Civil: A perda e o ganho de direito na execução do contrato

AutorVirginia de Sylos Sutherland
CargoAdvogada
Páginas10-12
10 REVISTA BONIJURIS I ANO 33 I EDIÇÃO 670 I JUN/JUL 2021
TRIBUNA LIVRE
Virginia de Sylos SutherlandADVOGADA
A PERDA E O GANHO DE DIREITO NA EXECUÇÃO DO CONTRATO
Dormientibus non
sucurrit ius (O direito não
socorre aos que dormem)
Acelebração de um con-
trato pressupõe que as
partes contratantes pau-
tem suas condutas na
chamada “boa-fé objetiva”, que
nada mais é do que a exigência
de um comportamento leal dos
contratantes antes, durante e
após a extinção do contrato.
Essa boa-fé desdobra-se em
conceitos ou figuras que ser-
vem para direcionar a conduta
das partes no sentido de evitar
a abusividade de direitos que
cada uma delas possui no acor-
do, fazendo lembrar que onde
há direitos há também deve-
res, ainda que implícitos.
Neste artigo, trataremos
dos conceitos da supressio e
surrectio.
“Supressio é supressão de
um direito pelo seu não exercí-
cio com o passar dos tempos; a
surrectio é o surgimento de um
direito diante de práticas, usos e
costumes” (T, 2012, p. 101).
Não há na lei ou na doutri-
na um tempo pré-determinado
que fixe a perda do direito pelo
seu não exercício, de forma que
essa questão deve ser analisa-
da caso a caso, de acordo com
as circunstâncias em concreto.
O que ocorre é que o credor
perde um direito a ele atribu-
ído contratualmente em ra-
zão do fato de que, na prática,
ele não exerceu esse direito.
O devedor, por sua vez, por
causa dessa inércia do credor
(supressio) adquire um direito
que não lhe era devido origi-
nalmente no contrato.
Portanto, diante da supres-
sio nasce a surrectio, que nada
mais é do que o surgimento de
um direito não existente juridi-
camente no contrato, mas que
vem a consolidar-se, por lapso
considerável de tempo, em ra-
zão da inércia da outra parte.
Um julgado do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais ilustra
bem a aplicação desses concei-
tos dentro de um contrato de
locação de imóvel, o que aca-
bou por gerar uma alteração
no valor do aluguel:
“Direito Civil. Locação residen-
cial. Situação jurídica continuada
ao arrepio do contrato. Aluguel.
Cláusula de Preço. Fenômeno da
surrectio a garantir seja mantido
a ajuste tacitamente convenciona-
do. A situação criada ao arrepio
de cláusula contratual livremente
convencionada pela qual a locado-
ra aceita, por certo lapso de tempo,
aluguel a preço inferior àquele ex-
pressamente ajustado, cria, à luz do
Direito Civil moderno, novo direito
subjetivo, a estabilizar situação
de fato já consolidada, em presti-
gio ao Princípio da Boa-fé contra-
tual” (TJMG, 16º Câmara Cível, AC
1.0024.03.163299-5/001-Belo Horizon-
te-MG, Rel. Des. Mauro Soares de
Freitas, j. 07.03.2007, v.u.).
Vê-se, portanto, que, muito
embora as partes tenham ajus-
tado no contrato um determi-
nado índice de reajuste para
os aluguéis, na prática, por um
certo tempo, o locador aceitou
o pagamento do aluguel em
valor inferior àquele expres-
samente ajustado, de modo a
criar, legitimamente, para o
inquilino o direito subjetivo ao
pagamento do aluguel a menor.
Dessa forma, torna-se está-
vel e concreta uma situação
de fato (pagamento do aluguel
sem o reajuste), com base no
princípio da boa-fé que deve
nortear o comportamento das
partes na execução do contra-
to, como dissemos no início.
Se assim não fosse, haveria
uma afronta a esse princípio,
tendo em vista a expectativa
legítima gerada no inquilino de
que o reajuste não seria mais
aplicado nem exigido na forma
originalmente acordada.
Na mesma linha, cabe citar a
ementa do julgamento do RE
.., no qual a ministra
Nancy Andrighi aplicou a su-
Supressio
é supressão
de direito pelo seu não
exercício com o passar
dos tempos;
surrectio
é o
surgimento de direito diante
de práticas, usos e costumes

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