Considerações sobre o elemento objetivo da lesão contratual no Código Civil de 2002

AutorAdauto de Almeida Tomaszewski; Celito De Bona
Páginas281-304

Adauto de Almeida Tomaszewski. Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina/PR; Doutor em Direito Pela PUC/SP; professor dos cursos de Graduação, Especialização e Mestrado em Direito na UEL; professor dos cursos de Graduação e Especialização em Direito da PUC/PR – Campus Londrina/PR; professor do Curso de Mestrado em Direito Processual e Cidadania da UNIPAR – Campus sede Umuarama/PR; autor de diversas obras e artigos jurídicos. Email: adauto@uel.br

Celito De Bona. Especialista lato sensu em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Paranaense – UNIPAR/Toledo; especialista lato sensu em Filosofia do Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE; mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL; professor da graduação em Direito no Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná/RO - CEULJI - ULBRA. Email: celitodebona@yahoo.com.br

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Introdução

O Código Civil (Lei n. 10.406/2002) restaurou o instituto da Lesão Contratual no seu art. 157 como um defeito do Negócio Jurídico, na Parte Geral, Livro II, Título I, e Capítulo IV, por influir na vontade do contraente em celebrar o contrato, que fora suprimido pelo Código de 1916. Atribuída pelo legislador como defeito negócio jurídico, a lesão está no mesmo capítulo dos vícios do consentimento (dolo, erro e coação) e de um vício social (a fraude contra credores, visto que a simulação, também considerada um vício social, apresenta uma sanção diferente). A redação do artigo com seus dois parágrafos foi assim determinada:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

De acordo com este artigo, lesão é o vício de consentimento do contraente na celebração de um negócio jurídico motivado por ocasião de uma premente necessidade ou inexperiência em que lhe obriga a uma prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta, acarretando-lhe prejuízo, e que torna o contrato rescindível se não modificado a um razoável equilíbrio obrigacional entre as partes. Segundo Roberto Senise Lisboa, "lesão é a obtenção de vantagem indevida, em virtude da situação de inexperiência ou premência da vítima, acarretando-lhe prejuízo material" (LISBOA, 2009, p. 397).

A lesão configura, no direito atual, uma instituição destinada a salvaguardar a concorrência ao mercado e a mantê-la em condições de relativa e razoável paridade. Não se encontra neste estado quem está posicionado frente a outra parte de um negócio jurídico em estado de inferioridade, seja ela técnica ou financeira, ainda que momentaneamente.

Diante da disposição do art. 157 do Código Civil, se denota que sua cabeça é formada por dois elementos: um objetivo e outro subjetivo. O primeiro se constitui pela prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. A problemática reside em quanto deve ser esta proporção, visto que o texto do Código não dispôs de um limite ou tarifação para a configuração da lesão. Ademais, a diferença entre a lesão e o lucro, que não é proibido, poderá depender, a priori, da ótica pela qual se analisa a questão.

O elemento subjetivo é constituído ou pela premente necessidade suportadaPage 283 pelo contraente ou por sua inexperiência. O que vem a ser tanto uma ou outra deve ser analisado pelo juiz pormenorizadamente em cada caso em concreto, considerados os fatores sociais locais e a espécie e natureza de contrato, tudo de acordo com o seu agir prudencial, como apregoa o jurista Rodolfo Luis Vigo (2005).

Contudo, será que são necessários parâmetros para a utilização nesta atividade judicial, de modo a que haja uma uniformidade e coerência jurisprudencial, evitando-se uma possível insegurança ou incerteza jurídica?1 E esta insegurança jurídica não é erroneamente tecida devida por ocasião do aparecimento das cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados? Afastando neste trabalho a análise dos elementos subjetivos, não por não ser considerado relevante, mas por mera adequação ao espaço disponível para publicação, focalizar-se-á a atenção ao problema da delimitação do elemento objetivo, qual seja, indagar-se-á quanto deverá ser considerada a lesão em termos proporcionais ao negócio jurídico celebrado. Eis a problemática maior do presente artigo.

1 Do elemento objetivo

A prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta, expressão utilizada pela cabeça do art. 157 do Código Civil, é uma afronta objetiva ao princípio da justiça contratual, em que se preza um equilíbrio entre as prestações cabíveis a cada contraente.

Na análise deste elemento objetivo, serão abordados os seguintes pontos:

  1. o valor da prestação oposta;

  2. a manifesta desproporção das prestações;

  3. a ideia de lucro.

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2 O valor da prestação oposta

Na análise do elemento objetivo, o primeiro ponto a se abordar é a exata compreensão do que seja o valor da prestação oposta, eis que se trata do ponto referencial deste elemento. No direito canônico, Santo Tomás de Aquino trouxe a noção de justo preço. Não se pode apresentar esta alternativa como solução ao problema, visto a enorme dificuldade de se conciliar uma definição do que seja considerado justo, eis que implicará sempre numa análise extremamente subjetiva acerca de sua definição e a existência de várias teorias sobre a justiça, em que pese ser esta a tendência atual do Direito, tal como se compreende do movimento denominado de pós-positivismo.

Alheio a esta distinção apresentada por Santo Tomás de Aquino, Roberto Senise Lisboa traz o preço justo (pretium iustum) como sendo:

[...] aquele proporcional ao valor da coisa, conforme o tempo e o lugar da celebração do negócio jurídico. É também chamado preço comum, pois resulta do intercambio econômico. É, portanto, preço não lesivo, não inferior à metade do preço comum (LISBOA, 2009, p. 400).2

Melhor alternativa se dá com o acolhimento do critério valor de mercado. Isto porque é relativamente fácil determinar o preço corrente, mas não o justo preço (da concepção tomista). De conseqüência, poderia o aplicador do direito ficar sem referência para determinar a ocorrência da lesão, e jamais o adquirente de boa-fé teria a certeza de que pagara o valor adequado pela coisa e, assim, se resguardaria contra a possibilidade de anulação do ato. É bem possível que o preço considerado justo não seja o de mercado, visto que a edificação de uma residência em determinado terreno pode gerar uma despesa muito maior do que o preço de mercado alcançado por ela considerando a conjuntura econômicofinanceira da época. Assim, se a construção teve um custo total de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e outros imóveis equivalentes são vendidos, pelo preço de mercado, a R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), o que seria considerado justo, ou seja, os gastos com a construção, se adotado este critério, dificilmente o valor de mercado corresponderia ao ideal de Justiça.3

Para se obter o valor de mercado de certos bens, o magistrado encontra muita facilidade, por exemplo, ao se tratar de veículos automotores, com aPage 285 utilização da tabela Fipe. No caso de imóveis, a consulta a imobiliárias sobre negócios equivalentes efetuados na mesma época e praça, de preferência, dá um bom indício do valor de mercado desses bens. No caso de negócios com cereais, a consulta a cerealistas e armazéns da região também são um bom indicador do preço alcançado pelo produto no mercado numa delimitação de espaço e tempo. Se forem bens com cotação em bolsa, a simples constatação do valor do título no tempo da celebração do contrato bastará. Se houverem controvérsias pelas partes sobre o valor de mercado, não resta alternativa ao magistrado senão a designação de perícia. E isto se torna impossível com a adoção do critério do justo preço.

Além disso, o justo preço não é fixo, pois pode consistir na estimação de cada um, segundo a utilidade que retira do bem. E isto porque a partir do século XVI a sua concepção se deformou numa tricotomia de máximo, médio e ínfimo, sendo que somente o último servia de base à rescisão.

Não obstante a isso, com o novo Código Civil houve uma mudança axiológica implantando uma tendência de equilíbrio contratual entre as partes, ao menos é o uqe se visa, na medida do possível. É conveniente a passagem dos ensinamentos de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, que aduzem:

Analisando ainda o art. 157, pode-se concluir ter havido uma verdadeira mudança axiológica no novo Código Civil, presente este vício de consentimento como verdadeira limitação à autonomia individual da vontade, não mais admitindo o "negócio da China", uma vez que não se aceitará mais passivamente a ocorrência de negócios jurídicos com prestações manifestamente desproporcionais (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 376).

Concordando com os doutrinadores baianos, Flávio Tartuce complementa:

Entendemos que a lesão está configurada na prática do truck system, hipótese em que o empregador coloca à disposição do empregado mercadorias, no próprio local de trabalho, com preços bem superiores aos praticados no mercado. Essa prática, aliás, é vedada expressamente pelo art. 462, §§ 2º a 4º, da CLT (TARTUCE, 2008, p. 366).

Não se deve olvidar ainda que o Estado nacional tem por base uma...

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