O contemporâneo direito das pessoas idosas
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O CONTEMPORÂNEO
DIREITO DAS PESSOAS IDOSAS
1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS SOBRE A PESSOA IDOSA: CRITÉRIOS
CRONOLÓGICO, LEGAL, BIOLÓGICO, SOCIAL E ECONÔMICOFINANCEIRO
Na conceituação da pessoa idosa, o Estatuto da Pessoa Idosa (EPI) se utiliza do
critério cronológico. E, este critério cronológico é também legal, pois xado pelo próprio
Estatuto. Isso ca bem claro quando se lê seu artigo inaugural, cujo texto enuncia que
sua nalidade é a de “regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou
superior a 60 (sessenta) anos” (art. 1º, EPI).
Nos termos da lei, portanto, basta que uma pessoa atinja tal idade para que seja
considerada idosa e, com isso, faça jus a toda tutela normativa atinente a esse grupo.
Embora a idade de 60 anos seja também adotada no ordenamento jurídico de
outros países, não existe uma denição universal ao tema.
As Nações Unidas1 e a Organização Mundial de Saúde,2 por exemplo, assentam que
é possível a xação do padrão de 65 anos de idade em países desenvolvidos (sendo esse o
caso dos Estados Unidos, da França, de Portugal e do Japão, por exemplo), e de 60 anos
para países em desenvolvimento. Trata-se de uma opção política de cada país, portanto.
A denição deste critério genérico pelos dois organismos citados, no entanto, é
objeto de críticas pela literatura, que assentam que ele é considerado arbitrário e pode
não levar em consideração as necessidades especícas de algumas regiões no contexto
mundial, como aquelas presentes em de diversos países do continente africano (em que
o envelhecimento pode ser bastante precoce).3 Mesmo assim, não há dúvida de que a
xação de um padrão mínimo seja salutar e essencial para que haja uma padronização
no tratamento da matéria em caráter universal.
Por isso, no nal das contas, “o parâmetro de 60 anos terminou por ser adotado no
Estatuto da Pessoa Idosa, no que acompanha o padrão denido pelas Nações Unidas
1. SOARES, Ricardo Maurício Freire; BARBOSA, Charles Silva. A tutela da dignidade da pessoa idosa no sistema
jurídico brasileiro.In:MENDES, Gilmar Ferreira et al. Manual dos direitos da pessoa idosa. São Paulo: Saraiva,
2017, p. 27.
2. Informação disponível em: https://www.who.int/healthinfo/survey/ageingdefnolder/en/. Acesso em: 19 jan.
2023.
3. “e ages of 60 and 65 years are oen used, despite its arbitrary nature, for which the origins and surrounding
debates can be followed from the end of the 1800’s through the mid-1900’s.” Informação disponível em: https://
www.who.int/healthinfo/survey/ageingdefnolder/en/. Acesso em: 19 jan. 2023.
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DIREITO DAS FAMÍLIAS E DA PESSOA IDOSA • Patricia Novais calmoN
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para denir a pessoa idosa, todavia as considerações acerca dos fatores que inuenciam
no envelhecimento conduzem organismos internacionais a realizar uma segmentação
importante, para ns de política internacional de proteção, consideradas as projeções
da expectativa de vida em países desenvolvidos ou em desenvolvimento”.4
Esse mesmo posicionamento foi adotado pela Convenção Interamericana dos Di-
reitos Humanos da Pessoa Idosa, aprovada pela Organização dos Estados Americanos
(OEA) em 09 de junho de 2015, denindo-se que idoso é aquela pessoa com 60 anos
ou mais, exceto se a lei interna determinar uma idade base menor ou maior, desde que
esta não seja superior a 65 anos (art. 2º).
Desse modo, o Brasil tem se coadunado com as recomendações e normativas
internacionais, seja em âmbito universal ou regional.
Por conferir o legislador um tratamento distinto e mais benéco para os idosos,
o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou que tal diferenciação é fundamentada
em critérios de razoabilidade, em atenção aos princípios da igualdade e da dignidade
da pessoa humana. Por isso, trata-se de distinção válida e adequadamente justicada.5
Certamente, o critério cronológico é mais objetivo, conferindo maior segurança
jurídica. No entanto, talvez não seja o único. De repente, outro critério que também
possa ser levado em consideração é o biológico, ou psicobiológico, no qual “seria con-
siderado idoso aquele que dispusesse de determinada condição física ou intelectual”.6
Logo, comparando com a idade que está denida em sua certidão de nascimento, ela
pode se apresentar como mais jovem ou mais velha.
Sobre o tema, pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial demonstrou
como a idade biológica se distingue da cronológica em cada país e cultura. No Japão e
na Suíça, por exemplo, as pessoas envelhecem biologicamente mais tarde, anal, uma
pessoa com 76 anos de idade cronológica terá a aparência (idade biológica) de uma
pessoa com 65 anos. Por outro lado, o envelhecimento é precoce na Papua-Nova Guiné,
pois uma pessoa com 45,6 anos de idade (cronológica) estará nas mesmas condições
biológicas de uma de 65 anos.7
Percebe-se, então, que o envelhecimento é um fato social que se apresenta de ma-
neira distinta em relação a cada cultura, inuenciando na forma pela qual cada país
4. SOARES, Ricardo Maurício Freire; BARBOSA, Charles Silva. A tutela da dignidade da pessoa idosa no sistema
jurídico brasileiro.In:MENDES, Gilmar Ferreira et al. Manual dos direitos da pessoa idosa. São Paulo: Saraiva,
2017, p. 27.
5. “A adoção de critério etário para distinguir o tratamento da população em geral é válida quando adequada-
mente justicada e fundamentada no Ordenamento Jurídico, sempre atentando-se para a sua razoabilidade
diante dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. 7. O próprio Código Civil se utiliza de
critério positivo de discriminação ao instituir, por exemplo, que é obrigatório o regime da separação de bens
no casamento da pessoa maior de 70 anos (art. 1.641, II)”. STJ – REsp: 1783731-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi,
T3, DJe de 26.04.2019.
6. DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Arraes, 2011, p. 5.
7. Disponível em: https://www.weforum.org/agenda/2019/03/japan-ageing-slower-76-is-biological-65-study/.
Acesso em: 19 jan. 2023.
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dene os seus direitos. Anal, como o direito é fruto da cultura, há uma forte inuência
deste último na construção da tutela normativa deste grupamento social.
Além do cronológico, legal e biológico/psicobiológico, existem outros dois crité-
rios que, embora distintos, se correlacionam. O primeiro deles é o critério social, isto
é, “seria idoso aquele assim considerado no meio social em que vive”.8 O segundo é o
critério econômico-nanceiro, representado a partir do idoso como economicamente
hipossuciente, a demandar uma especial atenção por estar em situação de vulnerabi-
lidade frente aos demais.9
Com o brilhantismo que lhe é inerente, Jones Figueirêdo Alves se manifesta no
sentido de que “no Brasil, as senescências precoces são advindas da pobreza e nelas a
‘idade social’ é adiantada no tempo, por ‘ancianidades frágeis’. Pessoas mais carentes
envelhecem mais cedo, são as que têm mais rugas no espírito”. E complementa que,
no “curso da vida humana, tal fenômeno social é um decurso de tempo que abrevia o
percurso, em velhice siológica antecipada, pelas mazelas sociais. São as senilidades
por envelhecimentos patológicos, onde ser ‘velho é ter idade’, mesmo antes dos sessenta
a n o s ”. 10
De fato, acredita-se que o critério social e o econômico-nanceiro acabam por
incorporar também o critério biológico, já que é possível que, em razão dos padrões
sociais e nanceiros, uma pessoa vivencie um envelhecimento precoce, a possuir bio-
logicamente mais de 60 anos, mesmo sem ainda ter completado formalmente tal idade
em seu aspecto cronológico. Embora se reconheça a distinção técnica entre os conceitos,
para os ns deste estudo, reputar-se-ão inseridos dentro do critério biológico também
os critérios social e econômico-nanceiro.
Por m, Norberto Bobbio, em seu livro O tempo da memória: de senectude e ou-
tros escritos autobibliográcos, ensina que também existe a idade burocrática, que seria
aquela denida em lei para a aquisição de determinados direitos, como à aposentadoria,
por exemplo. Além dela, o autor sustenta a existência da idade psicológica, também
chamada de idade subjetiva, que representaria a idade que cada um, em seu processo
pessoal, sente ter.11
Em uma interessante passagem prevista no referido texto autobiográco, Norberto
Bobbio consigna sua própria experiência sobre a idade psicológica/subjetiva, ao aduzir
que “biologicamente, considero que minha velhice começou no limiar dos oitenta anos.
8. DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Arraes, 2011, p. 6.
9. DINIZ, Fernanda Paula. Direito dos idosos na perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Arraes, 2011, p. 6.
10. ALVES, Jones Figueirêdo. A família na atual crise de direitos humanos. Disponível em: https://www.conjur.
com.br/2020-mai-24/processo-familiar-familia-atual-crise-direitos-humanos. Acesso em: 19 jan. 2023.
11. A questão apresenta controvérsias, já que, na visão de Fran Winandy, “acredita-se que a idade subjetiva seja um
indicador mais complexo do que a simples opinião sobre sentir-se velho ou jovem. A idade subjetiva parece
ter, de fato, consequências sobre o processo de envelhecimento, e, talvez, a mais instigante seja o fato de que
sentir-se jovem faz com que as pessoas se comportem como se efetivamente rejuvenescessem, compensando as
implicações negativas do etarismo, aumentando os níveis de satisfação com a vida e a longevidade”. WINANDY,
Fran. Etarismo: um novo nome para um velho preconceito. Divinópolis-MG: Adelante, 2021, p. 25.
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