A tutela normativa da pessoa idosa: direitos para além do direito das pessoas idosas

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A TUTELA NORMATIVA DA PESSOA IDOSA:
DIREITOS PARA ALÉM
DO ESTATUTO DA PESSOA IDOSA
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA PESSOA IDOSA
2.1.1 No cenário nacional
A promulgação Constituição da República de 1988 é, sem sombra de dúvida, o
marco da redemocratização e do estabelecimento de um Estado Constitucional de Di-
reito, cuja principal característica é a subordinação das demais leis e atos normativos do
ordenamento jurídico à Constituição. Esse modelo constitucional, que se desenvolveu
“a partir do término da Segunda Guerra Mundial e se aprofunda no último quarto do
século XX”,1 foi inaugurado com o retorno da democracia em nosso país.
Por assim ser, a Constituição da República de 1988 trouxe uma série de direitos e
garantias fundamentais, pautando-se nesse novo paradigma mundial do pós-guerra.
É justamente nesse aspecto que o direito dos idosos passa a merecer uma tutela
mais detida e apropriada por parte do Estado. A Constituição da República de 1988
trouxe, de forma inovadora, disposições especícas a respeito deste segmento social,
ao assentar que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas
idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e
bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida” (art. 230, CR/88). Estabeleceu, ainda,
que os “programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus
lares” e que “aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos trans-
portes coletivos urbanos” (art. 230, § 1º e § 2º, CR/88). No tocante à responsabilidade
da família, xou os princípios da reciprocidade e da solidariedade, ao apresentar “que
os pais têm o dever de assistir, criar e educar os lhos menores, e os lhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (art.
229, CR/88).
Mas, como dito, nem sempre foi assim.
1. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 2015, p. 279.
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DIREITO DAS FAMÍLIAS E DA PESSOA IDOSA • Patricia Novais calmoN
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As Constituições de 1934,2 1937,3 19464 e 19675 se utilizaram do termo “velhice
apenas para se referir a um dos riscos sociais que viabilizavam a incidência de normas
de natureza previdenciária/assistencial, o que não deixa de ser curioso, pois bem se
sabe que a expressão “risco social” corresponde a “adversidades da vida a que qualquer
pessoa está submetida, como o risco de doença ou acidente”,6 garantindo-lhe algum
benefício previdenciário.
De fato, a expressão “risco social” não se mostra adequada, pois engloba situações
que não são consideradas infortúnios, como a maternidade. A idade avançada, ou a
“velhice”, nos moldes citados pelas referidas Constituições, não pode ser considerada
um infortúnio, já que, de acordo com o Dicionário Michaelis, esta palavra representa um
“acontecimento ou fato infeliz; adversidade, desgraça, desventura, infelicidade, revés;
má fortuna”. Envelhecer não pode ser, de modo algum, avaliado como um infortúnio,
muito pelo contrário, já que a morte prematura é que poderia assim ser considerada.
Por isso, parcela da doutrina critica o termo risco social, “sugerindo adotar-se o
termo necessidade social”,7 enquanto “Paul Durand arma que o qualicativo de risco
pode ser utilizado também para acontecimentos venturosos.8
Por outro lado, nenhuma referência aos idosos (ou à velhice) foi feita nas Constitui-
ções de 1824 e 1891, o que pode se justicar pela ausência de um sistema de previdência
social como nos moldes posteriormente criados, já que apenas no ano de 1923 houve
a edição da denominada Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo 4.682/23), que cou
“conhecida como o marco inicial da previdência social”.9
Trazendo um panorama mais largo, Paulo Roberto Ramos esclarece que, muito
“embora somente recentemente o envelhecimento no Brasil tenha se tornado efetiva-
2. CF 1934, Art. 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade
e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º A le-
gislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do
trabalhador: h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes
e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição
igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de
acidentes de trabalho ou de morte.
3. CR 1937, Art. 137. A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos: m) a instituição
de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes do trabalho. Posteriormente suspenso
pelo Decreto 10.358, de 1942.
4. CF 1946, Art. 157. A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além
de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: XVI – previdência, mediante contribuição
da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as consequências da doença, da
velhice, da invalidez e da morte.
5. CF 1967, Art. 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos
termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social: XVI – previdência social, mediante contribuição da
União, do empregador e do empregado, para seguro-desemprego, proteção da maternidade e, nos casos de
doença, velhice, invalidez e morte.
6. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. Niterói: Impetus, 2015, p. 28.
7. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. Niterói: Impetus, 2015, p. 28.
8. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. Niterói: Impetus, 2015, p. 28.
9. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. Niterói: Impetus, 2015, p. 57.
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