O conceito de área demarcada na concessão comercial de veículos

AutorLuiz Gastão Paes de Barros Leães
Páginas16-21

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I
  1. A Lei n. 8.132, de 26 de dezembro de 1990, alterou a redação dos artigos 29, 59, 69, 89, 13 e 28, revogando o artigo 14 da Lei n. 6.729, de 28 de novembro de 1979, que dispõe sobre a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores. No artigo 59, a lei trata especificamente dos elementos informadores da concessão. Vejamos o significado das alterações imprimidas pelo novo diploma a esses dispositivos.

  2. Fazendo o cotejo entre a velha e a nova redação, observamos, de pronto, que logo na alínea I do caput do artigo 59, enquanto a Lei n. 6.729 reputava como "inerente à concessão" uma "área demarcada para o exercício das atividades do concessionário, que não poderá operar além dos seus limites", a Lei n. 8.132 considera como "inerente à concessão" uma "área operacional de responsabilidade do concessionário para o exercício de suas atividades".

  3. Há uma mudança evidente de enfoque: na expressão área demarcada, a tónica reside na delimitação do território; já na expressão área operacional, a ênfase repousa na atribuição de responsabilidades a quem tem essa competência territorial. À primeira vista, essa alteração parece não ter maior significado, já que a expressão "área demarcada" reaparece, logo adiante, no § 29, in fine, como expressão sinónima de "área operacional". Em dispositivo, aliás, que também veda possa o concessionário operar além dos seus limites, recompondo, assim, a frase que fora eliminada na alínea I da redação anterior.

    4, A leitura, porém, conjugada dessas alterações com as modificações introduzidas nos diversos parágrafos desse permissivo nos conduz à conclusão de que as mudanças operadas pela Lei n. 8.132 no artigo 59 da Lei n. 6.729, sobre remanejarem o teor dos comandos, lhe imprimiram uma profunda modificação de sentido.

  4. A própria alteração terminológica, de resto, de nítida inspiração norte-ameri-cana, é sinal dessa mudança de filosofia. No direito antitruste norte-americano, faz-se uma clara distinção entre duas situações de fato: a dos closed territories, consideradas ilícitas per se porque atentariam contra a liVre e leal concorrência, e a das áreas of

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    primary responsability, que são consideradas, em princípio ilícitas, pois fixam com-petências territoriais que não atentam contra a concorrência.1

  5. Essa distinção exige que nos alonguemos um pouco mais sobre esse tópico. Primeiramente, cumpre dizer que a cláusula de exclusividade, aplicada em vários contratos (venda, fornecimento, mandato, agência ou representação comercial, concessão comercial), e obviamente um pacto de limitação à concorrência, pelo que sempre suscitou dúvidas a respeito de sua legitimidade.2

II
  1. Logo no início do século, as chamadas ventes à monopole, embora frequentes, eram encaradas na França com suspi-cácia sendo célebre o requisitório contra essa prática por F. Amyot, publicado nos Annales de droit comercial de 1906, pp. 293 e ss.3 A mesma hostilidade se observou na Alemanha: uma hipótese prevista no Generalvertretung, caracterizada como de exclusividade de venda, foi estigmatizada pelo Reichsgerichí em acórdão de 1900.4 E na Itália, no império do velho código comercial, questionava-se a sua licitude, a não ser quando limitada no espaço e no tempo (o artigo 2.596 do Códice Civile de 1942 viria consagrar essa orientação admitindo o patto di esclusiva quando circunscrita a uma determinada zona e com duração máxima de cinco anos).

  2. As dúvidas se multiplicaram com o ingresso de novas formas na cadeia de distribuição das mercadorias, a regular as relações entre produtores e comerciantes. A medida em que se alargavam os mercados e se impunha a prestação descentralizada de serviços de assistência aos usuários das mercadorias vendidas - como é o caso dos veículos automotores - revelou-se desa-conselhável, não só a venda direta ao consumidor pelo produtor (que assim reservava os recursos disponíveis apenas para os centros de fabricação), como também a colaboração das agências distribuidoras, que, formalmente autónomas, operam por conta do fornecedor das mercadorias a serem vendidas Daí o aparecimento de uma figura nova, a da concessão comercial.

  3. Em palavras simples, poder-se-ia dizer que o concessionário é o agente que superou a sua função de mediador, para passar a comprar e revender, em nome e por conta próprios, a mercadoria produzida. A concessão teve, de início, as suas notas conceituais modeladas segundo a imagem do contrato de agência, dando, porém, especial ênfase à exclusividade, que adquiriria, nesse contrato, um conteúdo bem mais amplo do que o usualmente dado nos demais quadros negociais, a ponto de, para muitos, tornar-se o seu traço essencial.

  4. Daí falar-se, na Itália, em conces-sione di vendita in esclusiva, na França, em contraí de concession exclusive, na Bélgica, em contraí de concession de vente exclusive,5 e, na Alemanha, em Verírags-

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