Base de cálculo da cofins no regime cumulativo, em face da declaração de inconstitucionalidade da Lei N. 9.718/1998 pelo STF e da Lei N. 10.833/2003

AutorManuela Balarotti Alho da Silva
CargoBacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina
Páginas251-263

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1. Problema em foco

Após mais de 3 anos de debates em sede de Recursos Extraordinários acerca da (in)constitucionalidade do § 1o do art. 3o da Lei n. 7.918/1998, que ampliou indevidamente a base de cálculo da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), eis que se tem nova questão envolvendo a Cofins.

A discussão, como se pode inferir do título deste trabalho, envolve a base de cálculo da Cofins no regime cumulativo, exceção ao regime da não-cumulatividade implantado pela Lei n. 10.833/2003, que em seu art. 10, remete sua regulamentação às "normas da legislação da Cofins vigentes anteriormente", vale dizer, à Lei n. 9.718/1998, cujo § 1odo art. 3ofoi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em Recursos Extraordinários.

2. Questões práticas objeto de análise

O deslinde da controvérsia envolve três temas principais: (a) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso; (b) os fundamentos de validade das normas insertas nas Leis ns. 9.718/1998 e 10.833/2003; e (c) as regras matrizes da Cofins. Assim, far-se-á quatro questiona-mentos que serão objeto de análise:

  1. Qual o efeito da declaração de inconstitucionalidade do § 1o do art. 3o da Lei n. 9.718/1998 pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucio-nalidade?

  2. Quais as diferenças entre as regras matrizes da Cofins no regime cumulativo construídas a partir das Leis n. 9.718/1998 e 10.833/2003?

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  3. As normas insertas no art. 3o da Lei n. 9.718/1998 e no art. 10 da Lei n. 10.833/2003 tem o mesmo fundamento de validade?

  4. O vício de inconstitucionalidade do § P do art. 3o da Lei n. 9.718/1998 declarado pelo Supremo Tribunal Federal em Recursos Extraordinários atinge o art. 10 da Lei n. 10.833/2003 e qual abase de cálculo da Cofins, no regime cumulativo, após a edição da Lei n. 10.833/2003?

3. Quadro legislativo e a perspectiva jurisprudencial do conceito de faturamento e receita bruta: em que contexto se insere a controvérsia?

A discussão acerca do conceito de faturamento, receita bruta e receita não-operacional não proveio da instituição da Cofins pela Lei Complementar n. 70/1991. A diferenciação destes conceitos já assumia papel relevante na discussão travada em torno da contribuição para o Finsocial instituída pelo Decreto-lei n. 1.940/1982. O posicionamento jurisprudencial frente à esta primeira discussão foi de todo relevante para o deslinde da posterior discussão sobre a (in)constitucionalidade do § 1o do art. 3o da Lei n. 9.718/1998, que modificou a base de cálculo da Cofins, discussão esta que, por sua vez, é essencial à solução que se propõe neste artigo sobre a controvérsia em torno da constitucionalidade art. 10 da Lein. 10.833/2003.

3. 1 Da Cofins

A Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) substituiu a contribuição para Finsocial e fixou nos arts. 1o e 2o os critérios quantitativo e pessoal constantes do conseqüente de sua regra-matriz da seguinte forma:

Art. 1o. Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social - PIS e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP, fica instituída contri-buição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas, inclusive as a ela equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social.

Art. 2°. A contribuição de que trata o artigo anterior será de 2% (dois por cento) e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas e mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.

Parágrafo único. Não integra a receita de que trata este artigo, para efeito de determinação da base de cálculo da contribuição, o valor:

  1. do imposto sobre produtos industrializados, quando destacado em separado no documento fiscal;

  2. das vendas canceladas, das devolvidas e dos descontos a qualquer título concedidos incondicionalmente (grifo nosso).

Repare-se, portanto, que o legislador adotou para a determinação da base de cálculo da Cofins a mesma perspectiva adota-da pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 150.755-1-PE do conceito de faturamento. Vale dizer, pelo art. 2o da Lei Complementar n. 70/1991, considera-se faturamento a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.

Eis que em 1998 a Lei n. 9.718/1998 alterou a base de cálculo da Cofins, por meio de nova definição do conceito de receita bruta. Em seu art. 2o reforçou o faturamento como base de cálculo da Cofins, assim como no art. 3o, caput, repetiu a fórmula já consagrada na jurisprudência e na Lei Complementar n. 70/1991 de que a receita bruta da pessoa jurídica corresponde ao faturamento, base de cálculo desta contribuição.

O diferencial foi inserido no § 1o do art. 3o da Lei n. 9.718/1998, que rege:

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§ 1o. Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas (grifo nosso).

Por meio da inserção deste parágrafo dissociou-se o conceito de receita bruta daquele já consagrado pela jurisprudência e pela própria legislação anterior da Cofins e que se jungia ao conceito de faturamen-to. A totalidade de receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ele exercida e a classificação contábil adotada para as receitas extrapolava a definição anteriormente posta de faturamento, tomado o termo como receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.

Por esta razão, o art. 3o, § 1o da Lei n. 9.718/1998 foi objeto de discussão em processos movidos pelos contribuintes que buscavam sua declaração de inconstitucio-nalidade a fim de que pudessem continuar a recolher a Cofins com base na receita bruta das vendas de mercadorias, mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza (art. 2o da Lei Complementar n. 70/1991). Estava o argumento de inconstitucionali-dade pautado no fato de que até o advento da Emenda Constitucional n. 20/1998, promulgada 18 (dezoito) dias após a edição da Lei n. 9.718/1998, dispunha o art. 195, I, da Constituição Federal que:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

(...).

Logo, a fixação da base de cálculo da Cofins pela Lei n. 9.718/1998 afastar-se-ia da previsão constitucional da instituição de contribuição para a seguridade social sobre o faturamento, criando, portanto, nova fonte de custeio, pelo que deveria adequar-se ao disposto no § 4o do art. 195 da Constituição Federal. A referida discussão chegou a Supremo Tribunal Federal em sede de Recursos Extraordinários e nesta Corte perdurou mais de 3 (três) anos, até que aos 12 (doze) dias do mês de dezembro de 2002 decidiu o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, pela incons-titucionalidade do § 1o do art. 3o da Lei n. 9.718/1998.

Transcrever-se-á trechos do voto do eminente Ministro Cezar Peluso, que com muita clareza expôs e decidiu a questão, visto que qualquer intenção de apenas sintetizá-lo sem a sua transcrição seria despir o leitor da magnitude de suas exposições:

A resposta à questão entrelaça-se com os contornos e os limites do papel do legislador infraconstitucional no exercício da competência tributária, que não pode alargada pela lei subalterna, porque o de que se trata é de saber se a Lei n. 9.718/1998 os ultrapassou, ou não, ao definir a compreensão e a extensão lógico-jurídicas da palavra "faturamento", para efeitos de incidência da Cofins.

(...).

  1. Como já exposto, não há, na Constituição Federal, prescrição de significado do termo "faturamento". Se se escusou a Constituição de o definir, tem o intérprete de verificar, primeiro, se, no próprio ordenamento, havia então algum valor semântico a que pudesse filiar-se o uso constitucional do vocábulo, sem ex-plicitação de sentido particular, nem necessidade de futura regulamentação por lei inferior. É que, se há correspondente semântico na ordem jurídica, a presunção é de que a ele se refere o uso constitucional. Quando uma mesma palavra, usada pela Constituição sem definição expressa nem contextual, guarde dois ou mais sentidos, um dos quais já incorporado ao ordenamento jurídico, será esse, não outro, seu conteúdo...

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