Conhecendo vieses: como a consciência dos vieses altera a sua influência na tomada de decisão jurídica

AutorAna Helena Feres Nascif
Páginas233-287
CONHECENDO VIESES: COMO A CONSCIÊNCIA DOS
VIESES ALTERA A SUA INFLUÊNCIA NA TOMADA DE
DECISÃO JURÍDICA
ANA HELENA FERES NASCIF
Resumo
Vieses cognitivos interferem na tomada de decisão, inclusive no que diz
respeito a situações que envolvem o Direito. Assim, o presente estudo
tem como objetivo investigar os fatores que alteram a influência que os
vieses cognitivos exercem na tomada de decisão judicial. Partindo de uma
base teórica a respeito de heurísticas, vieses e desenviesamento, busca-se
verificar como a consciência a respeito da incidência de determinado viés
altera a forma como ele interfere nas decisões. Nesse sentido, foi realizada
uma pesquisa empírica com estudantes de Direito para entender se essa
conscientização faz diferença ou se, na verdade, é o conhecimento jurídi-
co que proporciona decisões menos enviesadas. Analisando as respostas
encontradas, é possível perceber que a educação é um importante meca-
nismo para desenviesar o agente, uma vez que, de acordo com os experi-
mentos aplicados, a consciência sobre vieses no geral diminui a influência
deles na tomada de decisão. Por fim, o trabalho apresenta propostas no
sentido de tornar as decisões judiciais mais alinhadas com os pressupos-
tos de racionalidade e, portanto, mais corretas no sentido de aplicação de
regras e princípios jurídicos.
Palavras-chave
Vieses; heurísticas; tomada de decisão; mecanismos de desenviesamento;
economia comportamental; psicologia jurídica; pesquisa empírica.
Abstract
Cognitive biases interfere in decision-making, including judicial ones. Thus,
this article has the goal to investigate the factors that alter the influence
that cognitive biases exert on judicial decision-making. Based on concepts
about heuristics, biases and debiasing, the intention is to verify how the
awareness about the incidence of certain bias alters the way it interferes in
decisions. In this sense, an empirical research with law students was carried
out to understand if this awareness makes a difference or if, in fact, it is
COLEÇÃO JOVEM JURISTA 2022
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legal knowledge that provides less biased decisions. Analyzing the results,
it is possible to assume that education is an important debiasing mecha-
nism, since the applied experiments showed that general consciousness
about biases reduces its influence in decision-making. Lastly, the article
suggests proposals to make court decisions more aligned with rationality
and, therefore, more correct in the sense of applying legal rules and principles.
Keywords
Biases; heuristics; decision-making; debiasing; behavioral economics; legal
psychology; empirical research.
“Educai as crianças e não será preciso punir os homens.”
Pitágoras
1. INTRODUÇÃO
Grande parte das pesquisas que analisam a influência dos vieses cogni-
tivos nas decisões judiciais apresentam o nível de conhecimento em Di-
reito como a razão pela qual, muitas vezes, juízes são menos enviesados
do que leigos ao decidir.1 No entanto, em uma gama significativa de si-
tuações, esse conhecimento específico não faz diferença e os resultados
acabam por ser os mesmos, ainda que os experimentos sejam aplicados
a juízes.2
De acordo com a teoria dos processos duais, as heurísticas e os vie-
ses atuam sobre o automático Sistema 1, podendo levar a respostas intui-
tivas equivocadas ou a pressupostos incorretos para a tomada de decisão
reflexiva do Sistema 2.3 Nesse sentido, tais erros sistemáticos provocados
pela intuição podem ocorrer com qualquer pessoa, sejam leigos ou espe-
cialistas.
1 GUTHRIE, Chris. RACHLINSKI, Jeffrey J. WISTRICH, Andrew J. Inside the judicial mind.
Cornell Law Review. Vol. 86, pp. 777-830, 2001, p. 780 e TOBIA, Kevin P. Legal Con-
cepts and Legal Expertise. Available at SSRN, 2020.
2 GUTHRIE, Chris. RACHLINSKI, Jeffrey J. WISTRICH, Andrew J. Blinking on the Ben-
ch: How Judges Decide Cases. Cornell Law Faculty Publications, Paper 917, 2007, p.
14; KAHAN, Dan M. HOFFMAN, David. EVANS, Danieli. DEVINS, Neal. LUCCI, Eugene.
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Guilherme. HANNIKAINEN, Ivar. Legal Decision-Making and the Abstract/Concrete
Paradox. Cognition. Vol. 205, 2020.
3 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Obje-
tiva, 2012.
CONHECENDO VIESES: COMO A CONSCIÊNCIA DOS VIESES ALTERA
A SUA INFLUÊNCIA NA TOMADA DE DECISÃO JURÍDICA
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Assim, o problema a ser explorado no presente trabalho é a deter-
minação de qual poderia ser a explicação para as diferenças relativas ao
nível de influência dos vieses cognitivos nas decisões judiciais, visto que,
aparentemente, tais divergências não se dão unicamente pela formação
jurídica.
Com base em estudos já realizados sobre a interferência de vieses no
Direito,4 bem como em teses relacionadas à conscientização a respeito de
processos cognitivos inconscientes,5 à hipótese a ser analisada e defen-
dida na sequência é a de que o fator predominante nessa diferença acerca
da interferência dos vieses cognitivos na tomada de decisão é o nível de
consciência que os juristas possuem acerca do viés presente, visto que
este elemento faria com que os julgadores o combatessem. Em outras
palavras, o juiz seria consideravelmente menos afetado nos casos em que
conhece o viés e mais influenciado quando o desconhece.
A partir de então, podem ser sugeridas formas de desenviesar as deci-
sões judiciais por meio da educação dos agentes decisores. Isto é, na con-
dição de validade dessa hipótese, os juristas devem ser ensinados sobre
vieses que afetam as decisões judiciais, para que os conheçam e os tenham
em mente no momento de decidir, de modo a buscar neutralizá-los.
Partindo-se da tese de que o conhecimento em Direito não interfere
no quanto os vieses influenciam as decisões, mas que a consciência em
relação a eles efetivamente faz diferença, foram realizados experimentos
com estudantes de Direito do primeiro e do último ano da graduação, bem
como mestrandos e doutorandos em Direito, de modo que se verificasse
4 Op. cit., GUTHRIE et al., 2001; Op. cit., GUTHRIE et al., 2007; Op. cit, KAHAN et al.,
2016; Op. cit., STRUCHINER et al., 2020; DE ALMEIDA, Gabriela Perissinotto. NOJIRI,
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RIBEIRO, Leandro Molhano. Heurística de ancoragem e fixação de danos morais em
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