A cidade, o patrimônio cultural e a gestão urbana
| Autor | Émilien Vilas Boas Reis/Stella de Moura Kleinrath |
| Páginas | 145-169 |
Capítulo VII
A CIDADE, O PATRIMÔNIO
CULTURAL E A GESTÃO URBANA
O mundo contemporâneo é um mundo plural. Apesar de tal cons-
tatação, há uma tendência de homogeneização. A cidade, espaço por
excelência da diversidade, não escapa a tal convergência. Os dife-
rentes patrimônios culturais correm sempre sérios riscos de serem
abandonados, esquecidos, absorvidos por outras tradições ou tratados
exclusivamente a partir de interesses econômicos
Nesse cenário, os gestores públicos têm fundamental importância
para a preservação do patrimônio cultural. Mas como justicar tal
posição?
O capítulo que se segue pretende, inicialmente, na parte denomi-
nada “A criação da cultura”, apontar o conceito losóco de cultura e
seu signicado. Ilustra como o homem pode ser compreendido como
um “ser-de-cultura”.
A partir de um conceito mais geral sobre cultura, o texto se volta
para as tradições culturais, elemento implícito ao patrimônio cultural.
Pautado em Paul Ricoeur, no subcapítulo “Tempo, narrativa, tradição
e história”, o escrito faz uma relação entre os conceitos que dão nome
a esta parte. Será importante demonstrar como o patrimônio cultural
carrega em si uma narrativa no tempo (não necessariamente linear),
cheia de história e tradição, capaz de unir gerações passadas, atuais e
vindouras.
Depois dessas considerações, o texto passa a explanar o papel da
gestão urbana na preservação do patrimônio cultural, iniciando com
breve relato sobre o panorama nacional e as mudanças constitucionais
de 1988 que levaram as políticas públicas de cultura a buscar reconhe-
Émilien Vilas Boas Reis
Stella de Moura Kleinrath
mariza rios_dirfund.indb 145 21/05/2015 21:59:18
émilien vilas boas reis/stella de moura kleinrath
146
cimento para as diversidades culturais bem como ampliar o acesso até
mesmo por meio da descentralização até as municipalidades.
Como a questão territorial começou a ter centralidade no novo ce-
nário das políticas públicas, o texto é nalizado com uma análise das
políticas municipais de Belo Horizonte, um dos primeiros municípios
a aderir formalmente a essa política nacional.
7.1 A CRIAÇÃO DA CULTURA
Há inúmeras denições para cultura. De acordo com alguns teó-
ricos, passa de uma centena de acepções. Termo bastante carregado
dentro das ciências sociais, talvez uma forma interessante para ilus-
trar, em linhas gerais, o que é cultura caiba a uma visão losóca.
Partindo de uma leitura de Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.), Lima Vaz1
arma que, para o estagirita, é um delírio tentar mostrar a existência
do ethos, elemento coexistente e fundamental da cultura:
Para Aristóteles seria insensato e mesmo ridículo querer demons-
trar a existência do ethos, assim como é ridículo querer demonstrar
a existência da physis. Physis e ethos são duas formas primeiras de
manifestação do ser, ou da sua presença, não sendo o ethos senão a
transcrição da physis na peculiaridade da praxis ou da ação huma-
na e das estruturas histórico-sociais que dela resultam.2
Pode-se armar que a physis (natureza) é o campo do necessário,
que, se transforma em ethos e praxis, o campo da liberdade e dos
hábitos. Etimologicamente, ethos podia ser grafado com a letra ini-
cial “eta” (ηθος), que signica morada ou casa do homem, ou seja,
a capacidade que o homem tem de reconstruir a physis por meio do
costume (ação); e com a letra inicial “épsilon” (εθος), que signica
a constância do agir (hábito). As duas concepções acima têm uma
ligação intrínseca:
1 Para uma síntese do pensamento de Lima Vaz a respeito de sua ética, à qual se
faz menção, é sugerido MAC DOWELL, SJ., João A. Aspectos Fundamentais
do Pensamento Ético de Padre Vaz. In: Veredas do Direito, vol. 1, n° 2, abr.
2004, p. 63-79.
2 VAZ, Henrique Claudio de Lima. Escritos de Filosoa II: Ética e Cultura. São
Paulo: Loyola, 2004, p. 11.
mariza rios_dirfund.indb 146 21/05/2015 21:59:18
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO