Aspectos constitucionais e principiológicos da contribuição social para a seguridade social

AutorLuciano de Almeida Pereira
CargoMestrando em Direito Tributário pela PUC/SP. Conselheiro do Conselho de Tributos e
Páginas152-162

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1. Introdução

Sabido e consabido é o fato de que todo sistema jurídico positivo observa certo grau de hierarquia entre as normas. Como predica Hans Kelsen, há uma pirâmide que representa o referido sistema de sorte que em seu cume se encontra aloca-do o diploma legal de maior hierarquia que, notemos, se sobrepõe aos demais de forma escalona, espraiando, pois, seus re-gramentos, seus comandos, seus princípios.

Aqueloutros regramentos que, por obediência hierárquica, encontram-se abaixo deste supino diploma a qual nos referimos, haverão por seu turno, de obedecer-lho no que tange aos ditames destes advindos para que, assim sendo, encontrem sua devida validade. Por outro giro, a inobservância, o descompasso de prescrições entre o magno texto e os textos inferiores, macula, sobremaneira, a validade das prescrições emitidas por estes textos, jus-tamente porque, assim sendo, serão, tais normas, inválidas e, por conseqüência, en-contrar-se-ão fora da referida pirâmide; do referido sistema jurídico.

Tal texto normativo de máxima elevação hierárquica, que tem o condão de indicar o caminho que os demais textos legais de menor hierarquia devem seguir é, em verdade, a Constituição Federal.

Esta é quem determina a formação de nosso sistema jurídico positivo, albergando, pois, uma série de princípios e normas que, por nesta estarem esculpidos, ainda que de forma subjetiva, têm o quilate de regramentos constitucionais. Destarte, haverão de ser norteadores dos demais diplomas. Daí a afirmação que a Carta Magna se instala no píncaro hierárquico do sistema jurídico pátrio.

Tecemos as observações supra, justamente pelo fato de que o tema que doravante trataremos encontra seu nascedouro na Constituição Federal.

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Trata-se da Contribuição Social incidente sobre a Folha de Salário trazida pelo art. 195,I, a, da Constituição Federal. Vejamo-la:

(...)

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...)

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

(...)

  1. a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

(...)

Como se observa, o montante arrecadado do tributo em voga há de ser direcio-nado à Seguridade Social. Também colocado com hialina clareza no texto constitucional, no que pertine à Contribuição Social incidente sobre a Folha de Salário, o contribuinte é o empregador.

Ao efetuar o pagamento de salários e demais rendimentos advindos do labor de seus empregados, ainda que sem vínculo empregatício formal, deve, este, observar o montante dos valores deste jaez, posto que neste encontraremos a base de cálculo do mencionado tributo.

Encontramos, neste ponto, a grande divergência que entorna a questão. E, percebamos, a questão, no nosso entendimento, é bipolar. Reclama uma investigação semântica, bem como de essência jurídica: quais verbas são de caráter salarial, con-traprestacional? Quais têm caráter inde-nizatório? O questionamento mostra-se como um elemento essencial para o deslinde da questão, ante o fato de que somente sobre as primeiras haverá de incidir o tributo trazido ora à baila.

Estas e outras questões, que entendemos pertinentes ao tema, buscaremos dirimir no trabalho em tela.

2. A unicidade do direito

Há tempos vimos propagando a ilação de que o direito é um corpo único.1 Trata-se de um elemento incindível, de tal arte que não se vislumbra possibilidade de autonomia de quaisquer de seus segmentos.

Comparemo-lo ao corpo humano. Inegavelmente é um elemento único de sorte que não havemos, em princípio, de separá-lo. Excetuando mutilações de membros, não podemos extrair, deste, órgãos como rins, estômago, fígado, dentre outros, e pretender que, sem a devida substituição, o sujeito tenha sobrevida.

De igual feita, se retirarmos tais órgão do indivíduo estes não terão vida própria; não poderão sobreviver sem que façam parte de um todo denominado corpo humano.

Assim se apresenta do direito. Os segmentos jurídicos, os textos legais são imbricados. Desta forma, não podemos operá-lo sem admitir que uma única ocorrência no mundo fenomênico esparja seus efeitos pelas mais diversas áreas do direito. O que temos são divisões didáticas para que, com essas, se possa melhor estudar o direito.

À guisa de exemplo tenhamos em mente a aquisição de uma residência na área urbana de um determinado município. Ao efetivar a transação que resultara na compra do referido imóvel, certamente passáramos pelos institutos elementares do Direito Contratual, haja vista que, seja de forma expressa, verbal ou tácita, fora estabelecido um contrato de compra e venda.

Este, como sabemos, é um elemento de Direito Civil. Prossigamos. Concretiza-

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da a mencionada transação, adquire o comprador a propriedade, a posse e/ou domínio útil do imóvel.

Trata-se, também, de objetos jurídicos pertencentes ao Direito Civil. Ao buscar que se efetive a escrituração do referido imóvel, bem como para que se providencie os demais documentes inerentes a aquisição de um bem desta natureza, como sabemos, toda uma tramitação será observada no cartório competente para tanto.

Esta tramitação, entretanto, não se dá de forma aleatória. Há de se observar uma série de atos regrados em lei. Por outros contornos, significa dizer que há um ramo jurídico, uma gama de diplomas legais específicos regrando tais práticas. Falamos, neste interstício, do Direito Atuarial.

Por derradeiro, consoante se verifica no art. 32 do Código Tributário Nacional - CTN, ser proprietário, possuidor ou ter o domínio útil de bem imóvel situado no perímetro urbano de qualquer município, faz com que nasça a obrigação de arcar com o ônus tributário concernente ao Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU.

Notemos que um único evento ocorrido no mundo social (aquisição de um bem imóvel) provocara efeitos jurídicos em, pelo menos, três esferas distintas do direito positivo.

Daí, então, afirmarmos que o direito é, inexoravelmente, unívoco.

Essas considerações são de vitanda importância para o trabalho em voga. Como oportunamente repisamos, a contribuição em apreço incide sobre verbas constantes da folha de pagamento do empregador em face de seus empregados.

Também já destacado, há de se compreender como verbas incindíveis àquelas de caráter salarial. Desta feita, verbas que não tragam em seu bojo tal característica, que sejam de índole indenizatória não haverão de ser tributadas pela Contribuição Social incidente sobre a Folha de Salário.

Todavia, para que isso seja possível, necessário se faz trazermos à tona concei-tos de salário, elemento pertencente ao Direito do Trabalho, conceito de indeniza-ção, oriundo do Direito Civil, para que, após, possamos discutir sobre quais verbas podem, ou não, incidir a modalidade tributária em apreço.

Isso, notemos, confirma a assertiva de que o direito apresenta-se, infalivelmente, como um corpo único, de forma que uma única ocorrência propaga efeitos em diversos segmentos do mesmo.

3. O conflito legislativo

De se notar, a hipótese de incidência das contribuições sociais é ser empregador de trabalhadores sujeitos ao regime geral previdenciário. Repisemos que as bases de cálculo do tributo trazido à tona, como bem define a Constituição Federal, são a folha de salário, o faturamento e o lucro. Noutro dizer, o montante advindo do mesmo.

Nesse diapasão, noticiemos que na data de 27 de junho de 1997, fora reeditada a Medida Provisória n. 1.523/1997 que, num breve e apertado resumo, introduzira alterações na redação exordial do § 2o, do art. 22, da Lei n. 8.212/1991, resultando, pois, num evidente aumento da base de cálculo da denominada Contribuição Social incidente sobre a Folha de Salário.

Essa majoração adviera da novel exigência trazida pela Medida Provisória em debate, que passara a exigir pagamento de Contribuição Social incidente, agora, sobre verbas de índole indenizatória.

Com efeito, a partir de então, a folha de salário tornara-se quase que totalmente tributada pela contribuição social, já que serve de base de cálculo para tal tributo, de sorte que, considerando as modificações que a Lei 9.528/1997 trouxera, fora, apenas, excluído o aviso prévio indeniza-do do rol das verbas integrantes do salário de contribuição.

Mister se faz ressaltar que fora definido, também, de forma imperativa, como

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verbas isentas da incidência previdenciá-ria, as seguintes:

  1. os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário -maternidade;

  2. as ajudas de custo e o adicional mensal recebido pelo aeronauta;

  3. a parcela in natura recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo MTPS e nos termos da Lei 6.321/1976;

  4. as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional de 1/3, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);

  5. os 40% do FGTS, a indenização do art. 478 e 479 da CLT, FGTS e as verbas pagas a título de incentivo à demissão;

  6. a parcela recebida a título de vale transporte, na forma da legislação própria;

  7. a ajuda de custo, em parcela única, recebida exclusivamente em decorrência de mudança de local de trabalho do empregado, na forma do...

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