O que constitui uma república?

AutorGabriel Rezende de Souza Pinto
CargoProfessor de Teoria do Estado e da Constituição no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)
Páginas1-23
1
DOI https://doi.org/10.5007/2177-7055.2021.e74680
Direito autoral e licença de uso: Este artigo está sob uma Licença Creative Commons.
Com essa licença, você pode compartilhar, adaptar, para qualquer fim, desde que atribua
a autoria da obra e forneça um link para a licença, e indicar se foram feitas alterações.
O que constitui uma República?
What constitutes a Republic?
Gabriel Rezen de de Souza Pinto
Instituto Brasiliense de Direito Público,
Brasília, Brasil
Resumo: O objetivo deste artig o é retornar ao acervo h istórico do constit ucionalismo
moderno par a pensar as relações ent re república, violência e emoç ão. O momento
revolucionário f rancês é retomado, a part ir de uma pesquisa teór ica de caráter
genealógico, por localiz ar no centro da vida republicana a necessidade de uma
economia afet iva, isto é, de uma organ ização das paixões. A hipótese aqui testad a
é a de que o destino d e toda república, enquanto p rojeto comum de superação das
relações típic as do Antigo Regi me, depende não apenas de d ireitos fundame ntais e
de limit ação de poderes, senão t ambém daquilo que os re volucionários conhecia m
como institucionali zação de afecções recíprocas.
Palavras-chave: República – Violência – Afetos.
Abstract: This ar ticle aims at retur ning to the histor ical archive of modern cons -
titutiona lism in order to reect on the rel ations between republic, violence a nd
emotions. The French revolutionar y moment is revisited, based on a theoretical
research of a genealogical nature, a s it locates at the center of republican l ife the
need for an aect ive economy. The hypothes is tested here is that the fat e of every
republic, under stood as the com mon project to overcome socia l relations typical
of the ancien régime, depends not on ly on fundamental r ights and limitation of
powers, but also on what the revolutionaries knew as the instit utional ization of
reciprocal aections.
Key words: Republic – Violence – A ects.
2 SEQÜÊNCI A (FLORIA NÓPOLIS), VOL. 42, N. 87, 2021
O QUE CONST ITUI UMA REP ÚBLICA?

“O que constitui uma república?” Na história do pensamento
político ocidental, há poucas perguntas mais semantica mente carrega-
das que esta. Muitos leitores (M, 1963 [1888]; G, 200 7;
T , 2011) insistiram sobre o fato de que o sintagma “res publica
fora não raro o objeto direto do verbo “constituere”. A República, para
os romanos, era aquilo para o qual era preciso retornar: dar a alguma
coisa sua forma primeira correspondia, como arma Frédéric Hurlet,
ao retorno a uma “inspiração orig inal” (2014, p. 16), ao desfazimento
dos efeitos de um tempo corrompido.
Ao refazer essa mesma pergunta, movimentamo-nos, certa-
mente, no interior dessa linhagem de pensamento. Os elementos que
compõem, no entanto, a indagação são em partes desconhecidos para
os antigos. Nosso propósito é avançar na compreensão da relação
entre o constitucionalismo moderno e a noção de “república”. Em
lugar de tentar oferecer uma visão global destes dois relata, quer-se,
neste artigo, percorrer as possibilidades abertas por uma perspectiva
historicamente localizada.
Anal, a oração “o que constitui uma república?” pos sui também
várias histórias modernas. Podemos imaginá-la como uma pergunta
endereçada ao revolucionário Louis Antoine de Saint-Just, que res-
ponderia, a seu tur no: “O que constitui uma República é a destr uição
total daquilo que a ela se opõe” (S - J, 1988, p. 117-18). Ao
problema republicano soma-se, agora, um outro. A República não
é somente a identidade conceitual entre “fundar” e “retornar”, ela é
também uma economia da violência. “Constituir” e “constituição”
se ligariam a um índice de destruição da oposição.
Aos constitucionalistas treinados no acervo teórico desenvolvi-
do na segunda metade do séc. XX, a ideia de que a República possa
envolver a ligação entre constituição e violência soará suspeita. Eles
se acostumaram a pensar que o contrário seria verdadeiro, isto é, a

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT