Os Elementos Componentes da Reparação do Dano Extrapatrimonial

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorPós-doutora no Programa de Pós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos - Direito, Política, História e Comunicação da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Páginas145-161

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5.1. Os fundamentos da reparabilidade dos danos extrapatrimoniais

É possível destacar três correntes acerca da reparabilidade de danos extrapatrimoniais: a corrente negativista, a mista e a positivista564.

A primeira, atualmente minoritária, nega a admissibilidade da reparação do dano extrapatrimonial sustentando a inviabilidade de sua quantificação. Nesse particular, salienta Xisto Tiago de Medeiros Neto que “é outra, pois, a natureza da reparação, já que a expressão do conteúdo do dano moral, realmente é intraduzível por um preço, assim como não se sujeita a uma tarifação prévia ou à adoção de um sistema universal de medidas”565.

As principais objeções quanto à possibilidade de reparação do dano moral apoiavam-se, segundo o autor, nos argumentos segundo os quais (i) além de a dor não ter preço, constituindo uma imoralidade medir-se em dinheiro a sua expressão (pretium doloris), seria (ii) impossível a sua avaliação, já que inviável saber a exata extensão da lesão, pela ausência de critério de equivalência, ou até mesmo por eventual indeterminação das vítimas. Por im, (iii) igualmente constituiria temeridade deixar a reparação (sua extensão e quantificação) ao arbítrio irrestrito de uma autoridade judicial566.

Ainda sobre a corrente negativista, Rui Geraldo Camargo Viana airma que “a maioria dos que assim pensam não admite que se possa dissociar o conceito de dano do de prejuízo material”.567 Zulmira Pires de Lima anuncia a existência de um elenco de nove objeções à tese de admissibilidade do dano moral, são elas: (i) a falta de um efeito penoso durável; (ii) a incerteza de se haver violado um direito; (iii) a dificuldade em descobrir a existência do dano moral;
(iv) a indeterminação do número de pessoas lesadas; (v) a impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro; (vi) a imoralidade de compensar a dor com dinheiro; (vii) o excesso de arbítrio concedido ao juiz; (viii) a impossibilidade jurídica do pedido e, por im, (ix) o enriquecimento sem causa568”.

A primeira objeção, “falta de um efeito penoso durável”, parece absolutamente equivocada, uma vez que não se pode diagnosticar um evento como dano ou não a partir do período de duração de seu efeito penoso. Ademais, acrescenta Sérgio Severo, que “todo o dano é uma ofensa e como tal deve ser reparado, na medida dos efeitos que causar”.569 Ora, a questão da duração em maior ou menor tempo do dano diz respeito à maneira como será sua reparação e apenas a isso.

A segunda objeção à possibilidade de reparação do dano moral, que se sustenta em suposta “incerteza de se haver violado um direito” parte do pressuposto de que para haver ressarcibilidade seria indispensável a existência de um direito violado. Porém, para os adeptos dessa objeção, há dúvidas quanto à legitimidade da reparação dos danos morais por parecer que, em tais casos, não haja um verdadeiro direito que mereça proteção da ordem jurídica. Em posição contrária,

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Minozzi570 compreende que o dano moral não é a lesão abstrata de um direito, mas o efeito não patrimonial da lesão de um direito concreto. Nessa linha, igualmente, conclui Sérgio Severo que os danos extrapatrimoniais se denotam a partir dos efeitos de um determinado evento571.

A terceira objeção, qual seja, aquela relativa à suposta “dificuldade em descobrir a existência do dano moral”, fundamenta-se na impossibilidade de aferir se o ofendido realmente sofreu uma dor ou se, por trás de sua pretensão, não há uma hipocrisia dissimulada. Gabba572 destaca a problemática da subjetividade da questão. Zulmira Pires de Lima573, por sua vez, entende e concorda que em determinadas situações é difícil verificar a existência do sofrimento, porém, considera que tal motivo não poderá implicar na negação da ressarcibilidade desse tipo de dano.

A quarta objeção, “indeterminação do número de pessoas lesadas”, também possui Gabba como seu autor, segundo quem o “padecimento moral pode verificar-se não só no sujeito como em terceira pessoa, além dos parentes do ofendido ou defunto. Porém, admitindo a dor de terceiros estranhos à ação de dano, que possam agir jure proprio, em busca de ressarcimento, introduz-se qualquer coisa de novo e de inaudito na doutrina civil do dano, um critério aberrante ao ininito”574. Ao enfrentar essa objeção, Zulmira Pires de Lima manifesta-se no sentido de que para a resolução desta dificuldade não se deve exigir um critério rígido, consagrado em uma lei, mas deixar ao julgador a faculdade de, em cada caso concreto, e segundo as circunstâncias, verificar quem são as pessoas cuja dor mereça ser reparada.575

Sérgio Severo, por sua vez, destaca que essa preocupação vem diminuindo com o tempo, porém, certo é que se trata de interesses juridicamente protegidos, independentemente do número de lesados; do contrário, os interesses difusos nunca seriam indenizáveis576.

A quinta objeção, ou seja, a suposta “impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro”, possui também como seu adepto Gabba, o qual, segundo Wilson Melo da Silva, preconiza que “o ressarcimento é, por natureza, pecuniário, sendo impossível traduzir em dinheiro os interesses lesados por aqueles danos. Entre dor e o dinheiro falta a unitá di misura, que a lógica exige seja a mesma, quando se trata de estabelecer confronto entre duas ou mais coisas”577. Essa objeção é o ponto nuclear da discussão em que se antagonizam as correntes positivistas e negativistas.

Wilson Melo da Silva entende que a falta de reparação mais adequada do dano moral não pode ser pior do que deixar a vítima sem reparação alguma, posto que o contrário consistiria na negação dos próprios postulados superiores da Justiça. Destaca, por im, que a dificuldade não pode se levantar como impossibilidade de reparação.578

A sexta objeção, “impossibilidade de rigorosa avaliação em dinheiro”, acusa as doutrinas que aceitam a indenização pecuniária dos danos morais (aqui referidos como extrapatrimoniais) como absurdas e imorais. Zulmira Pires de Lima, em contraposição, entende que o dinheiro recebido pelo ofendido a título de dano moral não é o preço do bem lesado, mas uma compensação, a única possível, de se oferecer pelo dano causado.579 Por im, importa destacar o posicionamento de Minozzi,580 o qual constitui posição que se coaduna com o entendimento atual da matéria e afasta a objeção de imoralidade da satisfação dos danos extrapatrimoniais, à medida que considera que o dano moral enseja uma satisfação à vítima e uma punição ao ofensor.

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A sétima objeção, “demasiado arbítrio concedido ao juiz”, tem como adeptos Chironi e Lacantinerie et Barde581, os quais reconhecem que em todas as decisões judiciais há sempre uma parcela de arbítrio, sendo elemento absolutamente pleno nas indenizações por danos extrapatrimoniais. Sérgio Severo destaca sobre o tema que a própria experiência jurídica já viria destruindo o medo de uma ditadura dos juízes. “Tem-se observado que a lei não possui a mobilidade da jurisprudência para acompanhar o processo social na resolução de determinados problemas, daí a importância crescente das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados nos sistemas jurídicos contemporâneos”582. Rebatendo a teoria negativista, Valdir Florindo583 airma que, “ao ixar o valor a ser pago pelo ofensor, não se estará concedendo excessivo poder ao juiz”, eis que o magistrado deverá ser responsável, “sopesando todos os elementos pousados nos autos e sentenciando de forma moderada e com motivação. Estará o juiz utilizando-se do seu poder discricionário, que é importante instrumento de que dispõe o julgador, em decorrência da incessante mobilidade social”.

A oitava objeção, “impossibilidade jurídica do pedido”, é objeção de Gabba, que, segundo informa Wilson Melo da Silva, consistiria na síntese de seu trabalho contra a doutrina da reparabilidade do dano moral. Sérgio Severo, em contrapartida, destaca que esse posicionamento restou vencido devido à realidade jurídica de muitos países, uma vez que, na atualidade, poucas nações não admitem a indenização dos danos extrapatrimoniais584.

A nona objeção, “o enriquecimento sem causa”, consistiria no entendimento de que o pretendido credor teria, na reparação, um aumento de seu patrimônio sem que antes tivesse havido qualquer redução dele585. O equívoco dessa perspectiva é singelo: tomar o patrimônio de alguém unicamente como o conjunto de seus bens materiais.

Terminada a análise da teoria negativista, passa-se para o estudo das teorias mistas ou ecléticas. Consideram-se três vertentes de tal classificação: (i) aquela que só admite a indenização quando os danos morais forem causa eiciente de dano material; (ii) aquela que só admite a indenização por danos morais quando originados de crime e, por im, (iii) aquela que só admite a indenização em caso de ofensa a determinados interesses586.

A lógica comum de tais doutrinas é interligar a reparabilidade do dano extrapatrimonial a...

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