Código Francês de Deontologia Médica: comentário crítico

AutorJoël Moret-Bailly
Páginas157-186
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Mar./Jun.2012RDisan, São Paulo
Código Francês de Deontologia Médica: comentário crítico
v. 13, n. 1, p. 157-186
TRABALHOS FORENSES / CASES STUDIES
CÓDIGO FRANCÊS DE DEONTOLOGIA
MÉDICA: COMENTÁRIO CRÍTICO(1)
FRENCH CODE OF MEDICAL ETHICS: CRITICAL ANALYSIS
Joël Moret-Bailly*
RESUMO:
Este artigo ref‌l ete sobre a evolução da regulamentação ética da prof‌i ssão
médica na França, por meio da análise dos diversos códigos deontológicos
franceses ao longo dos séculos XIX e XX, culminando na edição da lei de 4 de
março de 2002 que trata dos direitos dos pacientes à informação. O manuscrito
discute a constituição jurídica dos códigos deontológicos, as questões tratadas
pela deontologia e os valores e concepções prof‌i ssionais que nela se ref‌l etem.
Palavras-chave:
Código Deontológico; França; Medicina.
ABSTRACT:
This article ref‌l ects on the evolution of ethical regulation of medical
profession in France, through the analysis of the various French ethical codes
over the nineteenth and twentieth centuries, culminating in the issue of the law
of March 4th. 2002 concerning to the rights of patients to information. The paper
discusses the development of legal ethical codes, the questions approached by
the ethics and the professional values and concepts which are ref‌l ected in it.
(*) Professor de Direito Privado e Ciências Criminais, Université de Lyon, Université Jean Monnet.
Saint-Étienne/França. E-mail: j.moret.bailly@gmail.com.
Recebido em 27.10.11. Aprovado em 30.11.11
(1) Nota do editor: a íntegra do Código Francês de Deontologia Médica está disponível em < http://
www.conseil-national.medecin.fr/groupe/17/tous>.
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Mar./Jun.2012RDisan, São Paulo
Joël Moret-Bailly
v. 13, n. 1, p. 157-186
Keywords:
Ethical Code; France; Medicine.
INTRODUÇÃO
A ref‌l exão relativa à deontologia médica nasceu, na França, em meados
do século XIX, inspirada na organização prof‌i ssional das atividades relaciona-
das à justiça e ao direito (advogados, notários, of‌i ciais de justiça etc.) do início
dos anos 1810.
Nesse contexto o termo “deontologia” retoma uma palavra criada em
1834 pelo f‌i lósofo utilitarista inglês Jeremy Bentham(2). O f‌i lósofo explica que
“a palavra Deontologia deriva de duas palavras gregas, deon-ontos (o que
é adequado) e logos (conhecimento); quer dizer, o conhecimento do que é
adequado”. Para Bentham, o objetivo da deontologia é a busca da felicidade,
comparada ao “gozo do prazer isento de punição”. Na França, o termo foi usado
pela primeira vez, fora do âmbito da f‌i losof‌i a moral, em 1845, por M. Simon(3).
Contudo, o sentido da palavra evoluiu, uma vez que ele passou a ser referido
tão somente à moral prof‌i ssional. A ref‌l exão deontológica se desenvolveu, ao
longo do século XIX e no começo do século XX, essencialmente nas áreas
da medicina e do direito (ao passo que, no caso do direito, o termo usado era
“usos”, rebatizado de “deontologia” somente a partir dos anos 1970).
Na medicina, as questões relacionadas a uma regulação deontológica são
bastante claras: em primeiro lugar, está a defesa dos interesses dos pacientes
contra certos prof‌i ssionais sem escrúpulos (tanto no que concerne à qualidade
dos cuidados, como no valor dos honorários); depois, mais genericamente,
tem-se a ref‌l exão sobre assuntos práticos que se colocam no exercício coti-
diano da prof‌i ssão (notadamente o segredo prof‌i ssional ou a observância das
prescrições); e, por f‌i m, considerando-se uma prática que se desenvolve em um
contexto econômico liberal, trata-se de propor regras de concorrência prof‌i ssional
(principalmente relativas à publicidade).
Ora, o conjunto desses objetivos é difícil de se alcançar sem uma or-
ganização que englobe os prof‌i ssionais. Essa é a razão de a deontologia ser
indissociável da ordem dos médicos: os médicos necessitam de uma associação
prof‌i ssional para aplicar a deontologia, a qual se constitui em um argumento
político para a criação da própria instituição.
(2) BENTHAM, Jeremy. Déontologie ou science de la morale. Paris: Charpentier, 1834.
(3) SIMON, Maxime. Déontologie médicale ou des droits et des devoirs des médecins dans l’état
actuel de la civilisation. Paris: Baillière, 1845.

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