Cidade, mercado e moradia: a reformulação das políticas de habitação e a participação do setor privado

AutorPaulo Sérgio Ferreira Filho/Rafael da Mota Mendonça/Vânia Siciliano Aieta
Páginas49-112
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CAPÍTULO 2
CIDADE, MERCADO E MORADIA: A
REFORMULAÇÃO DAS POLÍTICAS DE
HABITAÇÃO E A PARTICIPAÇÃO DO
SETOR PRIVADO
O deficit habitacional, concentrado na população
mais pobre, é um dos maiores desafios das metrópoles
brasileiras. Desse modo, é preciso repensar as políticas
públicas habitacionais, a fim de que elas possam aumentar a
oferta de moradias de interesse social, ao mesmo tempo que
tais programas se integram no objetivo do desenvolvimento
sustentável das cidades.
Todavia, há diversas dificuldades na implementação
das políticas públicas urbanas, esbarrando-se muitas vezes na
escassez de recursos públicos, na falta de colaboração ou
adesão de setores da sociedade civil e do mercado e de um
planejamento voltado integralmente para o interesse público.
Buscando elucidar e conciliar uma boa gestão urbana e os
interesses do mercado, apontando os recursos privados como
uma possível saída para o problema da insuficiência
orçamentária do Estado, passa-se a analisar de que maneira
as políticas urbanas devem ser repensadas.
A seção a seguir inicia-se definindo melhor o
conceito de políticas públicas e explicando como elas devem
contribuir para a efetivação dos direitos sociais. Enumeram-
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se, em seguida, dificuldades na implementação dos
programas, o que leva ao fenômeno da judicialização das
políticas públicas, demonstrando-se, porém, que tal
judicialização não é capaz de lidar estruturalmente com os
entraves para a efetivação dos direitos sociais. Defende-se,
assim, como alternativa à ausência de recursos públicos para
a execução das diversas políticas, que o Estado, atuando
como ente regulador e indutor de comportamentos, crie um
mecanismo de incentivos que leve os atores do mercado a
aproximarem as suas atividades do interesse público definido
nos diversos programas estatais.
Mais adiante, concentrar-se na exposição das
políticas públicas urbanas, trazendo a discussão para o
contexto das cidades, das relações nela mantidas por seus
habitantes, bem como pela busca de um modelo de cidade
sustentável, devendo-se coordenar e integrar as diversas
políticas urbanas para atingir tal objetivo.
Finalmente, a última seção deste capítulo dedica-se
especificamente à questão das políticas habitacionais,
demonstrando a lógica atual e suas falhas na efetivação do
direito à moradia adequada e apontando mecanismos legais
existentes que podem captar e coordenar os interesses de
lucro do mercado para a criação de uma política habitacional
que vise promover o aumento da oferta de imóveis
destinados à habitação popular nessas regiões e enfrentar o
problema da periferização da população mais pobre e da falta
de estrutura urbana fora das áreas centrais.
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Políticas públicas e desafios de implementação
Com o advento de Estado do Bem-Estar Social que
se apresentou como uma via para superar as desigualdades
sociais e o caos social advindo delas após a Revolução
Industrial, buscando o fortalecimento do capitalismo frente
aos regimes socialistas que emergiam as Constituições
passaram a prever direitos fundamentais prestacionais, tendo
a doutrina apontado as Constituições do México de 1917 e a
de Weimar de 1919 como marcos históricos (SILVA, 2007;
MENDES; COELHO; BRANCO, 2008; CANELA JUNIOR,
2013). Superou-se, assim, uma concepção meramente
negativa dos direitos fundamentais, limitadora da atividade
do Estado e garantidora da liberdade dos cidadãos, passando
a tecer concretamente direitos fundamentais sociais,
consistentes no dever de prestações pelo Estado, a fim de
garantir o bem-estar dos cidadãos, sem o qual não seria
possível sequer falar em usufruto de uma pretensa liberdade
(BUCCI, 2006).
A partir dessa nova concepção do papel do Estado,
este, portanto, passou a ter o dever (e os cidadãos, o direito
correspondente) de garantir condições dignas de vida aos
cidadãos, prestando diretamente ou criando as condições
necessárias para que as pessoas tivessem acesso à educação,
saúde, proteção da infância, moradia, dentre outros inúmeros
direitos sociais.
Para tanto, além de prever abstratamente tais direitos, o
Estado também passou a instituir concretamente políticas
públicas, que visavam à implementação dos direitos por meio
de uma complexa rede de atuação, que envolve diferentes

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