A construção do direito à cidade entre o interesse público e o interesse dos agentes do mercado imobiliário: um estudo de caso a partir do plano local de gestão de barão Geraldo, em Campinas / The construction of the right to the city between public...

AutorJosué Mastrodi, Gabriela Martins Isaac
CargoDoutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. E-mail: mastrodi@puc-campinas.edu.br - Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Bolsista da FAPIC (PUC-Campinas), membro do grupo de pesquisa Direito e Realidade Social da PUC- ...
Páginas729-748
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.21772
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721 pp.729-748 729
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Neste artigo temos por objetivo discutir a problemática relação entre os interesses privados e o
interesse público na produção do espaço urbano, identificando certa fragilidade da Administração
Pública em relação à construção do direito à cidade, em que os agentes públicos, ao promoverem
o planejamento urbano, acabam visando mais aos interesses do mercado imobiliário que ao
interesse público. Embora, segundo a normativa constitucional, este devesse ser priorizado pelo
Administrador, a lógica de mercado se apresenta mais determinante que qualquer dever de
promoção de direitos fundamentais ou de planejar a cidade como um local de convívio. Este
problema é discutido a partir de um estudo de caso ocorrido na cidade de Campinas, SP, em que se
descreve a tentativa bem-sucedida de transformação, por lei municipal, de área rural em área
urbana sem qualquer verificação prévia, pela Administração Pública, de sua viabilidade, e a luta das
instituições públicas para evitarem a utilização do novo espaço urbano segundo o interesse
privado.
-Direito à Cidade, Direito Urbanístico, Planejamento Urbano, Interesse Público,
Captura do Administrador pelo Mercado.
In this paper we aim to discuss on the problematic relation between private and public interests in
the production of urban space, identifying certain fragility of Public Administration in the building
of the right to the city, in which the public agents, when promoting public planning, eventually
comply with real estate interests in a proportion greater than the public interests at stake.
However, although according to constitutional rules public interest should be prioritized by
Administrator, market rules are presented as more determinant than any duty to either promote
fundamental rights or plan the city as a local of common living. This problem is discussed from a
case study occurred in the city of Campinas, SP, Brazil, in which there is a succeeded attempt to
transform, by city law, a private rural area in urban area without any previous study by Public
Administration, as well as the struggle of public institutions to avoid the use of the new urban area
exclusively as stated by private interests.
: Right to the city, Urban Law, Urban Planning, Public Interest, Administration captured by
market.
1 Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas. E-mail: mastrodi@puc-campinas.edu.br
2 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Bolsista da FAPIC (PUC-
Campinas), membro do grupo de pesquisa Direito e Realidade Social da PUC- Campinas. E-mail:
gabi.mgii@hotmail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2016.21772
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Revista de Direito da Cidade, vol. 08, nº 2. ISSN 2317-7721 pp.729-748 730
Este artigo possui dois objetivos. O primeiro é apresentar estudo de um caso prático
envolvendo a Fazenda Santa Paula, localizada no município de Campinas, SP, cuja gleba foi em
grande parte transformada em área urbana pelo Poder Público sem qualquer concretização de
vontade popular ou democrática, e mesmo após a lei de transformação dessa área ter sido
declarada inconstitucional, a área foi mantida, à revelia do dever de planejamento urbano e
respeito ao direito à cidade por parte da A dministração Pública.
A partir daí, buscamos atingir o segundo objet ivo, qual seja, a partir da análise do problema
prático, construir um conceito de direito à cidade na perspectiva da necessidade de planejamento
urbano voltado ao interesse público, portanto tornar explícita a concepção de que o espaço
público deve ser organizado para garantir a satisfação dos interesses da totalidade de seus
cidadãos, motivo pelo qual o Estado deve dispor de ferramentas propulsoras da conformação do
espaço, quais sejam, as formas de intervenção administrativa nos espaços privados da cidade, de
forma a adequá-los à vocação do território. Enfim, espera-se explicitar o dever da Administração
Pública de exigir o cumprimento da função social da propriedade, função que é estabelecida
segundo as normas de direito urbanístico.
É preciso ressaltar que o direito à cidade é entendido como um Direito Humano que ainda
não está consolidado de modo claro sequer nos tratados internacionais. O direito à cidade se
refere a um conjunto de direitos sociais, estes compreendidos como direitos fundamentais, e que
devem se coordenar no sentido de que todo cidadão tenha direito a viver e a conviver no espaço
urbano. Ademais, o direito à cidade é um direito ainda difuso, mas que se contrapõe,
necessariamente, ao dever do Estado de planejar, administrar e organizar a cidade como um
espaço democrático ao qual todos tenham ac esso e usufruto. Conforme David Harvey (2013),
Saber que tipo de cidade queremos é uma questão que não pode ser
dissociada de saber que tipo de vínculos sociais, relacionamentos com a
natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos nós desejamos. O
direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos
recursos urbanos: é um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade.
Além disso, é um direito coletivo, e não individual, já que essa transformação
depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de
urbanização. A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós
mesmos, é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e, ao
mesmo tempo, mais negligenciados (HARVEY, 2013, s/p).
No caso da Fazenda Santa Paula, trata-se de espaço exc lusivamente privado, que precisa se
submeter a processo administrativo de loteamento para ser aproveitado economicamente. Não há

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