Conceitos fundamentais do sistema de precedentes e fundamentação das decisões judiciais

AutorMurilo Teixeira Avelino
CargoBacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco
Páginas151-169
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Vol.91 N.02 - Anno CX XVIII
AVELINO, Murilo Teixeira. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA D E PRECEDENTES E FUNDAMENTAÇÃO DAS
DECISÕES JUDICIAIS. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2448-2307, v. 91, n.2, p. 151-169 Set. 2020.
ISSN 2448-2307. <Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMIC A/article/view/248157>
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CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA DE
PRECEDENTES E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES
JUDICIAIS
FUNDAMENTAL CONCEPTS OF THE PRECEDENTS SYSTEM AND
JUDICIAL REASONING
Murilo Teixeira Avelino
1
RESUMO: Estamos aplicando corretamente os precedentes? A compreensão da teoria dos
precedentes exige que o estudioso conheça alguns conceitos fundamentais. As noções de ratio
decidendi e obiter dictum são fundamentais. Da mesma forma, conhecer os conceitos de
precedente, jurisprudência e súmula é necessário. Um ponto em comum entre todos esses
elementos, é a necessidade de motivação das decisões judiciais. Sem uma decisão bem
fundamentada, com respeito ao art. 93, IX, da CR e ao art. 489, §1°, do CPC, não há como
trabalhar com precedentes como um sistema organizado. E o problema é visto em termos
práticos, como no CC n° 144.922/MG, especialmente em confronto com julgado posterior, que
mal aplicou o precedente, demonstrando nosso apego à “cultura do ementário”. Por isso, a
fundamentação das decisões, em sua dimensão interna e externa, é um ponto chave,
indispensável à boa aplicação dos precedentes judiciais.
Palavras-chave: Precedentes. Cultura do Ementário. Fundamentação das decisões.
ABSTRACT: Are we applying the precedents correctly? To Understand the precedents as
theory, it is required that the scholar knows some fundamental concepts. The ideas of ratio
decidendi and obiter dictum are fundamental. Likewise, knowing the definition of precedent,
jurisprudence and summary pronouncement is necessary. One point in common among all these
elements, is the need to judicial reasoning. Without a well-reasoned decision, with respect to art.
93, IX, CR and art. 489, §1 °, of the CPC, there is no way to work with precedents as a organized
system. And the problem is seen in practical terms, as in CC n ° 144.922 / MG, especially when
we face it with other cases that make incorrect use of the precedent, showing our attachment to
the “ementary culture”. For this reason, the judicial reasoning, in internal and external
dimension, is a key point, indispensable for the proper application of judicial precedents.
Keywords: Precedents. Ementary Culture. Judicial Reasoning.
1 GENERALIDADES
1
Bacharel e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutorando pela Universidad e Federal da
Bahia. Membro da ANNEP e do IBDP. Procurador da Fazenda Nacional.
Recebimento em 02/09/2020
Aceito em 23/09/2020
REVISTA ACADÊMICA
Faculdade de Direito do Recife
Vol.91 N.02 - Anno CX XVIII
AVELINO, Murilo Teixeira. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA D E PRECEDENTES E FUNDAMENTAÇÃO DAS
DECISÕES JUDICIAIS. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife - ISSN: 2448-2307, v. 91, n.2, p. 151-169 Set. 2020.
ISSN 2448-2307. <Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMIC A/article/view/248157>
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A decisão judicial é um texto jurídico. De sua interpretação resultam ao menos duas
normas, uma individual, outra geral. A norma jurídica individualizada regula o caso concreto
submetido ao órgão julgador é extraída a partir dispositivo da sentença. Já a norma jurídica geral
é produzida pela jurisdição através de um processo indutivo o juiz examina um caso e
generaliza a sua solução. A partir de um problema concreto surge uma solução aplicável a uma
generalidade de casos futuro semelhantes.
O processo, portanto, funciona ele mesmo como fonte de norma. O procedimento em
contraditório reestrutura a ordem jurídica em uma função que o legislador não pode (ou ao
menos, não deve) cumprir. As normas decorrentes do processo legislativo se dedicam
eminentemente a um juízo prospectivo: regular fatos futuros e eventuais. Não é o que se dá com
o processo.
As normas decorrentes do processo como procedimento em contraditório a isto não se
limitam. E, para compreensão do processo como fonte de norma, é de suma importância avaliar
se estamos trabalhando bem com um sistema de precedentes, especialmente após o advento do
CPC/15. É a este estudo que nos dedicamos aqui. Estamos aplicando bem os precedentes?
Nosso caminho parte de alguns conceitos básicos de teoria dos precedentes judiciais;
passa pela análise do relevante julgamento do CC n° 144.922/MG, com especial recorte daquilo
que chamamos de cultura do ementário; finaliza na tentativa de demonstrar a íntima relação dos
temas com o dever de fundamentação das decisões. Sigamos.
2 RATIO DECIDENDI E OBITER DICTUM
O precedente é a decisão judicial cujo núcleo essencial pode servir de diretriz para
julgamento futuro de caso análogo. Nada obstante a referência seja à eficácia persuasiva do
precedente, esse caráter é da sua razão de decidir
2
ou ratio decidendi ou, como preferem os
americanos, a holding.
2
É preciso fazer uma ressalva. O termo razão de decidir é adotado, no Brasil muito comumente como
substitutivo de ratio decidendi. Não se trata, todavia, de sinônimo. É que a ratio decidendi vai muito além das razões
que o judiciário tomou para decidir. A ratio decidendi, como será desenvolvido adiante, está no plano normativo,
trata-se mesmo da norma geral construída jurisprudencialmente, seria o mesmo que a identificação das razões para
a tomada de decisão (=reason for the decision). Por outro lado, a razão de decidir (=judicial reasoning) é elemento
textual. Trata-se, pois, das razões trazidas à baila pelo julgado no texto da decisão. Dela podem ser extraídas a ratio
e também o obiter dictum. Veja-se: “Ratio decidendi can mean either „reason for the decision‟ or „reason for
deciding‟. It should not be inferred from this that the rat io decidendi of a case must be the judicial reasoning.
Judicial reasoning may be integral to the ratio, but the ratio itself is more than the reasoning, and within many cases
there will be judicial reasoning that constitutes not part of the ratio, but obiter dicta” (DUXBURY, 2008, p. 67-68).
Em tradução livre: “Ratio decidendi pode significar tanto „razão para decisão‟ quanto „fundamentação da decisão‟.
Não se deve inferior disso que a ratio decidendi de um caso seja a fundamentação da decisão. A fundamentação da

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