Conceito de Ação

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas481-487

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1. Considerações introdutórias

Conforme assinalamos em Capítulo anterior, a história do direito dos povos registra a existência de fase remota e obscura em que era permitido aos indivíduos em conflito satisfazer as suas pretensões mediante a utilização dos meios pessoais coercitivos de que dispusessem. Nesse período de autotutela de direitos os homens se digladiavam livremente — sendo, cada qual, árbitro dos próprios atos — vez que ausentes quaisquer normas procedimentais traçadas pelo Estado.

Nem havia colocado entre os contendores e acima deles um órgão imparcial incumbido de solucionar-lhes os conflitos de interesses em que, com frequência, envolviam-se.

É fácil constatar que nesse quadro de fazimento de justiça pelas próprias mãos a prevalência, em regra, acabava sendo não do direito, como seria desejável, e sim da astúcia, da prepotência, da força, da classe dominante, enfim.

Conscientizando-se, tempos depois, de que o sistema de autodefesa estava a acarretar sérias perturbações na harmonia das relações sociais — e também na ordem jurídica —, o Estado demoveu-se da sua atitude marcada pela indiferença, para tornar proibido o exercício arbitrário das próprias razões — veto que ainda hoje se encontra gravado nos textos legais (CP, art. 345). Em decorrência da intervenção estatal nos conflitos de interesses ocorrentes entre os indivíduos, instituiu-se a Justiça Pública ou Oficial, que passou a constituir, em quase todos os países, monopólio estatal. Desse fato de extraordinária importância para o direito e para os homens, advieram a jurisdição, a ação e o processo — tríade em que se apoia a estrutura da ciência processual.

A jurisdição tem, portanto, nítido caráter de substituição, dado que por intermédio dela o Estado toma o lugar do indivíduo no ato de fazer valer o direito; mais do que um poder, conseguintemente, a jurisdição se afirma como irrecusável dever estatal.

Já o processo representa a técnica (ou o método) de que se vale o Estado no desempenho do poder-dever de compor os conflitos intersubjetivos de interesses submetidos à sua cognição jurisdicional. As normas procedimentais, sendo vinculativas de todos os sujeitos do processo (juiz, partes, advogados, Ministério Público, funcionários do Juízo e outros), destinam-se a evitar a instauração da arbitrariedade e do tumulto processuais. Modernamente, aliás, o processo tem sido visto como instrumento de preservação do próprio interesse público.

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Quanto à ação, consagrou-se como o direito de o indivíduo provocar o exercício da função jurisdicional do Estado, a fim de que se manifeste acerca de um interesse juridicamente tutelável. Trata-se de um direito subjetivo público, hoje alteado à categoria de direito constitucional, nos sistemas normativos de diversos países, como é o caso do Brasil (CF, art. 5.º, XXXV). A outorga desse direito público aos seres sociais pode ser sublinhada como um dos mais expressivos traços dos modernos Estados de Direito.

O direito de agir em juízo corresponde, sob certo aspecto, à contrapartida do Estado ao indivíduo, proveniente do fato de haver-lhe tornado defesa a autossatisfação dos interesses. Exatamente por não se permitir ao indivíduo buscar a realização da justiça por mãos próprias, é que o nosso texto constitucional inibe a lei ordinária de excluir do Poder Judiciário a apreciação de qualquer ameaça ou lesão de direito, embora a Constituição Federal de 1697, com a Emenda n. 2/69 (art. 153, § 4.º), consentisse que o ingresso em juízo pudesse ser condicionado à prévia exaustão das vias administrativas, contanto que “não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido”. A Constituição de 1988 não contém norma semelhante, conquanto disponha, no art. 217, § 1.º, que “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”.

Como resquícios atuais do período da autotutela de direitos, podem ser indigitados o esforço físico do possuidor turbado ou esbulhado, na proteção da posse (CC, art. 1.210, § 1.º) e a legítima defesa (CP, art. 21, caput), a despeito de exigir-se, em ambos os casos, moderação por parte do defendente.

O Estado Moderno, todavia, reserva aos indivíduos a possibilidade de autocomposição do litígio (que não se confunde com a autotutela ou autodefesa), que se concretiza sob as conhecidas modalidades de: a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia da resistência à pretensão); e c) transação (estabelecimento de concessões recíprocas).

  1. Processualmente, a renúncia à pretensão se exterioriza não sob a forma de desistência da ação (CPC, art. 267, III), como seja de imaginar-se, porquanto, nesta hipótese, a extinção do processo ocorre sem pronunciamento sobre o mérito (CPC, art. 267, caput), e sim de renúncia ao direito sobre que se funda a ação (CPC, art. 269, V), quando então o processo se extingue com julgamento acerca do mérito (CPC, art. 269, caput). A dessemelhança reside em que, no primeiro caso, o autor poderá intentar novamente a ação (CPC, art. 268, caput), o que já não lhe será consentido, por princípio legal, no segundo.

  2. A submissão se manifesta mediante o ato que o CPC vigente entendeu designar de reconhecimento da...

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