É constitucional a expansão normativa do controle social no Brasil?

AutorAndré Leonardo Copetti Santos
Cargorofessor do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado) da Uri de Santo Ângelo e do Mestrado em Desenvolvimento da UNIJUÍ
Páginas141-159
É CONSTITUCIONAL A EXPANSÃO NORMATIVA DO C ONTROLE SOCIAL NO BRASIL?
IS CONSTITUTIONAL THE NORMATIVE EXPANSION OF THE SOCIAL CONTROL IN BRAZIL?
André Leonardo Copetti Santos1
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo principal investigar algumas características
do fenômeno da expansão penal ocorrida após a p romulgação da Constituição Federal d e 1988,
particularmente, se houve no direito penal positivado na nova ordem constitucional uma projeção dos
bens previstos na nova Carta Política. Também podemos indicar como escopo do trabalho a p esquisa
acerca da eficácia e do grau de democraticidade deste conjunto legislativo penal pós-88, levando conta,
para isto, as possibilidades d e substituição das penas privativas de liberdade por penas alternativas e
alternativas penais à penas de segregação cominadas aos novos tipos penais surgidos no período ao qual o
trabalho se refere.
Palavras-chave: Neoconstitucionalismo Expansão Penal - Democracia
Abstract: This study aims at investigating some characteristics of the phenomenon of criminal
expansion occurred after the enactment of the 1988 Constitution, particularly if there was in criminal law
criminal positivised in the new constitutional order a projection of constitutional goods provided in the
new Charter Policy. We can also indicate how the scope of work the research about the effectiveness and
the degree of democraticity this criminal legislative assembly post-88, taking account, for this, the
possibilities of substitution of custodial sentences for alternative sentencing and alternatives to criminal
penalties of segregation comminated to new crimes arising in the period to which the work relates.
Key Words: Neoconstitutionality - Criminal Expansion Democracy
1 O Neoconstitucionalismo, a ampliação da complexidade constitucional e a expansão do controle
social penal
Há, contemporaneamente, ou pelo menos deveria haver, uma estreita relação entre a
complexidade axiológico-normativa dos textos constitucionais e infraconstitucionais. A existência de
mecanismos de controle de constitucionalidade e de tribunais constitucionais, nas estruturas normativas e
institucionais dos países que adotam o modelo constitucional democrático de regulação social e estatal, é
a possibilidade concreta de efetivação desta vinculação às Constituições dos de mais estr atos normativos
do ordenamento jurídico. Entretanto, na história do Estado moderno nem sempre foi assim, especialmente
porque o surgimento dos sistemas de controle d e constitucionalidade e das cortes constitucionais não foi
concomitante ao acontecimento do s textos constitucionais originários. Se pensarmos em ter mos do
constitucionalismo inglês tal vinculação é ainda menos palpável em função das peculiaridades estruturais
e funcionais de seu sistema político e jurídico, marcado pela flexibilidade dos documentos com status
constitucional.
Nos primórdios do constitucionalismo, em qualquer uma de suas três vertentes históricas, os
tribunais não podiam recusar a aplicação de leis infraconstitucionais com base na sua incompati bilidade
com a Constituição. O s textos constitucionais, constituídos por normas “imperfeitas”, eram i nsuscetíveis
de outra tutela que não fosse a efetuada pela própria Assembléia representativa, contra p ossíveis
agressões à Lei Fundamental que pudesse ser perpetrada pelo Poder Executivo.
Esse quadro de precariedade da soberania constitucional conduziu a uma situação histórica em
que a hegemonia epocal, no p lano constitucional, dos direitos de liberdade negativa, na fase
eminentemente liberal de estruturação do Estado moderno, ao priorizar pretensões jurídicas fundadas em
direitos subjetivos individuais, não garantiu a correlação hierár quica entre Constituição e estratos
normativos infraconstitucionais. Os conteúdos das legislações penais, por exemplo, deviam-se mais ao
resultado da atuação política das forças legislati vas, na modelação dos corpos normativos de hierarquia
inferior à Constituição, do que propriamente de uma projeção dos textos constitucionais ou da sua guarda
por instituições com tal competência.
Não foi diferente com o advento, no início do século passado, do Estado Social de Direito, com a
consequente consolidação de uma nova matriz constitucional, através da positivação de direitos sociais,
econômicos e culturais. Esta ampliação do âmbito das pretensões jurídicas dos cidadãos, a partir dos
1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado) da Uri de Santo Ângelo e do Mestrado em Desenvolvimento da
UNIJUÍ. Avaliador “ad hoc” do Ministério da Educação. Advogado Criminalista.
textos cons titucionais mexicano e alemão, não estabeleceu uma conexão direta, incontornável, entre os
projetos constitucionais sociais de Direito e a legislações e políticas sociais que era m executadas neste s
países. Estas deviam-se muito mais à atuação isolada do Poder Executivo do que propriamente do
desenvolvimento de uma cultura e de uma prática constitucional.
Essa situação de autono mia relacional ou d e não hierarquização entre Constituições e legislaç ões
infraconstitucionais começou a se modificar com a instituiç ão da jurisdição constitucional. No início do
século XIX, com a decisão do caso “Marbury vs. Madison”, em que o Tribunal Supremo dos Estados
Unidos reivindicou para si a atribuição d e aferir a conformidade constitucional do conteúdo e do modo de
formação das próprias leis do Congresso, surgiu a jurisdição constitucional, instituição que permaneceu,
inicialmente, restrita ao universo político-jurídico nacional norteamericano. O constitucionalismo, com
este evento, abria uma i mensidão de novas possibilidades de concretização dos textos constitucionais,
uma vez que se inaugurou, neste momento histórico, a fase de justiciabilidade das Constituições. Ou seja,
as Constituições, e logicamente sua guarda, a partir do caso “Marbury vs. Ma dison”, passaram a ser
objeto de deliberações jurisdicionais.
Este fenômeno, importado dos Estados Unidos, primeiramente pelo Brasil, na Carta de 1891, foi
levado para a Europa, mais especificamente para Portugal, em 1911, com a adoção lusitana do sistema da
judicial review pelos tribunais comuns. Na década de 20 d o século passado, a p artir da genialidade de
Hans kelsen, institui-se o chamado “sistema austríaco” de controle de constitucionalidade , cuja função de
guarda da Co nstituição foi atribuída a um tribunal com competência exclusiva para tal tarefa. A
generalização deste fenômeno pelo mundo iniciou -se a partir dos anos 70 . De três tribunais
constitucionais nesta década (o austríaco, o italiano e o alemão), além do específico caso do Conselho
Constitucional francês, hoje se observa a existência de aproximadamente três dezenas destas instituições.
Praticamente todas as Constituições elaboradas por decorrência dos processos de democratização dos
anos 70 na Europa do sul e nos anos 90 na Europa do leste instituíram a figura do tribunal constitucional,
normalmente segundo o modelo alemão, mas, por vezes, também ad otando o modelo misto, como o de
Portugal.
Também se expandiu este fenômeno para fora da Europa, ocorrendo similarmente na América
Latina, na África e na Ásia. Excluídos os países que sofreram a influência institucional política e jurídica
anglossaxônica, onde não existe j ustiça constitucional ou onde ela segue exclusivamente o modelo do
judicial r eview americano, a existência de tribunais constitucionais tornou-se uma característica marcante
do constitucionalismo contemporâneo.
Contemporaneamente, não há mais de se pensar o constitucionalismo se m a existência de
sistemas de controle de constitucionalidade, sendo este um traço definidor e fundamental do fenômeno
constitucional hodierno e um problema central das práticas e da ciência do direito constitucional. A
possibilidade de justiciabilidade da Constituição reforça enormemente, o que Konrad Hesse denominou
de “força normativa” dos textos constitucionais.
Em termos de sistemas positivos de direitos fundamentais, essa evolução do constitucionalismo,
em diferentes tipos de direitos com diferentes funções sociais e estatais, e, mais especificamente, da
jurisdição constitucional, levou, num primeiro momento o liberal-individualista - à secularização da
fórmula “a lei apenas no âmbito dos direitos funda mentais”, como a mais adequada solução a todos os
problemas que pudessem surgir das relações entre essa espécie de direitos constitucionalizados e os
estratos infraconstitucionais, especialmente se a sua utilização se dirigisse a solucionar controvérsias
legislativas, cujo ponto fulcral fosse os d ireitos individuais. Posteriormente, com o acontecimento do
Estado Social, através das Constituições econô micas e do trabalho e da positivação de direitos à cultura,
e, mais tarde, no período pós-Segunda Guerra, com a ocorrência de uma ampliação dos sistemas positivos
de direitos fundamentais, que passaram a abrigar novos tipos de direitos voltados à transformação social
pelo Direito2 e uma série de novíssimos direitos, que remontam ao final da década de 70 3.
2 Ver a respeito MORAIS, Jose Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o estado e o di reito na ordem
contemporânea. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 1996, e do mesmo autor conjuntamente com STRECK, Lenio Luiz. Ciência
Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
3 Esses novíssimos direitos podem ser agrupados em grupos tais como direitos culturais - entendidos tanto como direitos de acesso à
cultura, como direitos decorrentes de uma cultura -; direitos voltados para o reconhecimento de diferenças como elemento de
realização do princípio da igualdade; direitos ligados à vulnerabilidade e a descapacidades; direitos arraigados à determinadas faixas
da cadeia existencial humana; além de um elenco de novos d ireitos que caracterizam compromissos com gerações futuras, ocorreu
uma inquestionável maior complexificação do direito constitucional positivo. Ver a respeito SANTOS, André Leonardo Copetti. A
Constituição Multicultural. In: SANTOS, André Leonardo Copetti Santos; DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Diálogo e
Entendimento. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009.

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