A construção normativo-institucional do Sistema Interamericano de Direitos Humanos

AutorMarcelo D. Varella/Nitish Monebhurrun/André Pires Gontijo
Páginas107-146
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Capítulo 3
A construção normativo-institucional do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) contribui
de forma efetiva para a expansão da proteção dos direitos humanos na
América Latina. O SIDH foi construído à luz da lógica tradicional de
solução pacífica de conflitos, mas sobretudo após os anos 90, adotou
posição ativista que contribuiu para otimizar seu impacto na América
Latina. As posições ousadas de determinados juízes gerou críticas em
relação à independência do sistema, com consequente enfraquecimento,
sobretudo nos últimos anos.
O SIDH foi criado em 1948211, no âmbito da Organização dos
Estados Americanos. Contudo, é apenas em 1979 que passa a existir uma
Corte, com a entrada em vigor do Pacto de San José da Costa Rica. Começa
a ter número representativo de Estados apenas a partir do final dos anos
90, com a redemocratização de diferentes Estados latino-americanos e a
sua adesão à Corte, com a notável ausência dos Estados Unidos da América
e do Canadá212. O Sistema é composto pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (ComIDH) e pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH), inspirado na lógica anterior do Sistema Europeu de
Direitos Humanos213.
211 O Sistema Interamericano de Direitos Humanos foi criado com a Declaração Americana
de Direitos e Deveres do Homem, de Bogotá, de 1948.
212 Argentina, Barbados, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica,
República Dominicana, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras,
Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Suriname, Trinidad e Tobago,
Uruguai e Venezuela.
213 GOLDMAN R.K., “History and Action: the Inter-American Human Rights System and
the Role of the Inter-American Commission on Human Rights”, Human Rights Quarterly,
vol.31, 2009, pp.856-887; SHAVER L. “The Inter-American Human R ights System: An
Effective Institution for Region al Rights Protection?”, Washington University Global
Studies Law Review, vol.9, 2010, pp.639-675.
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Após 1990, o SIDH adota uma posição ativista para consolidar sua
jurisprudência. Diferentes estratégias são adotadas: o uso de conceitos
novos, mais ousados, como bloco de constitucionalidade, coisa julgada
internacional, coisa interpretada internacional, a consideração de sua
jurisprudência como jus cogens, a obrigatoriedade de sua jurisdição aos
Estados membros, a autoaplicabilidade de suas decisões, entre outros. A
obviedade dos temas tratados e o estado arcaico da proteção dos direitos
humanos pelas instituições públicas latino-americanas contribuem para o
seu ganho rápido de efetividade, como no tocante aos temas de proibição
da tortura, do genocídio, do desaparecimento forçado, a igualdade entre
homens e mulheres.
No entanto, o excesso de ousadia do SIDH levou a críticas sobre
sua legitimidade e independência; foi acusado de ser guiado por duas ou
três organizações não governamentais que monopolizam os processos, ter
influência de outros Estados europeus que financiam o julgamento de
determinados temas do seu interesse e de não apreciar de forma
homogênea todos os casos que são propostos ao sistema. Como
consequência, alguns Estados denunciaram o Pacto de San José da Costa
Rica, outros retiraram seus diplomatas, cortaram recursos ou envidaram
esforços para que os juízes ou comissários escolhidos fossem menos
ousados nas posições assumidas.
1. Estrutura e processo do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos
Duas instituições principais compõem o SIDH: a Comissão IDH e
a Corte IDH. A primeira tem sede em Washington, DC, nos Estados
Unidos da América. A Corte IDH, em San José, na Costa Rica. Todos os
procedimentos contra os Estados são iniciados perante a Comissão IDH,
nos Estados Unidos. Caso os processos sejam considerados interessantes,
com indícios concretos de graves violações aos direitos humanos, e não
haja acordo com os Estados envolvidos, os mesmos são encaminhados à
Corte IDH para julgamento.
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1.1. Comissão Interamericana de Direitos Humanos
A Comissão Interamericana é mais antiga que a Corte, tendo sido
criada em 1959, com intuito de promover a observância e a proteção dos
direitos humanos na América. Desde a sua criação tem como objetivos
principais analisar as petições individuais sobre violações de direitos
humanos, monitorar a situação dos direitos humanos nos Estados Membros
e elaborar estudos e ações sobre temas considerados estratégicos.
A Comissão IDH é composta por sete comissários, com mandato
de quatro anos, renovável por uma única vez. Os comissários não podem
ter funções nos seus países de origem que comprometam sua
independência. Reúne-se, no mínimo, duas vezes por ano.
A competência da Comissão Interamericana abarca todos os
Estados parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969
(também conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica” ou
“CADH”)214, relativas aos direitos nela consagrados; bem como sua
competência também alcança os Estados membros da Organização dos
Estados Americanos, em relação aos direitos consagrados na Declaração
Americana de Direitos Humanos, de 1948. A CADH ampliou e
regulamentou o escopo de atuação da Comissão, que começou a funcionar
também como órgão de acesso à instância judicial do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), a Corte Interamericana de
Direitos Humanos.
Para tanto, cabe à Comissão IDH emitir recomendações aos
governos dos Estados-parte com intuito de prover as medidas adequadas à
proteção dos direitos consagrados nos instrumentos regionais. Tais
recomendações apontam, em geral, medidas de reparação integral às
vítimas e seus familiares, abarcando medidas de restituição, satisfação,
214 A CADH entrou em vigor internacional apenas em 1978 e foi ratificado pelo Brasil em
1992. Em seu texto, estão exaustivamente contemplados os direitos civis e políticos. Há,
no entanto, menção apenas indireta ao compromisso progressivo de implementar os
direitos econômicos, sociais e culturais (DESC), sem d etalhá-los ou mesmo enumerá-los.
Em 1988, foi adotado protocolo adicional à CADH (Protocolo de São Salvador), com
vistas a preencher essa lacuna. O Protocolo foi ratificado pelo Brasil em 1996 e entrou em
vigor internacional apenas em 1999.

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