Classificação das Ações

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas488-500

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Adotando como critério a espécie de provimento jurisdicional solicitado pela parte, a doutrina estabeleceu uma classificação das ações em: 1. de conhecimento; 2. de execução; e 3. cautelar. A despeito de essa categorização encontrar-se consagrada — e ter sido até mesmo incorporada pelo Código de Processo Civil1—, entendemos, de par com outros autores2, que o conceito de ação, enquanto direito subjetivo público de invocar a tutela jurisdicional do Estado, é substancialmente incindível; daí por que a tripartição realizada pela doutrina está em evidente dissonância com a moderna teoria abstrata da ação, que pudemos estudar no Capítulo anterior, segundo a qual esta “não se caracteriza, em sua essência, pelos elementos identificadores, sendo inadequado falar em ‘ações’ no plural” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria Geral do Processo. 21. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 237).

Sem implicar renúncia à nossa opinião há pouco manifestada, examinemos, a seguir, as três classes de ações admitidas pela inteligência doutrinária.

1. Ação de conhecimento

Conhecer, do latim cognoscere, significa ter noção ou informação sobre alguma coisa. Transposto para o particularismo do direito processual, o vocábulo traduz o processo pelo qual o Estado-Juiz conhece dos fatos alegados pelas partes e, em consequência, declara qual a regra de direito aplicável ao caso concreto.

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A cognição, em sede processual, é a relação que se estabelece entre o juiz (ser cognoscente) e os fatos da causa (objeto cognoscível), sendo aprofundada no processo de conhecimento, que pressupõe um juízo de certeza, e superficial, no cautelar, que pressupõe um juízo de mera probabilidade.

A finalidade da ação de conhecimento é, portanto, obter do órgão jurisdicional um pronunciamento acerca do mérito, que solucione o conflito intersubjetivo de interesses in iudicio deducta. Ainda que o juiz determine a extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC, art. 267), terá existido o conhecimento jurisdicional, embora exterior ao mérito.

Constitui equívoco injustificável supor que a atividade de cognição do juízo somente se relaciona com os fatos narrados pelo autor, como se a esse conhecimento não se submetessem, por igual, os fatos expostos pelo réu, em sua resposta, qualquer que tenha sido a modalidade (CPC, art. 297). Em tais casos, pois, o órgão jurisdicional conhece da controvérsia, dos interesses em antagonismo, da lide — esclarecendo-se que lide e controvérsia não constituem, necessariamente, expressões sinônimas.

Podemos indicar como traço característico das sentenças proferidas nos processos de conhecimento a sua eficácia para eliminar a incerteza do direito, que dá origem à disputa que, em torno dele, estabelecem as partes.

Na Justiça do Trabalho, o processo de conhecimento finda-se mediante sentença, tenha esta apreciado, ou não, o mérito da causa (CPC, art. 162, § 1.º). Na Justiça Comum, todavia, a sentença não extingue o processo cognitivo, senão que dá ensejo, no mesmo processo, ao “cumprimento da sentença” (CPC, art. 475-I), quando condenatória (obrigação por quantia certa).

Tendo em vista a natureza do provimento jurisdicional emitido no processo de cognição, a doutrina identifica a existência de três subclasses de sentenças, ou de ações:
1. declaratória; 2. constitutiva; 3. condenatória.

É necessário advertirmos, todavia, que inexistem sentenças genuinamente “declaratórias”, “constitutivas” e “condenatórias”, da mesma forma que o processo contemporâneo não conhece uma oralidade plena ou “pura”. Quando se diz que uma providência jurisdicional é declaratória, constitutiva ou condenatória, o que se está considerando em verdade é a “carga”, a preponderância da declaratividade, da constitutividade ou da condenação embutida em tais pronunciamentos. Muitas sentenças, ditas, e. g., condenatórias, também contêm uma “carga” — embora mínima — de declaratividade. O mesmo se afirme quanto às constitutivas.

Além disso, certos decretos judiciais trazem, em um só corpo, partes distintas; não se trata, pois, de conteúdos que se interpenetram, que se mesclam, e sim que coexistem organicamente. Uma sentença que reconheça a pretendida relação de emprego, assim como a estabilidade, e imponha ao réu o pagamento de certas quantias, será declaratória na parte em que admitiu aquela relação qualificada; constitutiva, na que afirmou (constituiu) a estabilidade e condenatória na que impôs ao réu o pagamento de parcelas pecuniárias especificadas na peça inaugural.

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Feita a ressalva, analisemos as três subclasses de ações, há instantes referidas.

  1. Ação declaratória. Por meio dela, o autor colima alcançar um pronunciamento jurisdicional que declare: a) a existência ou inexistência de relação jurídica; ou
    b) a falsidade ou a autenticidade de documento (CPC, art. 4.º, I e II); essa espécie de ação é admissível mesmo quando já tenha ocorrido a violação do direito (ibidem, parágrafo único), hipótese em que será declaratória-incidental (CPC, arts. 5.º e 325).

    Reconhecida a relação jurídica material, a sentença será declaratória positiva; negada a relação, o provimento será declaratório negativo. Duas observações, neste momento, tornam-se recomendáveis. Em primeiro lugar, quando a pretensão do autor objetivar a declaração de autenticidade ou de falsidade documental, a sentença declaratória, em qualquer caso, terá conteúdo essencialmente positivo, pois dirá se o documento é autêntico ou falso. Em segundo, será sempre declaratória-negativa a sentença que rejeitar os pedidos formulados pelo autor, mesmo em ação de natureza diversa (digamos que ele buscasse a condenação do réu e a sentença repelisse essa pretensão).

    As sentenças meramente declaratórias (o autor poderia, e. g., pedir exclusivamente um provimento que declarasse a sua qualidade de empregado) são destituídas de eficácia executiva, valendo como simples preceito; com a prolação dessa espécie de sentença o Estado cumpre e acaba, em face daquele caso concreto, a sua função jurisdicional. Daí vem que se o autor pretender fazer valer o direito que foi declarado pela sentença deverá invocar, mais uma vez e em ação distinta, a tutela jurisdicional do Estado, com o escopo de tirar, desta feita, um provimento condenatório, que o autorizará, mais tarde, a deduzir uma pretensão executiva perante o mesmo réu.

    Estabelecia, a propósito o art. 290, caput, do CPC, de 1939 que “na ação declaratória, a sentença que passar em julgado valerá como preceito, mas a execução do que houver sido declarado somente poderá promover-se em virtude de sentença condenatória”; embora essa regra não tenha sido reproduzida no texto do Código atual, isto não deve ser levado à conta de ter sido intenção do legislador atribuir eficácia de título executivo às sentenças tipicamente declaratórias. Estas, conforme sustentamos, continuam a valer como simples preceitos.

    Pode ocorrer, porém, de o autor haver solicitado uma sentença apenas declaratória e esta, acolhendo o seu pedido, acrescentar um plus, consistindo na imposição ao réu do pagamento de custas. Nesta hipótese, a eventual execução que vier a ser promovida terá como objeto, à evidência, somente as custas, porquanto o mencionado plus implicou a condenação do réu à satisfação dessa despesa processual.

    A falta de uma exata compreensão a respeito do contéudo das sentenças poderia levar à errônea inferência de que não seria possível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios nas ações declaratórias; ora, a declaratividade, na espécie, figura como o objeto da ação, o seu “mérito”, que em nada se relaciona com a circunstância de o réu vir a ser condenado ao pagamento daquela despesa processual, cujo fundamento reside no fato objetivo de sua derrota. Uma coisa, portanto, é o pronunciamento jurisdicional acerca da relação jurídica material deduzida em juízo (declaração); outra, a imposição,

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    ao vencido, do pagamento dos honorários advocatícios e das demais despesas processuais exigíveis (condenação). É elementar que no cotejo entre as duas partes da sentença o destaque é para o conteúdo declaratório — realce que tem sido causa, como dissemos, da suposição de que o mesmo ato jurisdicional não possa conter, concomitantemente, uma parte condenatória.

  2. Na ação constitutiva, o autor persegue um provimento jurisdicional que constitua, modifique ou extinga uma situação ou uma relação jurídica; esta classe de sentença, contudo, opostamente à declaratória, não cria o direito: limita-se a reconhecer a preexistência do direito invocado pela parte, do qual resultarão efeitos constitutivos, como previstos na ordem jurídica. Parece-nos, por isso, desapercebido de razão jurídica Goldschmidt ao asseverar que “La acción constitutiva es el tipo de una acción sin derecho” (Teoría General del Proceso. Barcelona: Editorial Labor, 1936. p. 27). Sublinhamos.

    Em regra, as sentenças constitutivas produzem efeitos para o futuro (ex nunc), ao passo que nas declaratórias e nas condenatórias ditos efeitos são retro-operantes (ex tunc).

    Podem ser indicados como pressupostos da sentença constitutiva: a) um fato que constitua uma relação jurídica de caráter privado; b) a existência de um fundamento capaz de produzir a constituição; c) que a constituição possa ser conseguida mediante sentença.

    É necessário, todavia, separar os casos em que a constitutividade dos efeitos somente será obtenível por força de sentença, daqueles em que esses efeitos podem ser normalmente produzidos por intermédio de ato volitivo das partes. No primeiro caso, a exigência de provimento jurisdicional constitutivo decorre da indisponibilidade da relação ou da situação jurídica, em virtude da sua importância para a sociedade, para as instituições, etc.; no segundo, ausente esse interesse social, permite-se que a relação ou situação jurídica seja constituída, modificada ou extinta por ato das próprias partes, sob a forma...

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