Princípios, regras e conflitos normativos: uma nota sobre a superabilidade das regras jurídicas e as decisões contra legem

AutorThomas Bustamante
CargoProfessor da Faculdade de Direito da UFMG; Honorary Lecturer na Universidade de Aberdeen, Escócia
Páginas152-180
Princípios, regras e conitos normativos:
uma nota sobre a superabilidade das regras
jurídicas e as decisões
contra legem
Thomas Bustamante*
1. Introdução
A juridicidade de decisões contra legem constitui um dos problemas
mais controversos da ciência jurídica. Embora tais decisões não sejam com-
pletamente estranhas à rotina dos aplicadores do direito, reina uma espécie
de silêncio acerca delas e os teóricos do direito normalmente encontram
dif‌iculdades para elaborar diretivas capazes de explicá-las ou justif‌icá-las.
Este trabalho pretende, porém, superar (ao menos em parte) algumas des-
sas dif‌iculdades e oferecer uma análise de tais decisões com fundamento
na obra de Robert Alexy.
Alexy admite, em diferentes passagens de sua obra, a possibilidade de
se justif‌icar decisões contra legem, tendo chegado inclusive a elaborar uma
“fórmula” para descrever a estrutura lógica da denominada redução teleo-
lógica, que é apresentada como um procedimento de modif‌icação de uma
regra jurídica para os casos em que sua aplicabilidade for tida como inde-
sejada. Para Alexy1, há casos em que é possível deixar de aceitar o resultado
* Professor da Faculdade de Direito da UFMG; Honorary Lecturer na Universidade de Aberdeen, Escócia;
Doutor em Direito pela PUC-Rio; e Mestre em Direito pela UERJ. E-mail: thomas_bustamante@yahoo.
com.br. Este ensaio é uma versão resumida das conclusões de uma pesquisa realizada durante visita à Uni-
versidade de León, Espanha, a convite do Professor Juan Antonio García Amado e com f‌inanciamento do
Carnegie Trust for the Universities of Scotland. A versão integral do trabalho, substancialmente mais extensa,
se acha publicada em espanhol, com o título “Principios, reglas y derrotabilidad. El problema de las deci-
siones contra legem” (BUSTAMANTE, 2010). Por sugestão de um revisor anônimo, esta versão foi sutilmente
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das interpretações jurídicas fundamentadas em argumentos semânticos, de
sorte que o intérprete realiza uma reformulação da regra original para in-
troduzir uma exceção em sua hipótese de incidência.
Não obstante, o leitor da Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy não
encontrará nesta obra mais do que uma menção à possibilidade de redução
de uma regra jurídica, uma vez que o autor não dedica a esse assunto a
mesma atenção que ele oferece a outros temas específ‌icos da argumentação
jurídica, como a interpretação jurídica e a utilização de enunciados da dog-
mática jurídica pelos aplicadores do Direito. Pode-se dizer, nesse sentido,
que o “código da razão prática” que Alexy propõe contém uma série de
lacunas a respeito das decisões contra legem.
A existência dessas lacunas me levou, em um escrito anterior2, a pro-
por um catálogo de regras de argumentação adicionais para lidar com o
problema específ‌ico das decisões contra legem e orientar os juristas práticos
na tarefa de justif‌icação de tais decisões. O presente trabalho, no entanto,
revisa algumas dessas conclusões anteriores e tenta oferecer um esquema
mais detalhado para explicar os tipos de conf‌litos normativos que podem
acontecer durante o processo de aplicação do Direito3. Como será arguido
nas seções que se seguem, acredito que a introdução de exceções à hipó-
tese de incidência de uma regra jurídica pode ser justif‌icada nos casos de
modif‌icada, com algumas inserções sob a forma de notas de rodapé, que pretendem dar conta de problemas
que ainda não haviam sido suf‌icientemente tratados na versão anterior. Devo agradecer a este revisor pelas
críticas construtivas e sugestões, que muito contribuíram para o texto que ora se publica.
1 ALEXY, 2007-a, p. 227.
2 BUSTAMANTE, 2005.
3 Basicamente, eu sustentava no trabalho anterior que a superabilidade era uma propriedade tanto dos
princípios quanto das regras jurídicas. Os princípios seriam normas cuja superabilidade é imanente, ao
passo que as regras seriam normas cuja superabilidade é reservada para casos excepcionais (BUSTAMANTE,
2005, p. 220). Esta tese apresenta semelhanças com o entendimento de Humberto ÁVILA (2010, p. 105),
para quem “as regras possuem um caráter ‘prima facie’ forte e superabilidade mais rígida”, ao passo que os
princípios tem um caráter ‘prima facie’ fraco e superabilidade mais f‌lexível”. A principal razão pela qual me
afasto deste tipo de explicação do fenômeno da superabilidade é que penso que esta explicação não leva em
consideração o fato de os princípios serem normas cuja institucionalização é parcial (já que falta a determi-
nação dos comportamentos concretos que se seguem dessas normas) e, por conseguinte, não poderem ser
superadas porque elas não estabelecem nenhuma hipótese de incidência. Os princípios estabelecem apenas
uma obrigação de otimizar. Se a superabilidade for def‌inida como a possibilidade de se inserir exceções
em uma norma jurídica, então deve-se necessariamente presumir que essa norma tenha a estrutura de uma
regra que permita a subsunção de certos fatos ou condutas em sua hipótese de incidência. A tese de que
a superabilidade é uma propriedade das regras, e não dos princípios, foi também defendida recentemente
por Carsten BÄCKER (2010). Para uma argumentação mais desenvolvida em favor desta tese, ver também
BUSTAMANTE (2010, pp. 222-229, especialmente nota 8).
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