União civil entre pessoas do mesmo sexo: Família Homoafetiva

AutorTereza Rodrigues Vieira
CargoDoutora em Direito pela PUC/SP e Université Paris - Professora pesquisadora nas Universidades UniABC (SP), UNICASTELO (SP) e UNIPAR (PR)
Páginas69-79

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1. Introdução

Não se tem dados suficientes para o estabelecimento das causas da orientação ou do comportamento homossexual. Contudo, está completamente afastada a homossexualidade como doença pela Organização Mundial da Saúde, aliás, o Conselho Federal de Medicina já em 1985 tornou sem efeito o CID 302, o "do desvio ou transtorno sexual".

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Provavelmente fatores genéticos, psicológicos e sociais se combinam para originar uma energia sexual que corre em direção da homossexualidade. Não se trata de opção, visto que, da mesma forma que a heterossexualidade foi natural para nós, a homossexualidade é um desejo natural para esses indivíduos.

Assim, a orientação sexual é a identidade atribuída a alguém em função da direção do seu desejo e/ou condutas sexuais, seja para pessoa do sexo oposto, para pessoa do mesmo sexo ou de ambos os sexos.1 Quando se fala em parceria civil entre pessoas do mesmo sexo não se prega o casamento de véu e grinalda. Ademais, o projeto da então deputada Marta Suplicy vem regulamentar uma situação de fato que já existe há muito tempo. "E o que de fato existe, de direito não pode ser negado".

O preconceito não é inato e se apresenta como um produto da desinformação. Esperamos que a visão preconceituosa não prevaleça, pois nossa tarefa é lutar pela garantia dos direitos plenos de cidadania, com respeito à igualdade.

Será que a base para se constituir uma família é apenas a diversidade de sexo ou, será o amor, a solidariedade, o compromisso e a responsabilidade?

2. Princípio da Igualdade X Discriminação

Estabelece o art. 3o, em seu inciso IV da CF que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Direito à igualdade, neste caso, significa tratamento jurídico isonômico para heterossexuais e homossexuais, proibindo-se as discriminações por motivo de orientação sexual. No dizer do Juiz Federal gaúcho Roger Raupp Rios, "as desigualdades só poderão ser toleradas se fundadas em motivos racionais. (...) Assim, com relação a homossexualidade, aquilo que outrora justificaria a diferenciação, hoje se revela preconceito, não mais servindo como justificação racional para práticas discriminatórias". E continua, "a ausência de expressa previsão do critério orientação sexual não é obstáculo para seu reconhecimento, não bastasse aPage 71 explícita abertura constitucional para hipóteses não arroladas explicitamente no texto normativo".2

Há quem defenda que a discriminação contra homossexuais é um modo de diferenciação baseada no sexo da pessoa para quem alguém direciona seu relacionamento sexual, na medida em que serve de supedâneo para preconceitos e desigualdades.3

Verificam-se previsões nos âmbitos federal, estadual e municipal quanto a proibição explícita de diferenciação por orientação sexual.

A edição do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNHD2) em maio de 2002, lançado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso foi simpática à união homossexual.

No Distrito Federal existe uma lei aprovada em 6 de novembro de 2000 que proíbe a discriminação dos homossexuais, podendo o infrator ser multado em até 10 mil ufirs. Trata-se da Lei no. 2.615, de autoria da Deputada distrital Maria José Maninha, considerando atos de discriminação submeter as pessoas a constrangimentos, proibi-las de ingressar ou permanecer em locais públicos ou privados ou, ainda, tratá-las de forma diferenciada por causa de sua orientação sexual. Atos de coação, ameaça ou violência também estão sujeitos às penas previstas. A multa poderá ser aumentada em até cinco vezes, conforme a capacidade financeira do estabelecimento.

Desde 5 de novembro de 2001 vigora em todo o Estado de São Paulo a lei n. 10.948, que dispõe sobre as penalidades a serem aplicadas à prática de discriminação em razão de orientação sexual. Nos termos da lei, será punida toda manifestação atentatória ou discriminatória praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero.

A intolerância sexual condenou alguns skeanheads a 21 anos de prisão pelo assassinato do adestrador de cães Edson Neris da Silva. Na madrugada de 6 de fevereiro de 2000, Silva passeava de mãos dadas com o amigo na Praça da República, região central de São Paulo, quando foi espancado até a morte por cerca de trinta jovens de uma gangue. O homicídio foi considerado triplamente qualificado (meio cruel, motivo torpe e impossibilidade de defesa) e formação de quadrilha.4

É importante, justamente para se evitar crimes como o acima citado, que, os municípios criem programas educacionais informando acerca do respeito a diversidade.

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No Município de São Paulo existe um treinamento para professores e funcionários da rede pública de ensino fundamental, os quais estão aprendendo a lidar com as diferenças em sala de aula. Iniciado em 2001, o projeto "Educando para a Diversidade" já treinou cerca de mil professores e outros dois mil estão sendo treinados em 2002.

3. Adoção

Em existindo a convivência entre crianças e parceiros do mesmo sexo o vínculo jurídico entre os adotantes e adotado é inevitável. Não se pode tolher esta criança de usufruir dos direitos sucessórios e proveitos beneficiários, não tendo como assegurar, v.g., o direito a alimentos e a visitas.

Em assim sendo, os interesses dos menores estarão melhor protegidos se as famílias homoafetivas forem vistas sem preconceitos, sem temores, e sem mitos. As mães lésbicas são capazes de exercer perfeitamente o papel materno, preocupando-se inclusive em cercá-los de figuras masculinas adequadas para a identificação (irmãos, tios, avô). Estudos realizados demonstraram que crianças educadas por pais homossexuais desenvolvem identidade sexuais apropriadas e assumem atitudes heterossexuais, como aquelas criadas em lares de mães heterossexuais.5

É importante que os pais ou as...

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