O conceito de princípio: uma questão de critério

AutorRodrigo Lanzi de Moraes Borges
Páginas248-269

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1 Introdução

É inegável, atualmente, a importância dos direitos fundamentais na busca da Constitucionalização do Direito, haja vista a especial previsibilidade de aplicação imediata de suas normas (§ 1º, art. 5º da CF/88), com a imediata irradiação dos seus efeitos para todo o ordenamento jurídico através da inserção de regras e, principalmente, dos princípios, vinculando a atuação de todos os Poderes do Estado, seja na criação de normas infraconstitucionais, na aplicação aos casos concretos pelo magistrado ou na atuação do administrador público. 12

Diante da descoberta da importância do que representam os princípios na construção do nosso ordenamento jurídico, os doutrinadores começaram a tratar do assunto com a elaboração de diversas monografias e artigos sobre a matéria.

Em que pese o brilhantismo dos trabalhos, principalmente, dos elaborados pela doutrina pátria, temos que, data maxima venia, há uma grande confusão entre os estudiosos que, ao tratarem do assunto, utilizam-se de diversos critérios para conceituar os princípios, por consequência, chegando muitas vezes a conclusões diferentes.

No entanto, a maioria dos doutrinadores, ao conceituar os princípios, inevitavelmente, colaciona em seus estudos a moderna definição dada por Robert Alexy ao tratá-los em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, o qual utiliza de critério diverso para tanto, chegando a conclusões muitas vezes diversas das que deveriam chegar a doutrina tradicional.

Tendo em vista a confusão quase sempre realizada pela doutrina é que buscaremos colacionar os diversos conceitos que foram tecidos ao longo dos anos, sempre nos pautando acerca do critério adotado por cada estudioso, com o fito de eliminar, definitivamente, alguns erros cometidos pela doutrina3. Page 249

2 O conceito de princípio levando em consideração os diversos critérios adotados pela doutrina pátria e estrangeira

A palavra princípio vem do latim principium e tem significação variada, podendo dar a ideia de começo, início, origem, ponto de partida, ou, ainda, a ideia de verdade primeira, que serve de fundamento, de base para algo.

Portanto, etimologicamente, o termo princípio origina-se de principal, primeiro, demonstrando origem de algo, de uma ação ou de um conhecimento.4

Por outro lado, o termo princípio pode apenas significar regras a seguir, normas.56

Nas ciências em geral, a ideia de princípio está ligada aos seus fins. Serão os princípios que darão rumo, solidez, disciplina e clareza de objetivos para estas ciências.7

No Direito, os princípios dão a mesma ideia mencionada alhures, que é a de dar rumos, constituindo verdadeiros vetores.

Em que pese os princípios estarem ligados à ideia de início, base e começo de tudo, os mesmos nem sempre tiveram, no Direito, a importância que atualmente lhes são atribuídas.8

Com o passar do tempo, os princípios passaram a fazer parte dos sistemas jurídicos ganhando força normativa, sendo certo que, um dos primeiros doutrinadores a afirmar o caráter normativo dos princípios, como explica Paulo Bonavides, fora Crisafulli em 1952.9

Atualmente, como bem observa Ruy Samuel Espíndola, existe uma unanimidade entre os doutrinadores em reconhecer o status de norma de Direito aos princípios jurídicos, ou norma jurídica, possuindo positividade, vinculatividade, eficácia positiva - Page 250 que pode ser entendida, segundo o autor, como inspiração à luz hermenêutica e normativa que conduz a determinadas soluções em cada caso, segundo a finalidade perseguida pelos princípios incindíveis -, e eficácia negativa, assim entendida como a força de tornar inválidas as decisões que se contraponham aos princípios.101112

Como bem explica Robert Alexy, tanto os princípios quanto as regras são normas porque ambos dizem o que deve ser, podendo, ainda, serem auxiliadas pelas expressões deônticas de permissão e proibição.13

Diante dessa nova percepção e ante a exaltação de sua importância no decorrer do tempo, os princípios começaram a constituir a base das constituições contemporâneas.14

No entanto, há que se ressaltar que a doutrina conceitua os princípios de diversos modos, utilizando-se, para tanto, de inúmeros critérios, como o da fundamentalidade, hierarquia, abstração, generalidade etc.

Lucia Valle Figueiredo, por exemplo, nos ensina que os princípios são: "[...] normas gerais, abstratas, não necessariamente positivadas expressamente, porém às quais todo ordenamento jurídico, que se construa, com a finalidade de ser um Estado Democrático de Direito, em sentido material deve respeito".15

Para Roque Antonio Carrazza:

Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explicito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes Page 251 do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.16

Como ensina Paulo Henrique dos Santos Lucon: nas ciências jurídicas, os princípios tem a grande responsabilidade de organizar o sistema e atuar como elo de ligação de todo o conhecimento jurídico com finalidade de atingir resultados eleitos; por isso, são também normas jurídicas, mas de natureza anterior e hierarquicamente superior as 'normas comuns' (ou de 'normas não principais').17

Marcelo Harger conceitua os princípios como sendo:

normas positivadas ou implícitas no ordenamento jurídico, com um grau de generalidade e abstração elevado e que, em virtude disso, não possuem hipóteses de aplicação pré-determinadas, embora exerçam um papel de preponderância em relação às demais regras, que não podem contrariá-los, por serem as vigas mestras do ordenamento jurídico e representarem os valores positivados fundamentais da sociedade.18

Vide, ainda, a definição de princípio realizada por Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, para quem constitui:

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe dá sentido harmônico.19

Como é possível observar, ao conceituarem os princípios, os autores levam em consideração diversos critérios, como o da fundamentalidade, quando afirmam serem os mesmos mandamentos nucleares de um sistema; da abstração, ao sustentarem que os mesmos possuem uma alta carga de abstração; da hierarquia, quando afirmam que são considerados como normas superiores dentro do ordenamento jurídico, dentre outros; critérios esses diversos daquele utilizado por Robert Alexy, o qual leva em consideração a estrutura da norma em seu aspecto qualitativo, senão vejamos o seu posicionamento:

Hasta ahora, lo que interesaba era el concepto de la norma de derecho fundamental o iusfundamental. Ahora hay que considerar su estructura. A tal fin, pueden llevarse a cabo numerosas distinciones teórico-estructurales. Para Page 252 la teoria de los derechos fundamentales, la más importante es la distinción entre reglas y principios. Ella constituye la base de la fundamentación iusfundamental y es una clave para la solución de problemas centrales de la dogmática de los derechos fundamentales. Sin ella, no puede existir una teoría adecuada de los limites, ni una teoría satisfactoria de la colisión y tampoco una teoría suficiente acerca del papel que juegan los derechos fundamentales en el sistema jurídico. Es un elemento básico no sólo de la dogmática de los derechos de libertad e igualdad, sino también de los derechos a protección, organización y procedimento y a prestaciones en sentido estricto.2021

Segundo Robert Alexy, os princípios seriam normas que prescrevem um mandamento de otimização, podendo o preceito ser cumprido em diversos graus de intensidade, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes.

Diante dos diversos critérios citados acima, não se pode sustentar que os mesmos estão corretos ou não, sendo somente possível afirmar que, dependendo do critério utilizado para a conceituação dos princípios, poderá haver conclusões diversas, principalmente, quando da diferenciação desses com as regras, bem como da análise acerca da possibilidade das colisões e conflitos que trataremos mais adiante nesse trabalho.

E não é só isso. Seguindo a lição de Robert Alexy - transcrita por muitos estudiosos de forma equivocada, diga-se de passagem, em suas obras -, os princípios nada mais são do que modelos de otimização, podendo ou não ser considerados como mandamentos nucleares de um sistema.

Diante da teoria do autor alemão, pode-se afirmar que existem regras regendo direitos fundamentais, assim como existem princípios que não estão enquadrados nessas disposições, pelo menos na visão aplicada pelo autor alemão, que leva em conta a estrutura da norma em seu aspecto qualitativo e não a sua fundamentalidade como vem sendo realizada pela teoria tradicional. Nesse mesmo sentido, vejamos o posicionamento de Virgílio Afonso da Silva, a saber:

o conceito de princípio, na teoria de Alexy, é um conceito que não faz referência à fundamentalidade da norma em questão. Como visto acima, uma norma é um princípio não por ser fundamental, mas por ter a estrutura de um mandamento de otimização. Por isso, um princípio pode ser um mandamento nuclear de um sistema, mas pode também não o ser, já que...

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