A nova intervenção de terceiros: Prestação de alimentos para o menor
Autor | José Maurício Helayel Ismael |
Páginas | 32-45 |
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É de salutar importância1 destacar o aspecto sócio-constitucional da prestação alimentícia. Vê-se que esta se faz necessária para garantir o mínimo existencial, ressaltado pelo princípio da dignidade da pessoa humana (art.1°, III da CRFB/88), princípio basilar da nossa Carta Magna. Assim, os pais devem prover dos meios necessários para fornecer aos filhos o sustento. Todavia, com um Brasil desigual, inúmeras vezes os genitores não conseguem manter um padrão de vida mínimo, recorrendo aos parentes mais próximos.
No ordenamento jurídico brasileiro, não há grandes divergências quanto ao conceito de alimentos, o que se verifica é uma complementaridade entre os autores, ou seja, uns complementam os outros, fornecendo ao leitor maior amplitude de conhecimento.
Preleciona Yussef Said Cahali:
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"(...) tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida", e em seu significado amplo, "é a contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção".2
Outrossim, entende o eminente civilista Silvio Rodrigues:
"(...) alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução".3
Enfim, é tudo aquilo que o infante necessita para conseguir manter uma vida digna, não significando o sentido literal da palavra, mas sim, uma concepção mais ampla, podendo se subdividir em alimentos civis (alimentos para manter o mesmo “status” social/padrão de vida) e alimentos naturais (alimentos indispensáveis para manter a sobrevivência).
Insta destacar que a natureza da prestação de alimentos, atualmente, é controvertida, possuindo três grandes correntes aceitas no ordenamento.
A primeira corrente se filia na prestação de alimentos como direito patrimonial, uma vez que se funda num pagamento in pecunia.
Já a segunda corrente retrara exatamente o contrário, ou seja, seria um direito pessoal extrapatrimonial, já que o interesse maior do alimentando é manter o seuPage 34 direito constitucional a vida (art. 5°, caput) direito este assegurado em sua dupla acepção: direito de continuar vivo e ter sua vida digna quanto a subsistência4.
Já a terceira, a mais aceita, mescla os dois entendimentos supracitados, porquanto seria de conteúdo pessoal e possuiria também um conteúdo patrimonial. Esta é defendida por grandes nomes, dentre eles, o insigne civilista Orlando Gomes, que atribuem a ela uma natureza mista, qualificando um conteúdo patrimonial e finalidade pessoal. Alega que:
"(...) não se pode negar a qualidade econômica da prestação própria da obrigação alimentar, pois consiste no pagamento periódico, de soma de dinheiro ou no fornecimento de víveres, cura e roupas. Apresentase, conseqüentemente, como uma relação patrimonial de créditodébito; há um credor que pode exigir de determinado devedor uma prestação econômica".5
Primeiramente, a prestação de alimentos cabe ao Estado. Todavia, o legislador se atentando para o fato de que ele não possui meios para arcar com todas as necessidades dos indivíduos, recorreu ao núcleo familiar para a manutenção de uma vida digna para os menores.
Marco Aurélio S. Viana afirma que:
“(...) a solidariedade deveria nortear a vida dos seres humanos. Incompletos por natureza, somente quando agrupados podem alcançar objetivos maiores. A vida em regime de interdependência é um fato. É por isso que se localiza no núcleo familiar os alimentos, sob a forma de obrigação ou dever, onde o vínculo de solidariedade é mais intenso e a comunidade de interesse mais significativa, o que leva os que pertencem ao mesmo grupo ao dever de recíproca assistência".6
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Observa-se que na obrigação de alimentos, segundo o art. 1698 do CC, os membros da família somente suportam o encargo na medida dos respectivos recursos, portanto, não se trata de obrigação solidária:
“Art. 1698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”
Como ensina Yussef Said Cahali, in verbis, “(...) o dever de alimentos tem como fundamento uma obrigação de caridade e solidariedade familiares.”7
Dessa maneira, se a pessoa é parente (ascendentes, descendentes ou irmãos, art. 1697 CC8) cada um vai arcar com a dívida na proporção da sua condição. O magistrado, ao proferir a sentença, vai fixar o valor de acordo com a parcela de contribuição de cada um, observado o binômio da necessidade/possibilidade (os parentes só irão arcar com a dívida de acordo com a sua possibilidade socioeconômica e a real necessidade do alimentando). Atualmente, na doutrina mais moderna, vê-se a predominância de um trinômio (necessidade/possibilidade/proporcionalidade, de acordo com o art. 1694, parágrafo 1° do CC), visto que se não houver os subprincípios da proporcionalidade (necessidade/adequação/proporcionalidade em sentido estrito), resta-se violado a dignidade da pessoa humana.
Ressalta-se que, apesar de haver outras opiniões, nada impede que ao iniciar a exordial, o alimentando, representado por um maior (geralmente sua genitoria) proponha a demanda desde o início em face de todos os devedores, formando um litisconsórcio passivo facultativo simples (em outras palavras, formaria uma pluralidade de réus e a sentença seria proferida diferentemente para cada um, nada impedindo que um pague mais que o outro).
Uma questão que suscita dúvidas nas pessoas é em relação a obrigatoriedade dos tios prestarem alimentos na medida de sua possibilidade. O Código silenciou a respeito,Page 36 porém diversos julgados nos tribunais já se manifestaram pela sua improcedência, merecendo destaque os abaixo transcritos:
“ALIMENTOS - RELAÇÃO DE PARENTESCO - LINHA COLATERAL LIMITADA AO SEGUNDO GRAU - TIO IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES - A obrigação alimentar decorrente da relação de parentesco é infinita na linha reta ascendente ou descendente. O mesmo não se pode afirmar no que tange ao parentesco na linha colateral, já que limitada ao segundo grau (irmãos), o que impossibilita a que outros parentes, a exemplo de tio, sejam condenados a prestar alimentos. Recurso manifestamente procedente.9 (GRIFO NOSSO)
HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS. TIOS E SOBRINHOS. DESOBRIGAÇÃO. DOUTRINA. ORDEM CONCEDIDA.
I - A obrigação alimentar decorre da lei, que indica os parentes obrigados de forma taxativa e não enunciativa, sendo devidos os alimentos, reciprocamente, pelos pais, filhos, ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau, não abrangendo, conseqüentemente, tios e sobrinhos.
II - O habeas corpus, como garantia constitucional contra a ofensa à liberdade individual, não se presta à discussão do mérito da ação de alimentos, que tramita pelas vias ordinárias, observando o duplo grau de jurisdição.
III - Posicionando-se a maioria doutrinária no sentido do descabimento da obrigação alimentar de tio em relação ao sobrinho, é de afastar-se a prisão do paciente, sem prejuízo do prosseguimento da ação de alimentos e de eventual execução dos valores objeto da condenação.”10
Durante a vigência do Código Civil anterior, alguns doutrinadores chegaram a levantar a hipótese de solidariedade. Essa questão suscitou diversas polêmicas doutrinárias, hoje praticamente pacificadas nas doutrinas e jurisprudências brasileiras, uma vez que em diversos julgados, já ficou reconhecida a não...
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