Comentários aos Dispositivos que Tratam da União Estável no Código Civil

AutorDenis Donoso
CargoAdvogado
Páginas9

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A Lei 10.406/02, que instituiu o novo Código Civil, trouxe inúmeras alteraçotilde;es que afetaram as relaçotilde;es jurídicas cotidianamente estabelecidas entre as pessoas.

O Direito de Família possivelmente foi o ramo do Direito Civil mais influenciado por essas modificaçotilde;es se compararmos os dispositivos da velha e da nova legislação.

Nada obstante, forçoso reconhecer que a maioria das alteraçotilde;es impostas simplesmente tratou de positivar aquilo que já vinha sendo praticado pacificamente há muito tempo pelos tribunais.

O caso da uni&ão estável n&ão foi diferente. Ao tratar do assunto, o legislador em regra n&ão inovou radicalmente, especialmente considerando que o assunto já havia sido objeto de leis mais recentes, datadas de 1994 e 1996.

Nosso intuito nas próximas linhas é fazer uma breve análise dos artigos do Código Civil que foram dedicados à uni&ão estável, ao que teceremos comentários críticos e específicos em cotejo com a doutrina e jurisprudência, tanto quanto possível.

"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a uni&ão estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1º A uni&ão estável n&ão se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; n&ão se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

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§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 n&ão impedir&ão a caracterização da uni&ão estável."

Como dito, o Código Civil de 2002 n&ão chegou a inovar ao tratar da uni&ão estável em cinco artigos. Este instituto jurídico já era reconhecido pela própria Constituição (art. 226, § 3º), pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96 e, antes disso tudo, já era quase pacífica na jurisprudência essa possibilidade, como se vê, por exemplo, na Súmula 380 do STF. O grande avanço em relação ao Código de 1916, se é que assim podemos chamar, é que este último n&ão tratava do assunto.

O reconhecimento da uni&ão estável depende de certos requisitos, a saber:

  1. que a uni&ão se dê entre homem e mulher: Vê-se que houve a exclus&ão da uni&ão entre pessoas do mesmo sexo, nada obstante os reclamos de parcelas sociais consideráveis que defendem a uni&ão amorosa homossexual legalmente protegida.

  2. que haja convivência entre ambos:

    Nota-se que a convivência é elemento essencial para configurar a uni&ão estável. Disso também decorre o dever de coabitação, embora a vida em domicílios diversos possa ser admitida em situaçotilde;es excepcionais, interpretando-se extensivamente o art. 1.569 do Código Civil.

  3. que a convivência seja pública, contínua e duradoura:

    Deste requisito percebe-se que a convivência entre o homem e a mulher deve ser pública, isto é, n&ão pode ser clandestina, apenas para fins de manter relaçotilde;es secretamente.

    Há opiniões pelas quais a convivência discreta, que é diferente da secreta, n&ão obsta o reconhecimento da uni&ão estável1. O relacionamento pode ser conhecido apenas no círculo social dos conviventes e nem por isso fica afastado o vínculo entre eles.

    A relação há de ser, ademais, contínua, ou seja, n&ão pode ser esporádica, como aquelas que acontecem em apenas determinadas épocas ou por curtos períodos de tempo.

    Releva notar que o Código Civil, a despeito de exigir que a relação seja duradoura, n&ão prevê qualquer requisito temporal expressamente, a teor do que já acontecia na Lei 9.278/96. As circunstâncias do caso concreto, certamente em cotejo com os demais requisitos, é que indicar&ão se existe ou n&ão a uni&ão estável.

  4. que haja o objetivo de constituir família: Para que se possa configurar a uni&ão estável, necessário que haja o objetivo de se constituir família.

    Esse requisito mereceu críticas de Regina Beatriz Tavares da Silva, para quem a uni&ão estável existe diante da constituição de família e n&ão do mero objetivo de sua

    constituição. Se o objetivo de constituição de família caracterizasse a uni&ão estável, um simples namoro ou um noivado - estes sim, apenas com objetivo de constituir família - já seriam equiparados como tal2.

Uniões estáveis concomitantes

Vistos os requisitos, uma dúvida pode surgir - e esta parece n&ão ser t&ão incomum na prática do foro - decorre da situação do sujeito casado que, mesmo assim, mantém um vínculo afetivo com outra pessoa, que age em absoluta boa-fé, ignorando o casamento de seu companheiro. Poderia este sujeito ter reconhecida sua uni&ão estável com esta terceira pessoa?

A análise gramatical da norma sugere que a resposta seja negativa, havendo até mesmo precedentes da lavra do STJ nesse sentido. A propósito, convém transcrever uma parte de um voto da lavra do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, assim disposto:

"Ora, com o maior respeito à interpretação acolhida no acórd&ão, n&ão enxergo possível admitir a prova de múltipla convivência com a mesma natureza de uni&ão estável, isto é, 'convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família'. O...

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