A Coisa Julgada no Código de Defesa do Consumidor Brasileiro sob a Perspectiva dos Direitos Coletivos

AutorPaulo Agesípolis Gomes Duarte - Cildo Giolo Júnior
CargoAdvogado. Mestre em Direitos Coletivos (UNAERP -Ribeirão Preto/SP) - Pesquisador docente e advogado
Páginas16-23

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Introdução

O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, trouxe significativas alterações em relação à proteção, sobretudo em juízo, dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. A partir de sua entrada em vigor, em 11 de março de 1991, a Lei 8.078/90 passou a integrar verdadeiro microssistema de proteção de tais interesses, redundando em maior guarida aos mesmos.

Conforme as lições de José Marcelo Menezes Vigliar1:

"De qualquer forma, não há o menor receio em se afirmar que a Lei 7.347/85 e a Lei 8.078/90 tornaram-se diplomas recíprocos, conforme também já tive a oportunidade de mencionar e que a Lei 8.078/90 aprimora e eleva a tutela dos interesses transindividuais em juízo, constituindo um Diploma a serviço do acesso à justiça, porque o legislador, com base no excelente ante-projeto apresentado pela comissão de juristas notáveis (Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Júnior, Antonio Herman Vasconcelos e Benjamin, dentre outros), ampliou sobremaneira as modalidades de interesses transindividuais passíveis de ser tutelados em juízo, aprimorou a questão da representatividade adequada, veiculou vocabulário jurídico mais preciso para indicar os vários institutos jurídicos que integram o seu conjunto de disciplinas, disciplinou com mais rigor os limites subjetivos da coisa julgada em matéria de interesses transindi-viduais etc. Relete a Lei 8.078/90 o aprimoramento doutrinário ocorrido no lustro que medeia o advento da Lei 7.347/85 e o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor."

Por sua vez, embora integre um microssistema de tutela de todos os interesses coletivos, a Lei 8.078/90 representou indiscutível avanço na proteção dos direitos dos consumidores, inclusive do ponto de vista individual.

O art. 2º da Lei 8.078/90 traz o conceito de consumidor ao dispor que "é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário inal". Por sua vez, o parágrafo único, do mesmo art. 2º, amplia, sobremaneira, tal conceito, ao prever que: "equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo".

Portanto, nos termos do que dispõe a Lei 8.078/90, consumidor não é apenas aquele que, na qualidade de destinatário inal,

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adquire ou utiliza produto ou serviço mas também a coletividade, redundando em uma proteção muito mais ampla.

Luis Antonio Rizzato Nunes2, ao analisar tais disposições, ensina que:

A norma do parágrafo único do art. 2º pretende garantir a coletividade de pessoas que possam ser, de alguma maneira, afetadas pela relação de consumo. Na realidade, a hipótese dessa norma diz respeito apenas ao atingimento da coletividade, indeterminável ou não, mas sem sofrer danos, já que neste caso o art. 17 - examinado na sequência - enquadra a questão. Dessa maneira, a regra do parágrafo único permite o enquadramento da universalidade ou conjunto de pessoas, mesmo que não se constituam em pessoa jurídica. Por exemplo, a massa falida pode igurar na relação de consumo como consumidora ao adquirir produtos, ou, então, o condomínio, quando contrata serviços.

Como consequência natural da forma que se adotou para a proteção do consumidor, sobretudo em relação à coletividade, o código trouxe, também, dispositivos de direito processual, com vistas à instrumentalização e efetividade dos processos coletivos.

Nesses termos, é relevante a lição de Kazuo Watanabe3:

"O Código procurou disciplinar mais pormenorizadamente as demandas coletivas por vários motivos. Primeiro, porque o nosso direito positivo tem história e experiência mais recentes nesse campo. Excluída a ação popular constitucional, a primeira disciplina legal mais sistemática, na área do processo civil, somente teve início em 1985, com a Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública). Segundo, porque o legislador claramente percebeu que, na solução dos conlitos que nascem das relações geradas pela economia de massa, quando essencialmente de natureza coletiva, o processo deve operar também como instrumento de mediação dos conlitos sociais neles envolvidos e não apenas como instrumento de solução de lides. A estratégia tradicional de tratamento das disputas tem sido de fragmentar os conlitos de coniguração essen-cialmente coletiva em demandas-átomo. Já a solução dos conlitos na dimensão molecular, como demandas coletivas, além de permitir o acesso mais fácil à Justiça, pelo seu barateamento e quebra de barreiras socioculturais, evitará a sua banalização que decorre de sua fragmentação e conferirá peso político mais adequado às ações destinadas à solu-ção desses conlitos coletivos."

Destaque-se que toda a previsão jurídica de proteção aos direitos coletivos não deixa em segundo plano os direitos individuais. A diferença é que, há muito tempo, a proteção dos interesses individuais já conta com inúmeros instrumentos de defesa, inseridos no Código de Processo Civil e outros preceitos legais, os quais, somados às disposições do Código de Defesa do Consumidor, icam ain-da mais fortalecidos.

1. A deinição do CDC de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos

Nos termos do que estabelece o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, "a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo". E, ao prever a defesa coletiva dos consumidores, o parágrafo único, em seus três incisos, traz a deinição de cada categoria de interesses cole-tivos (em sentido amplo).

Assim, por interesse ou direitos difusos - e aqui destacamos que o código trata direitos e interesses igualmente - devem ser entendidos "para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato", nos termos do inciso I do parágrafo único do art. 81 do CDC.

Conforme as lições de Hugo Nigro Mazzilli4, "os direitos difusos compreendem grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um conjunto de interesses individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos".

Por outro lado, nos termos do inciso II, são "interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de nature-za indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base".

Neste ponto, é importante notar que a doutrina também utiliza a denominação interesses coletivos em sentido estrito, pois, em sentido lato, interesses coletivos abrangem todas as espécies aqui tratadas.

E, conforme o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 81 do CDC, devem ser entendidos como interesses ou direitos individuais homogêneos "os decorrentes de origem comum".

Para melhor identificar as di-ferenças entre as espécies de interesses ou direitos coletivos (em sentido amplo), Hugo Nigro Mazzilli5 explica que:

"Tanto interesses difusos como coletivos são indivisíveis, mas distinguem-se pela origem: os difusos supõem titulares indetermináveis, ligados por circunstâncias de fato, enquanto os coletivos dizem respeito ao grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, ligadas pela mesma relação jurídica básica. Os interesses coletivos e os interesses individuais homogêneos têm também um ponto de contato: reúnem grupo, categoria ou classe

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de pessoas determináveis; contudo, só os interesses individuais homogêneos são divisíveis e supõem origem de fato comum."

2. Coisa julgada, nos moldes do Código de Processo Civil

Conforme dito alhures, o Código de Defesa do Consumidor não cuidou apenas do direito material, tendo várias disposições de direito processual, dentre as quais se destaca o diferente tratamento dado à coisa julgada, objeto do presente estudo.

Isso, pois o Código de Processo Civil, Lei 5.869/73, foi projetado para atender, como regra, aos processos envolvendo interesses individuais, sendo que, apenas em casos excepcionais, trata da legitimação extraordinária, igu-rando a legitimação ordinária como regra, nos termos do art. 6º, ao determinar que "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei".

Assim, não foi diferente o tratamento dado à coisa julgada. Na forma definida pelo Código de Proces-so Civil, em seu art. 467, "denomina-se coisa julgada material a eicácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

Conforme ensina Cândido Rangel Dinamarco6:

"A coisa julgada material consiste na imutabilidade dos efeitos da sentença, imunizados pela irrecorribilidade desta e assim erigidos em inquestionável fator de regramento da situação jurídica dos litigantes em relação ao objeto do processo. Essa conceituação é de legal acolhimento na doutrina brasileira moderna, até por causa de expressa manifestação do Código de Processo Civil vigente (art. 467). Resulta notoriamente da clássica lição de Enrico Tullio Liebman, o qual acrescenta que a coisa julgada material vincula não somente as partes mas também o juiz e o próprio legislador, de modo a impedir que novos provimentos ou nova disciplina legal venham a ditar condutas ou estabelecer obrigações e direitos discrepantes daqueles que a sentença reconheceu."

A DOUTRINA TAMBÉM UTILIZA A DENOMINAÇÃO INTERESSES COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO, POIS, EM SENTIDO LATO, INTERESSES COLETIVOS ABRANGEM TODAS AS ESPÉCIES

É verdade que há autores, como Luiz Manoel Gomes Júnior7, que condenam a afirmação de que "a coisa julgada material consiste na imutabilidade dos efeitos da sentença", a partir da possibilidade de...

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