Comentários sobre o consentimento - Principais aspectos e preocupações

AutorMaria Cristine Lindoso
Ocupação do AutorAdvogada, professora do IDP-DF, mestre em Direito Civil pela Universidade de Brasília ? UnB, e doutoranda pela mesma instituição. É autora do livro Discriminação de Gênero no Tratamento Automatizado de Dados Pessoais, publicado em 2021 pela Editora Processo.
Páginas145-169
COMENTÁRIOS SOBRE O CONSENTIMENTO:
PRINCIPAIS ASPECTOS E PREOCUPAÇÕES
Maria Cristine Lindoso*1
Sumário: Introdução – 1. O protagonismo do consentimento; 1.1 Consentimento, privacidade
e direito à proteção de dados; 1.2 O consentimento na legislação sobre proteção de dados – 2.
Principais preocupações e limitações do consentimento – 3. Conclusão – Referências.
INTRODUÇÃO
O mundo vive hoje uma verdadeira revolução. Os mercados foram profunda-
mente impactados e a própria vivência e a experiência humana são completamente
diferentes por causa da nova economia que surgiu há alguns anos, mas se incorpo-
rou no cotidiano humano há relativamente pouco tempo: a economia de dados.
Os dados pessoais são objeto de tratamento e análise desde que o ser humano
se organiza coletivamente. Talvez não com esse nome ou com esse enquadramento
jurídico, os dados sempre foram importantes para organização das sociedades,
mapeamento socioeconômico, pesquisas, dentre tantas outras áreas. A ciência
estatística, a esse respeito, dedica-se há muito tempo às melhores formas de mapear,
analisar e compreender esses dados, e como eles podem auxiliar no desenvolvi-
mento social e econômico das nações.
Ao longo dos últimos tempos, contudo, o surgimento de tecnologia capaz
de tratar esses dados de forma a exceder a capacidade humana causou profundas
transformações, a ponto de não se poder mais hoje falar no funcionamento de
qualquer mercado, forma de organização ou coletividade, sem pensar, também,
em como os dados poderiam auxiliar ou até mesmo viabilizar essa forma de or-
ganização. Essas mudanças históricas zeram surgir a necessidade de repensar
as formas de organização da sociedade e de preservação da vida íntima, através
da privacidade.
Bioni comenta que em meados de 1980 surgiu a necessidade da OCDE or-
ganizar diretrizes mais gerais sobre o tratamento de dados pessoais, a m de criar
bases regulatórias comuns para o mercado de tratamento de dados, que ganhava
* Advogada, professora do IDP-DF, mestre em Direito Civil pela Universidade de Brasília – UnB, e
doutoranda pela mesma instituição. É autora do livro Discriminação de Gênero no Tratamento Auto-
matizado de Dados Pessoais, publicado em 2021 pela Editora Processo.
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MArIA CrISTINE LINdoSo
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cada vez mais espaço e relevância na Europa.1 Mas Laura Mendes atesta que muito
antes, diversos países isolados já inauguravam o movimento de legislar e regu-
lamentar o tratamento de dados pessoais, justamente em razão do exponencial
uso dessas ferramentas no cotidiano humano.2
A esse respeito, a primeira lei de proteção de dados que se tem notícia
é datada de 1970, do condado alemão de Hesse. Foi o primeiro diploma que
utilizou o termo proteção de dados e que inaugurou a percepção quanto à pre-
ocupação com as informações pessoais dos cidadãos.3 Também na década de
1970, a Suécia, a França e a Espanha editaram regulamentos sobre a proteção
de dados, de modo que surgiu, em seguida, a necessidade de regulação a nível
europeu da questão.
Apesar da recomendação da OCDE ainda em 1980, foi somente em 1995
que a União Europeia editou a Diretiva 95/46CE, dispondo sobre a proteção de
dados a nível do bloco europeu e fazendo com que a regulamentação da questão
fosse, inclusive, inaugurada em diversos países. Em 2016, esse diploma acabou
por ser atualizado pelo hoje GDPR, que entrou em vigor em 2018 e propôs uma
modernização da proteção de dados, criando um considerável impacto global
nas legislações desse tipo.
Pode-se dizer que houve, nesse sentido, uma certa convergência regulatória
quanto ao interesse de proteção dos dados pessoais, que culminaram num processo
informal, mas relativamente coordenado, para criação de legislações e normativas
que sedimentaram princípios básicos do tratamento de dados.4
No Brasil, a lei de proteção de dados é recente, mas a construção do paradigma
data da própria Constituição de 1988, que já dispôs a possibilidade, através do
habeas d ata,5 dos cidadãos acessarem, raticarem e corrigirem dados sobre si à
disposição de terceiros. Desde então, diversos foram as leis editadas que acabaram
ampliando a proteção aos dados pessoais dos cidadãos brasileiros, a exemplo do
Código Civil, que estabeleceu a obrigação de boa-fé e a proteção da vida privada,
o Código de Defesa do Consumidor, que tratou particularmente dos bancos de
1. BIONI, Bruno. Proteção de dados pessoais: funções e os limites do consentimento. Rio de Janeiro:
Forense, 2019.
2. MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor. Linhas gerais de um
novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, série IDP, 2014.
3. MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor. Linhas gerais de um
novo direito fundamental. São Paulo: Saraiva, série IDP, 2014. A esse respeito, cabe destacar que a lei
teve iniciativa popular, e surgiu de uma demanda da sociedade civil pela proteção de dados pessoais.
4. MENDES, Laura Schertel; FONSECA, Gabriel C. Soares. Proteção de dados para além do consentimento:
tendências contemporâneas de materialização. Revista de Estudos Institucionais, v. 6, n. 2, maio/ago.
2020, p. 512.
5. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9. ed.
rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 799-800.
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