Direito e consumo ético: uma comparação entre a análise econômica das normas sociais e a teoria do comportamento planejado

AutorLeandro Martins Zanitelli
CargoDoutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com estágio de pós-doutorado na Universidade de Hamburgo, Alemanha. Professor Titular do Centro Universitário Ritter dos Reis
Páginas27-61
Direito e consumo ético: uma comparação
entre a análise econômica das normas
sociais e a teoria do comportamento
planejado
Leandro Martins Zanitelli*
1. Introdução
Qual é a importância da ética no supermercado? Em um estudo reali-
zado há alguns anos com consumidores de cinco países, Alemanha, Espa-
nha, Estados Unidos, França e Reino Unido, aproximadamente um terço
dos entrevistados mostrava-se disposto a pagar entre 5 e 10% a mais por
produtos éticos, entendendo-se como tais os de companhias cuja atividade
obedeça a certos padrões de moralidade ou “responsabilidade social”1. No
Reino Unido, a última edição do Relatório do Consumo Ético preparado
pelo Co-operative Bank (2009) informa que o montante de recursos des-
pendidos com o consumo de produtos e serviços “éticos” quase triplicou
em dez anos (1999-2008), tendo chegado a 36 bilhões de libras esterlinas
em 20082.
No Brasil, o consumo ético, embora mais tímido, parece ter potencial
para expansão. Em pesquisa feita recentemente pela Market Analysis Brasil
e publicada pelos Institutos Akatu para o Consumo Consciente e Ethos
* Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com estágio de pós-doutorado
na Universidade de Hamburgo, Aleman ha. Professor Titular do Centro Universitário Ritter dos Reis (Uni-
Ritter). O autor agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e ao
UniRitter pelo fomento à pesquisa feita para a confecção deste artigo. E-mail: leandrozanitelli @gmail.com.
1 O estudo, realizado pelo grupo Gfk NOP, ouvi u cinco mil co nsumidores na Alemanha, Espanha,
Estados Unidos, França e Reino Unido (Ft.c om, 2007).
2 The Co-operative Bank, 2009.
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de Empresas e Responsabilidade Social (2007), a maioria dos consumi-
dores ouvidos af‌irmava esperar que grandes empresas tratem seus empre-
gados de maneira justa (83%), evitem comercializar produtos danosos ao
meio ambiente (74%) e colaborem para a solução de problemas sociais
(65%), a redução da diferença entre ricos e pobres (63%) e a diminuição
do número de violações aos direitos humanos em todo o mundo (61%).
Na mesma enquete, entretanto, apenas12% dos entrevistados relatavam
haver premiado empresas socialmente responsáveis no ano anterior com
compras ou, ao menos, elogios (contra 74% que não pensaram em fazê-lo
e 12% que pensaram, mas não o f‌izeram), enquanto 14% diziam ter puni-
do empresas pela razão oposta, mediante boicote ou propaganda negativa
(contra 70% que não pensaram em fazê-lo e 13% que pensaram, mas não
o f‌izeram).
Uma intervenção estatal para a promoção do consumo ético3 pode tan-
to se fazer por meio de sanções ou incentivos, isto é, de medidas graças às
quais a decisão de consumir eticamente se torne mais atraente em razão de
suas consequências para o bem-estar dos consumidores (por exemplo, com
a cominação de sanções para decisões não éticas ou de “sanções premiais”
ou incentivos para decisões éticas4), quanto por estratégias cujo sucesso
dependa já não da aplicação de sanções, mas de um “livre convencimento”
dos consumidores a pautar suas escolhas também por critérios éticos (em
contraposição a puramente hedonistas).
Uma vez que o caminho escolhido seja o segundo5, mostra-se impor-
tante entender o que leva os indivíduos a seguir normas sociais, tendo
em vista que uma maneira pela qual decisões de consumo ético podem se
popularizar sem a ajuda de meios de coerção legal é pela difusão dessas
normas. Uma norma social que condene a compra de produtos com emba-
3 O artigo não se ocupará com oferecer uma def‌inição precisa do que seja consumo ético, bastando aqui
que se considere como tal aquele inspirado por razões não ligadas ao bem-estar do agente mesmo ou de
pessoas que lhe sejam próx imas, mas que, ao contrário, tenha em vista o interesse ger al (por exemplo,
na preservaçã o do meio ambient e) ou de um gr upo estranho ao a gente (por exemplo, trabalhadores ou
cidadãos de país es subdesenvolvidos).
4 Como é o caso da Lei n. º 5.502/2009 do Est ado de Rio de Ja neiro, que obriga su permercados a ofe-
recer abatimento de preço a consumidores que não usem sacolas plásticas .
5 As duas estratégias m encionadas no parágrafo anterior não são, naturalmente, excludentes, de tal
maneira q ue o Estado pode ao mesmo tempo benef‌iciar o consumo ético com medidas sancionadoras
e não sancionadoras. Emb ora o presente estudo tenha em vista primordialmente essas últimas, não há
aqui a pre tensão de defender a sua superio ridade, por razões de ordem seja moral ou de c onveniência,
em relação às pri meiras.
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Direito e consumo ético: uma comparação entre a análise econômica
das normas sociais e a teoria do comportamento planejado
lagens de plástico, por exemplo, pode ter tanto ou mais sucesso na preven-
ção do consumo desses produtos do que uma lei que vede ou desestimule
a sua comercialização. O presente trabalho é em parte dedicado, pois, a
algumas hipóteses sobre o desenvolvimento de normas sociais expostas
recentemente em estudos ligados à análise econômica do Direito.
A expansão do consumo ético também pode ser favorecida pela com-
preensão dos fatores determinantes das decisões dos consumidores. Uma
ideia acurada sobre como os consumidores decidem – e, em particular,
sobre o que os leva a decidir por produtos éticos – talvez permita antever
os resultados de ações governamentais, inclusive daquelas dispostas a pro-
mover certas formas de consumo sem o auxílio de sanções ou de qualquer
incentivo a decisões autointeressadas. Muitos trabalhos em Psicologia So-
cial realizados nas últimas décadas têm-se destinado a testar e aprimorar as
hipóteses da teoria do comportamento planejado6 sobre as condicionantes
da intenção e do comportamento, incluindo-se aí o comportamento de
consumidores. O artigo também se propõe, por isso, a apresentar uma
síntese dos resultados dessa teoria.
A análise econômica das normas sociais e a teoria do comportamento
planejado oferecem explicações distintas para decisões éticas de consumi-
dores não inf‌luenciadas por sanções legais, provendo, assim, cada uma,
recomendações próprias para intervenções governamentais que almejem
a proliferação dessas decisões. Além de expor os respectivos pontos de
vista, o artigo se dedica, ainda, a compará-los, chamando a atenção para
seus diferentes pressupostos metodológicos, potencial complementarida-
de e limites.
O trabalho é organizado da seguinte maneira. A primeira parte trata da
análise econômica das normas sociais. Após um breve cotejo entre essa análise
e a análise econômica do Direito em seus moldes tradicionais, examinam-se
os modelos de normas sociais propostos por Posner e McAdams. A segunda
parte se ocupa da teoria do comportamento planejado, que é primeiramente
apresentada na versão originalmente elaborada por Ajzen7 e, em seguida,
acrescentada dos aprimoramentos referentes aos fatores determinantes da
intenção comportamental e às eventuais discrepâncias entre intenção e com-
portamento. O texto encerra com o cotejamento das duas abordagens.
6 AJZEN, 2005.
7 AJZEN, 2005.
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