Cédula rural pignoratícia - depósito de bem fungível em armazém-geral - prisão de depositário infiel

AutorFernando Netto Boiteux
Páginas159-177

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REsp 46.017-MG (1994/0008568-0) Rei: Ministro Waldemar Zveiter

Rei p/acórdão: Ministro Ari Pargendler

Recté.: Banco Real S/A

Advs.: Edelberto Augusto Gomes Lima e outro

Recdos.: Silvio Ferraz Pires e outro Advs.: Luiz Antunes Caetano e outros Recdo:;Mogiana Agri Serviços Ar-mazéns-Gerais Ltda.

Adv.: João Soares Landim Recdo.: Flávio Leite de Moraes \ Advs.: Pedro Massaro Neto e outro

Ementa: Processo civil Depósito. Bens fungíveis. A infidelidade do depósito de coisas fungíveis não autoriza a prisão civil. Ressalva do ponto de vista pessoal do relator. "Habeas corpus" concedido de ofício.

Acórdão

Vistos, relatados è discutidos estes autos, acordam os Ministros da 3§ Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy An-drighi, por maioria, não conhecer do recurso especial e conceder o habeas corpus de ofício, vencido o Sr. Ministro Relator. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Ari Pargendler. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Ari Pargendler, Menezes Direito, Nancy Andrighi e Pádua Ribeiro.

Brasília, 26 de março de 2001 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente e Relator p/acórdão.

Relatório

O Exmo. Sr. Ministro Waldemar Zveiter: Adoto como relatório a parte expositiva do parecer da Subprocuradoria da República (fls. 335-338):

Cuida-se de recurso especial interposto com arrimo no art.. 105, III, alíneas a e c, da Constituição Federal, em que o Banco Real S/A se insurge contra o v. aresto de fls. 214 usque 219, complementando às fls. 262 e seguintes, lavrados pela Colenda 1§ Câmara Civil do Tribunal de . Alçada do Estado de Minas Gerais.

O Banco Real S/A promoverá ação de depósito contra Mogiana Agri Serviços Armazéns-Gerais Ltda., João Roberto

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de Araújo Barbosa, Silvio Ferraz Pires e Flávio Leite de Moraes, porque, em contrato de financiamento celebrado com a Comove - Companhia Mogiana de Óleos Vegetais, com sede em Orlândia, no Estado de São Paulo, esta houvera dado, em garantia de cumprimento da obrigação assumida, consoante conhecimento de depósito de warrants apresentados, endossados, a seguir, ao Banco Real, 23.728.813 kg a granel de soja em grão, depositados nos Armazéns-Gerais Mogiana Agri Serviços Armazéns-Gerais Ltda., que, todavia, antes de colocados à disposição do credor, foram consumidos.

A r. sentença veio a julgar procedente o pedido do Banco Real, às fls. 79 usque 85, condenando os requeridos a depositarem a mercadoria desviada ou seu equivalente em dinheiro, em 24 horas, sob pena de prisão.

Litisconsortes passivos e autor apelaram - aqueles, objetivando a reforma da sentença a pretexto de: a uma, ser de conhecimento do autor que o bem haveria de ser consumido para que não perecesse; a duas, haver o Banco Real garantido o negócio também por meio de avalistas, já executados em ação própria; a três, ser inadmissível a prisão civil, quer por não se tratar de típico contrato de depósito, porquanto a origem do negócio celebrado reside em cédula rural pignoratí-cia, quer por ser pessoa jurídica e ser descabida de prisão dos sócios e avalistas. Já o autor, mediante o apelo, pretendeu que o valor da mercadoria a ser considerado fosse o vigorante na data do pagamento.

A Egrégia lê Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de ofício e à unanimidade, houve por excluir da lide Silvio Ferraz Pires, João Roberto Araújo Barbosa e Flávio Leite de Moraes, com arrimo nos arts. 301, X e § 42 e 267, VI e § 39, todos do Código de Processo Civil, por não terem, referidos réus, relação alguma com os documentos em que se baseara a ação proposta. Veio, ainda, aquele colégio julgador a negar provimento às demais apelações, consoante se lê do acórdão, às fls. 210 usque 219.

Oferecidos embargos declaratórios pela instituição financeira e por Mogiana

Agri Serviços Armazéns-Gerais Ltda., a colenda lê Câmara Civil do Tribunal de Alçada mineiro, às fls. 247 e ss. dos primeiros - os ofertados pelo Banco Real - veio a conhecer, mas para inacolhê-los, julgando prejudicados os segundos, opostos pela companhia.

Novos embargos declaratórios vieram a ser ofertados pelo Banco Real S/A, porém, sem sucesso, dado não terem sequer restado conhecidos.

Embora tanto a Mogiana Agri Serviços Armazéns-Gerais Ltda. quanto o Banco Real S/A, tenham aviado recurso especial, somente o interposto pelo banco foi admitido pelo despacho de fls. 313 usque 316, tendo referida decisão sido mantida em sede de agravo.

A irresignação extrema do Banco Real encontra-se alicerçada nas alíneas a e c do autorizador constitucional. Baseou-se o recorrente, no tocante à alínea a, em pretensa violação, em um primeiro momento, aos arts. 302,219,128,512, e § ls do art. 515, todos do Código de Processo Civil; em um segundo, aos arts. 11, 15 e 35, § 49do Decreto 1.102, de 21.11.1903, c/c os arts. 901 e ss., do Código de Processo Civil; em um terceiro, aos arts. 22 e 23, também do Código de Processo Civil. Quanto à alínea c trouxe decisão havida no REsp 8.621-MG, de que fora relator o eminente Ministro Nilson Naves, em seguida, contudo, tecer o confronto analítico entre os julgados.

Esclareço que contra a inadmissão do apelo de Mogiana Agri Serviços Armazéns-Gerais foi aviado o competente agravo de instrumento que, no entanto, foi julgado deserto, sem que novamente se insurgisse a agravante (fls. 186 - apenso).

Enviados os autos para parecer em 2.5.1994 retornaram-me, conclusos, em 15.9.2000.

É o relatório.

Ementa: Conhecimento de depósito. "Warrant". Responsabilidade dos administradores dos armazéns-gerais onde depositada a mercadoria.

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I - Podem os representantes legais da pessoa jurídica serem compelidos, pena de prisão, à entrega da coisa depositada ou do seu equivalente em dinheiro, não fora assim, aliás a responsabilidade decorrente do depósito, sendo depositária, a pessoa jurídica, seria mera ficção, sem possibilidade de conduzir a efeitos práticos, porque ninguém seria alcançado pela coerção que a lei, excepcionalmente e sustentada em texto constitucional, permite seja exercida.

II - Cabe à empresa de armazéns-" gerais proceder à entrega das mercadorias a quem, como legítimo possuidor, apresente aqueles títulos. O conhecimento de depósito presta-se a evidenciar, em princípio, quem o proprietário da mercadoria, propriedade que se transmite com o endosso.

III - Tal entendimento prevalece ainda quando os administradores do armazém onde depositadas as mercadorias são as mesmas pessoas sócias de outra empresa tomadora de empréstimos junto ao banco, eis que emitiram os títulos e os endossaram à instituição financeira, por-quanto sua responsabilidade é regulada por lei específica.

IV - Recurso conhecido e provido.

Voto

O Exmo. Sr. Ministro Waldemar Zveiter (Relator): Como lido no relatório Banco RealS/A propôs ação de depósito contra Mogiana Agri Serviços Armazéns-Gerais Ltda., João Roberto de Araújo Barbosa, Silvio Ferraz Pires e Flávio Leite de Moraes sob p fundamento de que concedeu à Cia. Mogiana de Óleos Vegetais um financiamento representado por Cédula Rural Pignoratícia destinado à comercialização de soja em grão, nos termos do De-creto-lei 79/1966.

Em garantia dessa obrigação ofereceu a empresa 23.728.813 kg (vinte e três milhões, setecentos e vinte e oito mil, oitocentos e treze quilos) de soja em grão a granel, regularmente depositada nos Armazéns-Gerais Mogiana Agri Serviços Arma-zéns-Gerais Ltda. Este último emitiu um conhecimento de depósito e um warrant como comprobatórios do depósito da mercadoria.

O eminente Juiz sentenciante assim apreciou a espécie (fls. 82-84):

O autor juntou com a inicial a prova literal do depósito, ou seja, o conhecimen-- to de n. 0002, de 2.10.1990, e o warrant correspondente, emitidos pela ré Mogiana Agri Serviços Armazéns-Gerais Ltda. e endossados, ao autor, pela Cia. Mogiana de Óleos Vegetais - Comove, que tam-. bém é a emitente da Cédula Rural Pignoratícia de fls. 10.

O autor estimou o valor da coisa em Cr$ 545.000.000,00, cumprindo assim os requisitos do art. 902 do CPC.

Ora, a Cia. Mogiana de Óleos Vegetais, ao contrair com o autor o empréstimo de Cr$ 139.999.996,70 ofereceu, além da garantia de 23.728.873 quilos de soja, em penhor cedular de primeiro grau, o aval dos suplicados Silvio Ferraz Pires e Flávio Leite de Moraes, que também são os representantes legais da depositária.

Assim, na qualidade de responsáveis e administradores da Mogiana Agri Serviços Armazéns-Gerais tornaram-se fiéis depositários da mercadoria ali entregue, que por decorrência do endosso, estava à disposição do autor, sujeitando-se, os depositários, às obrigações preceituadas pelo art. 11 e seus itens, do Decreto 1.102/ 1903.

Com vistoria realizada em 24.11.1990, constatou-se a inexistência da soja, fato confirmado pelo Sr. Edvar Garcia de Paulo, encarregado dos Armazéns-Gerais, o que foi ratificado pelo Boletim de Ocorrência, lavrado pela Delegacia de Polícia, desta Comarca, fls. 5-6.

Não festa dúvidas que a soja foi consumida pela depositária e além do que, os réus, em sua contestação, confessam que utilizaram a soja, armazenada em silo, que fora depositada em seus armazéns, sem, entretanto, comprovarem qualquer autorização, por parte dos credores, para disporem da coisa da qual eram fiéis depositários.

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Assim tem decidido a Jurisprudência que peço vénia para citar.

Depositária. Pessoa jurídica....

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