O compromisso da vigilância sanitária com a garantia do direito à saúde: expressões no Plano Nacional de Saúde

AutorRegina Célia Borges de Lucena
Páginas95-111
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 95-111, nov. 2013/ fev. 2014
TEMA EM DEBATE / ARGUMENT
Artigo Original / Original Article
O COMPROMISSO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA
COM A GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE:
EXPRESSÕES NO PLANO NACIONAL DE SAÚDE
The commitment of health surveillance in the guarantee of the right
to health: expressions in the Brazilian National Health Plan
Regina Célia Borges de Lucena*
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo investigar a forma de inserção da noção de direito
à saúde nos compromissos estabelecidos pela vigilância sanitária no Plano Nacional de
Saúde (PNS). Foram identificados, nos PNS 2004-2007 e 2008-2011, os compromissos
sob a responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em seguida,
realizou-se análise comparativa dos compromissos nos dois períodos. Observou-se que,
no PNS 2004-2007, a maior parte dos compromissos da Agência estava relacionada
à redução do risco de doença e ao acesso às ações e serviços de saúde. Já no PNS
2008-2011 nenhum dos compromissos assegurava a garantia do direito à saúde, por se
tratar de mensuração de processos organizacionais da Agência. Tal distanciamento pode
ser analisado sob o ponto de vista do embate entre garantia constitucional de direitos e
submissão ao projeto político hegemônico num determinado contexto histórico.
Palavras-chave: Direito à Saúde; Planejamento em Saúde; Vigilância Sanitária.
ABSTRACT
This study aims to investigate the insertion mode of the right to health concept in the
commitments made by health surveillance in the Brazilian National Health Plan (NHP). It was
identified in the NHP 2004-2007 and 2008-2011, the commitments under the responsibility
of the Brazilian National Health Surveillance Agency. Then, we carried out a comparative
* Doutora em Política Social, Universidade de Brasília; Especialista em Regulação e Vigilância Sanitária,
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília/DF – Brasil. E-mail: reginalucena@unb.br
Artigo recebido em: 02/07/2012. Aprovado em: 28/08/2012.
96 Regina Célia B. Lucena
R. Dir. sanit., São Paulo, v. 14, n. 3, p. 95-111, nov. 2013/ fev. 2014
analysis of the commitments in both periods. It was observed that in the NHP 2004-2007,
most of the commitments of the Agency were related to risk reduction of disease and to
access to health services and actions. In the NHP 2008-2011, none of the commitments
ensured the right to health, because they were related to measurement of organizational
processes of the Agency. This distance can be analyzed from the viewpoint of the clash
between the constitutional guarantee of rights and the submission to hegemonic political
project in a particular historical context.
Keywords: Health Planning; Health Surveillance; Right to Health.
Introdução
No Estado moderno liberal, a noção de direito se refere sempre a um projeto de
governabilidade e é carregada de ambiguidade, como destaca Castel,(1) quando
elucida que a palavra direito não tem o mesmo significado quando aplicada ao
trabalho ou à assistência social. No primeiro caso, o Estado se recusa a assumir
a responsabilidade sobre a subsistência por meio do trabalho, enquanto o direito
à assistência é encarado como uma obrigação com a dívida social, quitada em
diferentes graus de intervenção. Essa relação entre a concepção de direito e o
contexto histórico-político fica evidente na tradicional descrição das gerações de
direitos: a primeira inclui os direitos civis e políticos; a segunda inclui os direitos eco-
nômicos, sociais e culturais; e a terceira abrange os chamados direitos difusos.(2)
Os direitos civis e políticos foram assegurados em contraposição à arbitrariedade
de poder no Estado absolutista do século XVIII e, por isso, representam o triunfo
da burguesia, a sua ordem e o seu conceito de democracia, estando relacionados
fundamentalmente à ideia de liberdade. A reivindicação por maior igualdade,
inclusive para o exercício desses direitos, partiu dos movimentos sociais oriundos
da classe social emergente durante o século XIX, o proletariado. Diferente dos
direitos civis e políticos, os direitos de segunda geração exigem uma atuação
estatal efetiva por parte do Estado para a sua materialização, sendo por isso
também chamados de direitos positivos ou prestacionais. A terceira geração
de direitos é considerada por alguns autores como uma expressão dos direitos
sociais no contexto da globalização e dos avanços tecnológicos recentes. Não
possuem titularidade clara e incluem pressupostos muito distintos.(3)
1 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes,
2008.
2 MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1967.
3 MARTINEZ DE PISÓN, José. Políticas de bienestar: un estúdio sobre los derechos sociales.
Madrid: Tecnos, 1998.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT