Conclusões

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorPós-doutora no Programa de Pós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos - Direito, Política, História e Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas197-203

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No ambiente de trabalho, o estado de sujeição é manifesto, na medida em que o espaço e o tempo do trabalhador estão subordinados à organização empresarial. Se o dano extrapatrimonial ocorre no trabalho, durante o trabalho ou em razão do trabalho a responsabilidade do empregador deve ser reconhecida. Em não assim se considerando, estar-se-á em conivência com práticas remissivas ao trabalho indigno, repugnadas internacionalmente e incabíveis em um Estado que tenha a dignidade humana como valor fundante.

A Constituição propõe o diálogo entre a “valorização do trabalho humano”, a “livre concorrência” e a “existência digna”. A contenção dos desmandos que ultrapassem os limites do regular exercício do poder econômico pode ser feita pela via da responsabilidade civil, com base na proposta de reconhecimento da responsabilidade contratual do empregador.

Elaborada crítica ao princípio da proteção como elemento corrosivo dos iltros da responsabilidade arriscou-se a enumerar tal mecanismo protetivo associado ao ativismo judicial como um dos elementos motivadores do movimento de reação das classes dominantes reconhecido como reforma trabalhista. Todavia, como critério de correção de exageros e recuperação da identidade social do direito do trabalho, para a solução de conlitos derivados de danos extrapatrimoniais, foi apresentado o princípio da solidariedade como derivação da vontade constitucional.

A transformação do trabalhador em mero componente de engrenagem produtiva irreletida, máxime no contexto dos programas contratuais de massa, deve ser neutralizada pelas exigências de boa-fé objetiva e da função social do contrato como respostas destinadas a resgatar a prevalência dos interesses não patrimoniais envolvidos nas relações contratuais.

Assim, o respeito e o reconhecimento dos valores humanos do empregado enquadram-se na “teoria dos deveres anexos” desenvolvida no campo contratual civilista a partir da constitucionalização do direito civil. Tais deveres, na esfera trabalhista, pela proteção internacional de que gozam, bem como pela incidência prática do princípio da solidariedade, ganham status de deveres intrínsecos ou inerentes ao contrato de trabalho. Em outras palavras, o cumprimento desses deveres realiza o desiderato de trabalho digno e decente tal como concebido na visão da Organização Internacional do Trabalho.

Em contrapartida, o inadimplemento dos deveres inerentes ao contrato de trabalho não poderá ser reparado como simples violação de uma cláusula contratual, ou seja, simplesmente tentando ressarcir a parte pelo prejuízo econômico e ponto inal. Não. E a razão da negativa contundente é muito simples, qual seja, por trás de eventual prejuízo econômico causado pela violação dos deveres de (i) reconhecimento e respeito ao indivíduo trabalhador ontologicamente considerado, que comporta os direitos à constituição de valores humanos como nome, honra, imagem, autodeterminação e privacidade; e ao mínimo existencial composto das condições básicas de subsistência e pausas no tempo de trabalho para conquista de uma vida boa e (ii) reconhecimento e respeito ao indivíduo trabalhador no meio ambiente de trabalho em que inserido, que comporta os direitos à integridade física e psíquica com devida promoção da correção dos riscos ambientais; e a um tratamento probo e igualitário, sucumbe a frustração da concepção de trabalho humano como valor dignificante. Portanto, a transgressão aos valores inerentes ao contrato de trabalho caracteriza danos extrapatrimoniais.

Nesse contexto, propôs-se sistematização dos danos extrapatrimoniais trabalhistas derivados da violação dos deveres inerentes e classificados em cinco grupos não autoexcludentes: (i) danos morais (ii) danos existenciais, (iii) danos estéticos (iv) danos socioambientais e (v) danos morais coletivos.

Reconhecendo-se as funções preventiva, punitiva e compensatória da tutela voltada à reparação dos danos extra-patrimoniais, foi erigida interpretação conforme do art. 223-G da CLT.

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Parece interessante sintetizar algumas proposições deste trabalho:

Conclusões Específicas - Parte I

1. O sistema de responsabilidade civil consagrado por codificações positivistas originariamente apresentava características individualistas, liberais, patrimonialistas e com incidência a posteriori. A disciplina classicamente erigiu-se sobre três grandes alicerces: dano, nexo causal e culpa. Com a constitucionalização do Direito Civil, os últimos dois elementos foram relativizados.

  1. O ativismo judicial na justiça do trabalho, somado ao princípio protetor, significou desgaste ainda mais relevante dos iltros da responsabilidade no campo trabalhista. A reforma trabalhista representa uma contrarreação agressiva das classes dominantes à vivência prática do princípio protetor.

  2. Com o arrefecimento do princípio protetor, entra em crise a identidade do direito do trabalho que parte em busca de referenciais que lhe permitam a conservação de seu pendor social. No campo da responsabilidade civil, em ambiente de tentativa de resgate da personalidade e autonomia do direito do trabalho, insurge a vocação pelo princípio da solidariedade.

  3. A substituição do protecionismo pela solidariedade resgata o compromisso social que deve conduzir a disciplina, de forma equilibrada e realizadora de garantias constitucionais sociais fundamentais.

  4. Assim, a compreensão do dano, do nexo causal e da conduta lesiva deve ser pautada pelo princípio da solidariedade, tomando-se o solidarismo como iltro conducente à interpretação e aplicação dos direitos e deveres das partes nas relações laborais como antecedente lógico da imputação de responsabilidade.

  5. A imputação da responsabilidade volta-se para a realização dos direitos personalíssimos dos empregados, sem perder de vista o papel social do agente capitalista, assim como suas limitações, buscando verdadeira concordância prática entre os valores constitucionais voltados ao trabalho humano e à preservação da livre iniciativa.

  6. A solução de conlitos dar-se-á cooperativamente, mediante compreensão recíproca dos dramas das partes envolvidas. É dizer: nem parcialidade nem esterilidade. Daí a solidariedade, como postulado, coloca-se como antídoto contra o desmantelamento do direito do trabalho prenhe dos valores sociais que o identificam.

  7. No meio ambiente de trabalho, a responsabilidade civil terá natureza contratual, diagnosticada a partir do vínculo que permeia a dinâmica dos agentes. Sendo contratual, em relação aos danos sofridos por empregados, a responsabilidade decorrerá da simples violação de deveres obrigacionais, independentemente de coniguração de ato ilícito e do elemento culpa.

  8. A responsabilidade subjetiva volta-se mais para a sanção do...

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