A complexa questão dos direitos das minorias e a efetividade de sua tutela no plano individual e coletivo

AutorJúlio César Ballerini Silva
CargoMagistrado e professor de graduação e pós-graduação do creupi mestre em processo civil pela puc-campinas, especialista em direito privado pela USP

E isso porque a evolução tecnológica uniu o mundo, o que ocorreu em velocidade recorde, fazendo com que o número de negociações, transações e contratações também crescesse muito.

E, na mesma proporção, também cresceu o número de demandas judiciais. Basta, aliás, que se verifique que o Código Civil de 1916 falava em contratações por correspondência, o que acaba por perder o sentido num mundo em que grande parte das pessoas já se comunica por e-mail, ou utiliza a linguagem www (fenômeno recente vez que tal linguagem surgiu na Suíça, em meados de 1991).

A par disso, o acesso mais fácil, e relativamente barato, às informações (primeiro com o rádio, depois com a televisão e, atualmente, com a internet), propiciou, e vem propiciando, o desenvolvimento da educação, o que, obviamente, contribui para a formação de uma consciência mais crítica, mais apurada.

E tal fenômeno faz com que a sociedade se organize melhor, aumentando o rol dos direitos formalmente reconhecidos (conseqüências desta mesma democratização da informação), fazendo com que o número potencial de demandas também aumente, como reflexo do fenômeno de ampliação do acesso ao Poder Judiciário (a Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1.988, foi um dos exemplos práticos deste fenômeno).

Isso porque, quanto mais informada e educada for a população, mais ciente estará dos limites da atuação do Poder Público, que não poderá se opor, impunemente, à realização dos direitos previstos pelo ordenamento jurídico.

Podem ser destacados como exemplos de resultados desta democratização da informação, os questionamentos em relação ao direito de propriedade, e o acesso à mesma pela sua função social, o agravamento das limitações ao exercício desta mesma propriedade, para assegurar a preservação do meio ambiente e das relações de vizinhança, o surgimento de limitações à contratação ( direitos nas relações de consumo e suas decorrências numa economia globalizada ).

Esses, aliás, são fenômenos típicos da publicização do direito privado , paralelos à privatização do direito público (complexidades do mundo moderno, e que deverão ser analisadas no moderno pensamento científico, tal como preconizado por Edgar Morin(1), no seu texto em defesa da interdisciplinariedade).

Esse novo rol de direitos acabou sendo denominado por Fábio Konder Comparato, numa visão fundada em Norberto Bobbio, como direitos humanos de terceira geração, acabando por ter como característica básica, a sua transindividualidade.

José Eduardo Faria,(2) ademais, acaba por referir-se ao fenômeno, utilizando o critério segundo o qual, os direitos humanos de primeira geração seriam aqueles relativos à cidadania civil e política (vida, locomoção, pensamento, voto, iniciativa, propriedade e disposições de vontade).

Numa segunda geração estariam inseridos aqueles direitos referentes à uma cidadania social e econômica (a educação e a saúde, ambas enquanto direito individual, a segurança social e nas relações de capital e trabalho).

E, por fim, os ditos direitos humanos de terceira geração, qualificados pelo autor aludido como aqueles referentes a uma cidadania pós-material (aqui se encontrariam os direitos à qualidade de vida, ao meio ambiente saudável, à tutela dos interesses difusos, ao reconhecimento da diferença, da singularidade e da subjetividade).

Não se pode esquecer, ainda, que todos esses direitos humanos, acabam por ser entendidos como direitos humanos fundamentais (os fundamental rights do direito anglo-saxão), englobando as liberdades públicas do artigo 5º e os direitos sociais dos artigos e e seus consectários, todos da Constituição Federal, e que, portanto, em tese, não poderiam ser alterados nem por proposta de Emenda à Constituição (artigo 60, parágrafo 4°, inciso IV da referida Carta Política).

Esses novos grupos de direitos acabam sendo vistos como pertencentes não mais ao indivíduo, mas são tratados como pertencentes a toda uma coletividade (são os direitos dos consumidores, ao meio ambiente hígido, à preservação de um patrimônio histórico, etc).

E toda essa nova situação deve ser assegurada, sob pena de que ocorra o que Cândido Rangel Dinamarco(3) denominou como vazio processual, ou seja, a impunidade em relação ao descumprimento ou violação desses novos direitos.

A par de tudo isso, ainda contribuindo para a ocorrência do esgotamento do paradigma do direito natural, deve ser destacada a existência de certas atividades que podem, momentaneamente, trazer prejuízos ao interesse de um número muito grande, e até, indeterminado de pessoas.

Neste grupo de situações poderiam ser inseridas as questões referentes à exploração da energia nuclear, à formação de cartéis, monopólios e oligopólios (dentre inúmeras outras tidas como relações de massa, envolvendo valores monetários fabulosos, com milhões de transações diárias – v.g., fornecimento de serviços de telefonia, energia elétrica etc), pois são situações que levam à necessidade de reformulação dos conceitos básicos de direito material e, sobretudo, do direito processual, na sua visão instrumentalista (e, atualmente, se preconiza a necessidade de “retorno ao imanentismo” como uma das soluções para a crise de demora na prestação da atividade jurisdicional).

Verifica-se, diante disso, a impossibilidade do paradigma jurídico vigente em resolver esses problemas típicos da formação de uma sociedade de massas, daí falar-se em esgotamento do paradigma, enquanto forma de se pensar o direito e sua efetividade, num mundo cheio de complexidades, tal como exposto nas linhas atrás.

Por isso, o fenômeno referente aos direitos das minorias não pode deixar de ser entendido como uma situação poliédrica, a ser pensada de várias formas, com vista à possibilidade de proposição de soluções para os novos problemas inerentes a este aspecto do ordenamento jurídico.

Nessa linha de raciocínio, de se asseverar que já surge um desafio inicial que se estabelece com índole conceitual, temática, devendo-se identificar o que poderia vir a ser considerado como uma minoria, conceito tipicamente interdisciplinar.

Muito embora, num primeiro momento, se possa pretender definir minoria como algo relacionado a um critério matemático, numérico, com referências a uma noção de inferioridade quantitativa(4), o que ocorre na maioria dos casos (verbi gratia, direitos dos homossexuais, dos idosos, direitos de índole civil dos detentos etc), algumas vezes o termo poderá se referir a grupos não hegemômicos, embora não necessariamente em inferioridade numérica, o que, geralmente, ocorre no direito internacional (por exemplo, palestinos são maioria em seu território, mas não tem o poder, sofrendo discriminações em relações aos judeus número matematicamente inferior, neste mesmo território, o que, no plano da ciência política e do direito internacional poderia ser classificado como minoria étnica ou minoria nacional, já que não conseguem adquirir terras e direitos em igualdade de situação com outros grupos, o mesmo se dando com a população negra da África do Sul, durante o regime do Apartheid).

Neste aspecto, aliás, valioso e elucidativo da questão, de se referir a opinião do cientista Jorge Borges de Macedo, que aponta, no cenário das ciências humanas, pelo menos três possibilidades de acepção do termo minoria, na primeira acepção são destacados conjuntos destacados por etnias, cultura, língua, religião e interesses (destaca o autor exemplos como as minoria cigana ou a minoria porto-riquenha nos Estados Unidos da América); na segunda acepção, implicaria numa referência a algum movimento de opinião divergente da opinião majoritária a respeito de dado objeto (situação típica de partidos políticos ou de correntes referentes a movimentos sociais e religiosos) e, uma terceira e última acepção, implicando num próprio modo alternativo de se analisar o Poder e a filosofia(5).

E o direito analisado sob a ótica de uma técnica de controle social ( fenômeno mais do que propenso a dissensos ideológicos ) não pode ficar alheio a tais divagações, nem mesmo a questionamentos como os referentes à própria elaboração de uma teoria das decisões das minorias(6), até porque, no universo jurídico, existem preocupações axiológicas e éticas ( como exemplo, a filosofia do direito e o problema da análise do justo, o que pode facilmente passar por uma discussão a respeito dos interesses que levaram a edição, derrogação ou revogação de uma dada norma jurídica ).(7)

Isso deve ser consignado, inclusive, para evitar que grupos hegemônicos, ainda que em inferioridade numérica, pretendam utilizar o sistema legislativo para obtenção de privilégios inviáveis, de forma a burlar o escopo preconizado pelo legislador constituinte. (Ex. Subsídios do IPVA de veículos Porsche, BMW ou helicópteros de pessoas físicas).

Identificada a noção de minoria que não se relaciona, portanto, necessariamente, com a idéia de inferioridade numérica, resta enfrentar outro desafio, que seria o problema da análise da inserção de direitos desses grupos minoritários em Estados Democráticos, que preconizem a proteção ao princípio da igualdade, tal como ocorre com a República Federativa do Brasil.

Ora, a questão que se pondera é a da aparente antinomia contida na idéia de que, se todos são iguais perante a lei, pareceria temerário estabelecer-se privilégios, de qualquer natureza, em favor de qualquer grupo em detrimento de qualquer outro, ainda mais levando-se em consideração que o interesse público parece não se coadunar com a idéia de privilégios para...

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