O Conceito de Bem Jurídico Penal Difuso

AutorGianpaolo Poggio Smanio
CargoMestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas21-23

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A existência de uma espécie de bem jurídico de natureza coletiva é reconhecida na doutrina desde a formulação do conceito de bem jurídico. BIRBAUM1reconhecia que a lei penal já não apenas deveria possibilitar a livre coexistência dos indivíduos, mas servir também de forma imediata a fins sociais. Classificava, portanto, os bens, e por conseqüência os crimes, em naturais e sociais, uma vez que, no seu pensamento, os bens, em parte, já são dados ao homem pela natureza e, por outra parte, como resultado de seu desenvolvimento social.

Por sua vez, LISZT2 apontava a diversidade de formas dos bens jurídicos, decorrente da complexidade da própria vida e das coisas, processos e instituições que a integram e nela se movimentam. Sustentava a existência de portadores individuais dos bens, ao lado de portadores supra-individuais, entre os quais sobressaía o Estado como portador dos interesses coletivos.

JESCHECK reputa que os titulares de um bem jurídico podem ser a pessoa individual ou a coletividade e apresenta a seguinte classificação dos bens jurídicos:

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Hay bienes jurídicos de la persona individual (bienes jurídicos individuales) (v.g. la vida, la libertad y la propiedad), entre los que forman un subgrupo los bienes jurídicos personalísimos (v.g. la integridad corporal y el honor), y bienes jurídicos de la colectividad (bienes jurídicos universales) (v.g. la proteción de los secretos de Estado, la seguridad del tráfico viario y la autenticidad del dinero)3 .

A evolução da doutrina vem acompanhando o desenvolvimento da teoria do bem jurídico e a perspectiva social do crime, deixando de lado cada vez mais o exclusivo individualismo na concepção do Direito Penal, para reconhecer a importância do sistema social na caracterização do bem jurídico.

Não se trata de ignorar o interesse humano ou personalista na concepção do bem jurídico, conforme já assentamos neste trabalho, cujas garantias individuais estão constitucionalmente garantidas, mas sim reconhecer a evolução social e a importância da manutenção do sistema social, em que os indivíduos encontram sua realização e o desenvolvimento de sua personalidade, para a conceituação do bem jurídico.

Assim, MUÑOZ CONDE e GARCÍA ARÁN4demonstram a existência de bens jurídicos individuais, que afetam diretamente as pessoas individualmente consideradas, e bens jurídicos coletivos, que afetam o sistema social. Como exemplos de bens jurídicos coletivos, contam a saúde pública, o meio ambiente, a organização política etc.

ZAFFARONI5 , embora entenda que não há diferença qualitativa entre bens supra-individuais e bens individuais, reconhece a existência de bens jurídicos de sujeito múltiplo, de forma que um não pode dispor do bem individualmente sem afetar a disponibilidade de outro.

Conforme podemos perceber, a idéia de bens jurídicos penais que não afetem diretamente os indivíduos, mas a coletividade de indivíduos e, portanto, interesses de relevância social, já é conhecida e aceita pela doutrina do Direito Penal, com mudanças de enfoque, conforme o momento histórico e a perspectiva da análise de cada doutrinador.

As modificações que o capitalismo e os modelos econômicos vêm enfrentando, entre eles, o modelo de Estado, diante das relações sociais em que vivemos, vêm despertando a doutrina penal para a proteção de interesses que não são individuais, mas metaindividuais ou pluriindividuais, atingindo amplos setores da população.

Figueiredo Dias demonstra a importância da proteção dos interesses metaindividuais para o presente e, principalmente, para o futuro do...

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