O controle de convencionalidade para garantir os direitos protegidos pelo Sistema Interamericano

AutorMarcelo D. Varella/Nitish Monebhurrun/André Pires Gontijo
Páginas147-209
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Capítulo 4
O controle de convencionalidade para garantir os direitos
protegidos pelo Sistema Interamericano
A Corte IDH defende que sua interpretação criativa dos tratados de
direitos humanos formam um bloco de convencionalidade, que deve ser
respeitado por todos os Estados, partes ou não nos litígios em que tais
interpretações foram desenvolvidas. Como de praxe, no direito
internacional, qualquer norma ou interpretação interna distinta do seu
entendimento é considerado violação do direito internacional. Outra
diferença é que a Corte IDH, por meio da ideia de controle de
convencionalidade, defende que os juízes nacionais apliquem diretamente
as suas interpretações, ainda que contra a Constituição ou a posição das
supremas cortes domésticas.
A disposição constitucional interna não se revela como o único
ponto de referência para hospedar princípios e valores atinentes aos
direitos fundamentais e aos direitos humanos com perfil de dignidade
humana290. A ordem jurídica internacional apresenta-se cada vez mais
ampla, exigente e expressiva, no que tange ao direito internacional dos
direitos humanos, amoldando-se em um catálogo dinâmico e expansivo,
denominado de Estatuto Contemporâneo do Ser Humano. Este catálogo de
direitos e obrigações apresenta-se em uma crescente dimensão oriunda da
ordem internacional e é incorporado ao âmbito dos Estados por meio do
costume internacional ou mediante a interpretação das disposições
290 Sob a ótica constitucional, este perfil de dignidade humana dos Direitos Humanos é
conhecido como conceito de dignidade constitucional, contido nas constituições dos
Estados, em que determinados conteúdos são considerados mais essenciais que outros
previstos na Constituição (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003). Em comparação com o Sistema
Interamericano, o Sistema Europeu, que já realiza esta distinção, estabelecendo hierarquia
superior a determinados direitos contidos na Convenção Europeia.
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convencionais pela jurisprudência da Corte IDH291.
O capítulo analisará a interpretação das disposições convencionais
denominada de controle de convencionalidade. Buscará determinar seu
sentido e alcance, bem como apresentará as distinções existentes entre o
controle de convencionalidade concentrado exercido pela Corte IDH e o
controle difuso de convencionalidade que devem exercer os juízes
nacionais.
O controle de convencionalidade é resultado da evolução da
jurisprudência elaborada pela Corte IDH. Inicialmente predisposta a
desempenhar um controle subsidiário em relação às jurisdições nacionais
apresenta-se como jurisdição disposta a exercer o controle de
convencionalidade de forma concentrada, adotando critérios repressivos e
análises abstratas para o desempenho da fiscalização da Convenção
Americana.
Por essa razão, o foco é demonstrar a adaptação da Corte IDH para
desenvolver o controle de convencionalidade, mediante os casos por ela
apreciados. Há a transformação do controle subsidiário em controle
abstrato de convencionalidade.
Assim, este desenvolvimento aparece atrelado ao papel do
magistrado nacional no desenvolvimento do controle de
convencionalidade em sede de jurisdição nacional. O enfoque de análise
será demonstrado a partir de sua importância para a construção do
parâmetro interpretativo vinculado à Convenção Americana.
É importante ressaltar que a Convenção Americana constitui parte
integrante do direito nacional, de tal maneira que se faz necessária a
existência de uma ordem jurídica interna direcionada a tornar possível o
cumprimento desta obrigação. O controle de convencionalidade busca
criar elementos para que esta estrutura estatal tenha vontade e compreenda
a sua finalidade de assegurar o livre e pleno exercício dos direitos
humanos.
291 GARCÍA RAMÍREZ, Sergio. Prólogo sobre El Control de Convencionalidad y La
Recepción Interna Del Orden Internacional de Los Derechos Humanos. In: REY
CANTOR, Ernesto . Control de Convencionalidad de Las Leyes y Derecho s Humanos.
México: Editorial Porrúa, 2008, p. XVIII-XIX.
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1. Apontamentos sobre o controle de convencionalidade
A Convenção Americana constitui parte integrante do direito
nacional. Em determinados Estados a Convenção é tratada como norma
constitucional. Países como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica,
Guatemala, Peru e México292, por exemplo, consideram que os direitos
humanos e aí está incluída a Convenção Americana têm prevalência
sobre as normas constitucionais domésticas293.
Por outro lado, na maioria dos Estados, a Convenção é tida como
norma supralegal e infraconstitucional.
A expressão controle de convencionalidade nasceu na França, a
partir da Decisão n. 74-54 DC, de 15/01/1975, do Conselho Constitucional
francês294. No entanto, foi no SIDH, em especial, com a Corte IDH, e não
292 Para Héctor Fix-Zamudio, trata-se de uma tendência de certos países da América Latina
em reconhecer a superioridade das normas convencionais sobre as normas de direito
interno, ainda que de maneira cautelosa e parcial, em matéria de Direitos Humanos (FIX -
ZAMUDIO, Héctor. El derecho internacional de los Derechos Humanos en las
Constituciones latinoamericanas y en la Corte Interamericana de Derechos Humanos.
Boletín Mexicano de Derecho Comparado, a. XXV, n. 75, set./dez. 1992, p. 749-784).
293 A esse respeito, conferir as opiniões de ARMIJO, Gilbert. La tutela supraconstitucional
de los Derechos Humanos en Costa Rica. Ius et Praxis, Talca, c. 9, n. 1, p. 39 -62, 2003.
Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-
00122003000100005&lng=es&nrm=iso >. Acesso em: 09 n oc. 2015; ORTIZ AHLF,
Loretta. Integración de las normas internacionales de Derechos Humanos en los
ordenamientos estatales de los países de Iberoamérica. Anuario Mexicano de Derecho
Internacional, c. III, 2003, p. 285-299 e AÑAÑOS BEDRIÑANA, Karen G. Régimen
constitucional de los tratados de Derechos Humanos en el derecho co mparado
latinomericano. Prolegómenos. Derechos y valores, Bogotá, c. XVIII, n. 35, jan./jul. 2015,
p. 135-151.
294 De acordo com a análise de referido julgado, realizada por Valério de Oliveira
Mazzuoli, “indagava-se se a recém criada lei relativa à interrupção voluntária da gestação
estaria em contradição com a C onstituição, uma vez que violaria a garantia do direito à
vida prevista na Convenção Europeia de Direitos Humanos, ratificada pela França. A
inconstitucionalidade não foi declarada e a lei, ao final, foi editada. O Conselho
Constitucional também descartou o argumento de q ue seria competente para a análise
prévia da convencionalidade pelo silogismo de que toda lei que viola um tratado também
viola a Constituição, uma vez que a própria Constituição francesa, no art. 55, prevê a
superioridade dos tratados em relação às leis. Não obstante as críticas que poderiam ser
formuladas à citada decisão do Conselho Constitucional francês, o certo é que, para os fins
que interessam ao nosso estudo, ali se reconheceu que uma lei interna tem de passar por
dois crivos de compatibilidade para que seja válida e, em última análise, eficaz: (1) a
Constituição e (2) os tratados Internacionais em vigor no país (MAZZUO LI, Valerio de
Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 2. ed. rec., atual. e ampl.

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