Celebração de contratos via plataformas da economia de partilha: o exemplo dos seguros

AutorMargarida Lima Rego e Joana Campos Carvalho
Ocupação do AutorProfessora associada da NOVA School of Law, Universidade Nova de Lisboa/Doutoranda e professora convidada na NOVA School of Law, Universidade Nova de Lisboa
Páginas845-861
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CELEBRAÇÃO DE CONTRATOS VIA
PLATAFORMAS DA ECONOMIA DE PARTILHA:
O EXEMPLO DOS SEGUROS
Margarida Lima Rego
Professora associada da NOVA School of Law, Universidade Nova de Lisboa. Investiga-
dora do CEDIS – Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade.
Joana Campos Carvalho
Doutoranda e professora convidada na NOVA School of Law, Universidade Nova de
Lisboa. Investigadora do CEDIS – Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre
Direito e Sociedade.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os seguros na economia de partilha. 3. Novos modelos de negócio
no setor dos seguros. 3.1 O modelo mediador de seguros. 3.2 O modelo segurador. 3.3 O
modelo de autogestão. 4. Discussão: o modelo apresentado por Teambrella. 5. Conclusões.
6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
No início do século XXI, os modelos de negócio P2P (peer-to-peer, contratação
entre pares) de base tecnológica têm vindo a surgir, a multiplicar-se e a ter sucesso. Estes
modelos de negócio são diferentes dos modelos tradicionais de B2C (business-to-consu-
mer, ou contratação entre prof‌issionais e consumidores). Este artigo procura identif‌icar
e caracterizar os novos modelos de negócio de base tecnológica em uso, com especial
incidência no setor dos seguros. A nossa pesquisa teve como mote a procura dos novos
desaf‌ios ao direito dos seguros trazidos por esses novos modelos de negócio. Todavia, as
estruturas jurídicas que encontrámos representam uma espécie de regresso às origens,
tendo-nos sido possível identif‌icar o ressurgimento de algumas das modalidades de
seguros mais antigas na história da humanidade.
Os novos modelos de negócio que analisámos podem ser divididos em três moda-
lidades diferentes: o modelo mediador de seguros, o modelo segurador e o modelo de
autogestão.
O modelo segurador e o modelo mediador de seguros estão dependentes dos in-
tervenientes tradicionais no setor dos seguros – respetivamente, as empresas de seguros
e os corretores e agentes de seguros. No entanto, permitem aos clientes assumir parte
dos riscos segurados pelo grupo em que se inserem ou a que optam por aderir, e receber
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uma parte dos seus lucros, ou pelo menos fazem com que os clientes sintam que estão a
assumir esses riscos e a receber esses lucros. O setor está bem versado nestas tentativas:
há muito que as seguradoras do ramo vida desenvolveram formas de atribuir aos seus
clientes uma participação nos seus resultados. As personagens principais desses modelos
parecem desempenhar, em grande medida, os mesmos papéis tradicionalmente atribuídos
aos mediadores e empresas de seguros. Embora possam incorporar elementos P2P, não
são, na sua essência, verdadeiros modelos P2P.
Assim, limitamo-nos a traçar um breve esboço desses modelos, passando em seguida
à análise do modelo de autogestão, onde entendemos que se encontrariam as estruturas
mais inovadoras e desaf‌iantes. Descobrimos que os aspetos mais inovadores dos modelos
segurador e mediador de seguros estão também presentes no modelo de autogestão, mas
foram desenvolvidos e trazidos para um nível diferente através da eliminação total do
recurso a seguradoras e mediadores de seguros e da simples disponibilização da plata-
forma e da assistência que permite aos utilizadores f‌inais juntarem-se e satisfazerem as
suas próprias necessidades de seguros. Nesta parte do artigo analisamos mais em detalhe
a entidade mais conhecida como Teambrella.
Após a identif‌icação dos contraentes no modelo de autogestão e dos papéis por si
desempenhados, a nossa atenção recai sobre os novos desaf‌ios que este modelo apre-
senta: os contratos celebrados através destas plataformas qualif‌icam-se como contratos
de seguro? A regulação do setor dos seguros deve ser-lhes aplicável? Estas questões,
constatamos, têm sido colocadas e respondidas muitas vezes no passado. Daí que a nossa
investigação tenha acabado por proporcionar uma excelente oportunidade para uma
análise retrospetiva sobre as origens dos seguros.
2. OS SEGUROS NA ECONOMIA DE PARTILHA
Nos modelos de negócio peer-to-peer (P2P), ao contrário dos modelos business-
-to-consumer (B2C), há normalmente uma empresa envolvida, mas que atua como um
intermediário facilitador da interação direta entre os intervenientes relevantes. O contrato
é frequentemente tornado possível por uma empresa que opera uma plataforma em linha,
mas é celebrado entre dois ou mais pares. Exemplos bem conhecidos de negócios P2P
incluem a Airbnb, a eBay ou o OLX.
Diz-se que tais modelos integram a chamada «economia de partilha»1, que inclui
qualquer atividade económica que envolva uma plataforma em linha – um mercado vir-
tual – que fornece informações e facilita os contactos diretos entre a oferta e a procura,
permitindo assim uma otimização colaborativa dos recursos através de uma utilização
ef‌icaz da capacidade excedentária.
1. Embora muito tenha sido escrito sobre o assunto, não há consenso em torno da def‌inição, ou mesmo da adequação
conceptual, da expressão «economia de partilha» – cfr. Codagnone e Martens (2016). Alguns autores encontraram
indícios de que o termo «partilhar» tem conotações positivas de igualdade, abnegação e generosidade e é utilizado
para associar estas ideias de relações sociais positivas àquilo que, de facto, são transações comerciais altamente
lucrativas – Belk (2014), p. 10; John (2013), pp. 176-177. No entanto, embora cientif‌icamente pouco rigorosa, a
expressão «economia de partilha» é de longe a mais utilizada para referir o objeto do nosso estudo, pelo que optámos
por usá-la, pois é a forma mais simples e imediata de explicar sobre o que escrevemos – Sundararajan (2016), p. 27.
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