, vemos que mais a ministram de forma democrática, em todos os níveis. Fornecem, assim, os mais elevados graus de ensino formal e informal, educação de forma integral e cultura em geral a todos os seus membros, propiciando-lhes o conhecimento e o exercício de seus direitos.

Neste sentido, em relação a pessoas portadoras de deficiências, uma sociedade só será considerada desenvolvida a partir do momento em que garantir o mais alto padrão de inserção dessas no sistema educacional, de forma a serem elas aceitas pelos demais membros do corpo social e lhes proporcionar qualificação, a fim de lhes garantir a possibilidade de produzirem seu sustento de forma adequada às suas necessidades.

Este artigo tem, então, a finalidade de analisar, em amplo aspecto, o Direito Fundamental à Educação da pessoa portadora de deficiência e, conseqüentemente, sua proteção no Brasil. Abordaremos, de início, a noção de pessoa portadora de deficiência em relação ao ordenamento jurídico pátrio. Em um outro momento, apreciaremos o Direito à Educação e, especialmente, o Ensino Superior na Constituição brasileira de 1988. Por fim, e dentro do tema primordial de nosso trabalho, enfocaremos o Ensino Superior dentro do ordenamento jurídico pátrio e a inclusão da pessoa portadora de deficiência nesse nível de ensino.

2 A pessoa "portadora de deficiência"

Ao iniciarmos este nosso trabalho, abordaremos a pessoa portadora de algum tipo de deficiência, lembrando que não queremos aqui fazer uma delimitação, mas tão somente uma inserção do tema neste contexto, para o entendimento do termo que será a base de nossa tarefa.

Este assunto ainda é pouco enfrentado pela sociedade, o que faz de forma evasiva e, mesmo, ainda o evita, dando-lhe um sentido muito descaracterizado de seu real significado. Assim, vamos tentar indicar o sentido da palavra deficiência.

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Do dicionário Houaiss3 , transcrevemos:

Deficiência: s.f. (1661 cf. RB). 1. med. insuficiência ou ausência de funcionamento de um órgão «d. glandular». 2. psiq. insuficiência de uma função psíquica ou intelectual «d. mental» «d. sensorial». 3. p.ext. perda de quantidade ou qualidade; falta, carência «d. de recursos» «d. de vitaminas». 4. p.ext. perda de valor; falha, fraqueza «há que suprir as d. da educação pública primária»

Analisando o verbete, verificamos que em todas as acepções trazidas se diz de "insuficiência", "ausência", "falta" ou, ainda, de "perda" de algo de importância no ser humano, dando-lhe conotação negativa. Pode-se, então, fazer uma valoração depreciativa da palavra que, como veremos adiante, quando associada à pessoa com algum tipo de deficiência, também vai acabar por depreciar o próprio portador de qualquer uma delas, situação que se quer tentar minorar ou, pelo menos, reconhecer que ele existe e que deve ser respeitado em sua dignidade.

Passemos, então, à pessoa que, quando nasce com vida, adquire personalidade jurídica. Qualquer que seja o lugar de seu nascimento, sua cor de pele, independentemente de qualquer atributo físico, sua dignidade humana deve ser levada em consideração e também realçada.

A Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, editada em 1975 pela ONU, em seu artigo 3º afirma que:

Às pessoas portadoras de deficiência assiste o direito inerente a todo e qualquer ser humano de ser respeitado, sejam quais forem seus antecedentes, natureza e severidade de sua deficiência. Elas têm os mesmos direitos que os outros indivíduos da mesma idade, fato que implica desfrutar de vida decente, tão normal quanto possível.

Luiz Alberto David Araujo explana que,

O que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social definirá quem é ou não portador de deficiência4 .

Entre as várias concepções de pessoa deficiente trazidas pelo nosso ordenamento jurídico, a da lei federal nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que atendeu aos mandamentos constitucionais dos artigos 227, § 2º, e 224 da CF de 1988, diz que "pessoa portadora de deficiência ou mobilidade reduzida é aquela que temporária ou permanentemente tem limitada sua capacidade de relacionarse com o meio e de utilizá-lo".

O Decreto 914, de 1993, que instituiu a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, estabeleceu ser pessoa portadora aquela que tem deficiência permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, gerando incapacidade para o desempenho de atividades dentro do padrão considerado normal para o ser humano, não querendo nós aqui discutirmos o que é ou não considerado "normal".

Optamos por utilizar a expressão "pessoa portadora de deficiência", ao invés da tão comum "pessoas com necessidades especiais", uma vez que nosso ordenamento jurídico faz uso da primeira, especialmente a Constituição Federal de 1988 que, em alguns de seus artigos, também utiliza essa expressão. Mas, queremos aqui dar ênfase à pessoa, que deve ser respeitada e valorizada em sua dignidade humana, independentemente de ser ou não portadora de qualquer que seja a deficiência.

3 A Constituição de 1988 e o portador de deficiência

Canotilho leciona que a Constituição é o instrumento ideal para a positivação jurídica dos Direitos Fundamentais, ao dizer:

A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados naturais e inalienáveis do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão dos direitos fundamentais colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os direitos do homem são esperanças, aspirações, ideais, impulsos, ou até por vezes pura retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direitos constitucional5.

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A positivação constitucional de direitos relativos às pessoas portadoras de deficiência é uma grande conquista, não podendo ser esquecida ou subestimada por ser fruto de uma evolução histórica importante, uma vez que interage com os Direitos Humanos e também garante a cidadania do indivíduo. Contudo, só a positivação desses direitos não basta, é preciso que se tenha a garantia de seu efetivo exercício.

A Constituição brasileira de 1988, logo em seu preâmbulo, traz que o Brasil é

[...] um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...].

Assim, nossa Lei Maior assegura "a igualdade", "o bem-estar", "a segurança" e "a justiça" como "valores supremos", e queremos aqui realçar "a igualdade" entre todos os indivíduos "sem preconceitos", a que todos têm direito em nosso território, sejam eles portadores ou não de qualquer deficiência.

Também, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, além de outros, está "a Dignidade da Pessoa Humana", prevista no art. 1º, III, a qual garante a todos, indistintamente, valorização enquanto membro da humanidade.6

E, o artigo 3º da já citada Constituição de 1988 lista os "objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil", que são: "construir uma sociedade livre, justa e solidária", "garantir o desenvolvimento nacional", "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais", além de "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Neste sentido, especificamente quanto aos movimentos de inclusão dos portadores de deficiência na sociedade, trazemos as lições de Eugênia Augusta Gonzaga Fávero:

Isto fica bem claro quando nossa Lei Maior, além de garantir o direito à IGUALDADE, à NÃO-DISCRIMINAÇÃO, elege como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º): a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; reduzir as desigualdades sociais; promover o bem de todos, sem preconceitos. Apenas...

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