A urbanização carioca: o papel do poder executivo e do poder judiciário no desenvolvimento de políticas públicas urbanas de regularização fundiária e urbanística

AutorPaulo Sérgio Ferreira Filho/Rafael da Mota Mendonça/Vânia Siciliano Aieta
Páginas113-172
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CAPÍTULO 3
A URBANIZAÇÃO CARIOCA: O PAPEL DO
PODER EXECUTIVO E DO PODER
JUDICIÁRIO NO DESENVOLVIMENTO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS DE
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E
URBANÍSTICA
A história do Brasil pode ser contada a partir dos
movimentos de luta pelo acesso à terra. Desde a chegada
portuguesa em solo brasileiro, no Brasil colônia, na velha
república, nos governos totalitários e na nova democracia,
essa luta foi parte integrante do processo de formação
territorial do país, sendo um contraponto à divisão
socioespacial, orientada pelo modo de produção capitalista.
No século XIX, após as revoluções burguesas, o positivismo
(codificações) apropriou-se do direito natural, domesticando
liberdades inerentes à própria existência humana e exaltando
o monopólio da produção normativa nas mãos do Estado,
cultuando o processo legislativo.
O direito criado no seio das revoluções liberais foi a
base do modelo capitalista de produção, pautado em relações
abstratas e universais, baseadas no conceito de contrato,
propriedade e sujeito de direito. Os trabalhadores, antes o
próprio objeto de apropriação, sob a forma de escravos ou
servos, foram captados pelo processo jurídico de
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subjetivação, em que lhes foi imposta uma estrutura
ideológica que garantia a hegemonia da classe proprietária
(BALDEZ, 1989).
Com a consolidação do Estado liberal e do modelo de
produção capitalista pautando o sistema econômico mundial,
é notório o forte papel do Direito na formação das bases das
relações sociais. O caso concreto, o fato em si, é cada vez
mais individualizado pelo ordenamento jurídico,
universalizando as relações humanas que agora estão
tipificadas, sendo o Estado, portanto, sujeito garantidor da
ordem social. A lógica de que todo indivíduo é titular de
direitos e obrigações na sociedade civil tenta criar a máxima
abstrata de que todos são iguais perante a lei.
Essa abstração jurídica com status constitucional
ignora as profundas desigualdades econômicas, culturais e
sociais. As noções de igualdade e liberdade formais
cumprem seu papel de cada vez mais individualizar as
latentes contradições sociais. O Direito positivo consagrado
nas revoluções do século XIX criou, em torno da terra urbana
e rural, uma verdadeira cerca jurídica (BALDEZ, 1997).
Quando os trabalhadores eram submetidos ao regime
da escravidão, a terra não tinha valor, pois o monopólio do
capital era exercido sobre o próprio trabalhador, que era
tratado como renda capitalizada. A fonte de riqueza era o
próprio ser humano. A partir de 1850, no Brasil, com o
advento da Lei Euzébio de Queiroz que extinguiu o tráfico
negreiro, o trabalhador, a partir de então assalariado, estava
prestes a entrar no mercado de trabalho na ótica dessa nova
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organização social. Assim, rapidamente a cerca foi ampliada
com a Lei n° 601 de 185016.
A terra, agora, deveria assumir o lugar do escravo
como renda capitalizada. Essa lógica toma a frente do
processo histórico no momento em que é promulgada a Lei
n° 1237, de 24 de setembro de 1864, em que a terra,
devidamente titulada, poderia servir como objeto das
hipotecas, garantindo os financiamentos exigidos pelas
empresas do café (BALDEZ, 1997).
A construção desse aparato jurídico de proteção à
terra teve início com a chegada dos portugueses em solo
brasileiro. Seu fortalecimento ocorreu no ano de 1850 com a
promulgação de diversas leis específicas, culminando na
CRFB/88, com a consagração da propriedade privada como
direito fundamental, muito embora já incorporado o atributo
da função social.
Sem dúvida, tal sistemática trouxe inúmeros reflexos
no processo de urbanização e divisão social do espaço. Nessa
linha, a construção do espaço urbano brasileiro sempre foi
pautada pelos investimentos realizados pelos capitais
nacional e internacional. Essa lógica fez com que a formação
do espaço urbano no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro,
se desenvolvesse de forma desigual e atendendo aos
interesses dos titulares dos meios de produção, consolidando
um ambiente extremamente segregado (SANTOS, 2008).
Um retrato do que foi apontado são o deficit de
moradia no Brasil e o grande número de ocupações
16 A Lei de Terras de 1850 teve como principal finalidade determinar
a compra e venda como a única forma de aquisição entre vivos das
terras, superando o antigo sistema de concessões públicas pelo regime
das sesmarias.

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