Constituição Federal de 1988

AutorJorge Miranda Ribeiro
Páginas63-126

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4. 1 Competências na Constituição

É na Constituição que as competências da União, Estados, Distrito federal e Municípios são distribuídas ou repartidas. Classificam-se em privativa (arts. 21 e 22), comum (art. 23), concorrente (art. 24) e residual (art. 25, § 1º). Observa o constitucionalista de deputado federal Michel temer: "o constituinte, ao instituir a federação, reparte competências entre a União e os Estados. Mas as competências são (em plano eminentemente jurídico) dos Estados, que abrem mão de uma parcela para atribuí-la à pessoa oriunda de sua união. O Constituinte expressa, na verdade, a vontade dos Estados contratantes. São estes que partilham as competências no momento constituinte da federação (no nosso sistema a partilha de competências é feita entre a União, Estados, Municípios e Distrito federal, porque o constituinte os criou como ordens jurídicas autônomas)".34

Enumerar todas as competências da União inseridas nos arts. 21 e 22 não será necessário. Apenas aquelas circunscritas ao tema da monografia que serve de plataforma à 1a parte deste livro:

Art. 21. Compete à União...

XVII - conceder anistia;

XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

II - desapropriação;

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo. Grifou-se.

Na parte final do parágrafo único do art. 22 há previsão constitucional de a União autorizar aos Estados, mediante lei complementar, legislar a respeito de

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questões específicas. Os Municípios não estão sujeitos ao mesmo privilégio da Carta, tão-somente os Estados e Distrito federal.

Na enumeração de ramos do direito a que a União está autorizada a legislar com exclusividade ou privativamente, não se encontra o direito tributário. O legislador constituinte originário de 1988, seguindo caminho semelhante ao trilhado em constituições anteriores, não inseriu naqueles blocos as competências de natureza tributária.

Repartição de competências e terminologias emanadas do Poder Constituinte Originário na Constituição tem sido causa de muitos debates na doutrina constitucional e tributária. O dissenso tem raízes na mistura feita no uso das expressões privativa, concorrente... em outros dispositivos da Constituição. De um lado estão doutrinadores de escol como José Afonso da Silva35distinguindo competência exclusiva da União (art. 21), indelegável, da competência privativa (art. 22 e parágrafo único) delegável. A competência do art. 22 tem sido assim chancelada porque passível de autorização ou delegação por lei complementar aos Estados-membros e Distrito federal, na forma do parágrafo único. De outro, por exclusão, segmento da doutrina queda-se às competências do art. 21 como exclusivas, portanto, não suscetíveis de delegação, ante a ausência de permissivo legal.

Fernanda de Almeida não se filia a essa corrente e considera inapropriadas as separações de José Afonso da Silva baseando-se nos léxicos de Caldas Aulete e De Plácido e Silva em que as expressões privativa e exclusiva são sinônimas. Divergências à parte, não entraremos na controvérsia.

Faltando o ramo do direito tributário no rol de competências dos arts. 21 (exclusiva) e 22 (privativa) restaria buscar nas demais tipologias competencionais (concorrente, comum e residual) em qual delas o Poder Constituinte Originário instalara as competências tributárias, considerando serem fontes indissociáveis de captação de receitas a abastecer o caixa do tesouro dos entes federados - União, Estados, Distrito federal e Municípios. A competência comum estatuída no art. 23 da Carta e relacionada com esses partícipes da federação, não será objeto de considerações porque não interferir no estudo ora empreendido.

Alçando o art. 24 da Carta Política encontram-se disciplinas reguladoras da repartição de competências tributárias, fazendo logo no inciso I a enumeração dos ramos do direito atingidos, à semelhança dos arts. 21 e 22:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; Grifou-se.

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§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Atenção deve ser canalizada ao positivado no § 1º do art. 23. A Constituição deixa insofismável que em se tratando da esfera de competência concorrente para legislar sobre as matérias nele especificadas, a União limitar-se-á em expedir normas gerais. Contrário senso, qualquer avanço sobre matéria específica dos demais entes federados (Estados, Distrito federal e Municípios), fora, portanto, do alcance das normas gerais, representará grave invasão do interesse federal na esfera alheia (grifou-se). Grande problema a ser enfrentado é estabelecer o conceito de normas gerais e onde se encontra a fronteira entre as normas gerais e as consideradas específicas.

Jurisconsultos pesquisados demonstram consenso quanto às dificuldades para precisar as denominadas "normas gerais", separando-as das especiais. Obra assinada por fernanda Dias de Almeida36mereceu tratamento circunstanciado, trazendo à lume a posição de incontáveis constitucionalistas a respeito da complexidade a envolver o conceito. Assinala a própria autora a ponderação de Diogo de figueiredo Moreira Neto: "Não é desarrazoado o objetivo de uniformizar o essencial sem cercear o acidental, peculiar das unidades federadas, mostrando que essa atividade homogeneizadora se justifica à medida que a excessiva diversificação normativa prejudique o conjunto do país, daí ter sido adota em inúmero Estados federativos. O grande problema que se coloca, a propósito, é o da formulação de um conceito de normas gerais que permita reconhecê-las, na prática com razoável segurança, já que a separa entre normas gerais e normas que não tenham esse caráter é fundamental. Arremata, com autoridade, a mesma restrição que anteriormente fizemos quanto ao alcance da "norma geral": ... consequência de que a invasão do espaço legislativo de um centro de poder por outro gera a inconstitucionalidade da lei editada pelo invasor. Esta parte final soa como axioma. Consoante leciona Daniel Costa Rodrigues: (Segurança Constitucional tributária, No Sistema Positivo Brasileiro, Editora de Direito, Leme (SP), 1997, p. 40), "axioma" em linguagem dos dicionaristas, significa um princípio evidente, que não precisa ser demonstrado. A verdade nele contida deve ser admitida sem demonstração, caso contrário, será teorema. Grifou-se.

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4. 2 Dicotomia dos Tributos em "Vinculados" e "Não Vinculados"

A Constituição abriga no título VI - Da tributação e do Orçamento, o Capítulo I - Do Sistema tributário Nacional, quais tributos podem ser instituídos pelas quatro pessoas políticas (União, Estados, Distrito federal e Municípios) quando falamos de impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Leciona Daniel Costa Rodrigues37que os tributos podem ser divididos, segundo o aspecto material da hipótese de incidência, em vinculados e os não vinculados, oferecendo toda a segurança que o sistema deseja: "São tributos vinculados aqueles cuja hipótese de incidência consiste na descrição de um fato qualquer que não seja atuação estatal. Isto é, a lei põe, como aspecto material da hipótese de incidência, um fato qualquer não consistente em atividade estatal. Portanto, as espécies tributárias são taxas e contribuições (tributos vinculados) e impostos (tributos não vinculados)".

Tributo não vinculado "é aquele que, uma vez instituído por lei, é devido e independe de qualquer atividade estatal em relação ao contribuinte", é o magistério de Láudio Camargo fabretti38. Doutrina de Geraldo Ataliba,39constitucionalista e tributarista a dispensar qualquer outro adjetivo para reconhecer o quanto foi importante no ensino do direito brasileiro e internacional, trata o imposto como tributo não vinculado: "Define-se, assim, o imposto como tributo não vinculado, ou seja, tributo cuja hipótese de incidência consiste na conceituação legal dum fato qualquer que não se constitua numa atuação estatal (art. 16 do CTN); um fato da esfera jurídica do contribuinte".

Referência ao critério de exclusão para reconhecimento do imposto, concluiu o mestre Ataliba: "Não se terá imposto quando a exigência formulada pela lei revestir a figura de exação vinculada; ou seja: quando a hipótese de incidência consistir numa atuação estatal, atual ou potencial, referida ao obrigado (Cf, arts. 145, II, III, e 149)". Em linha de...

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