Contributo ao estudo da sentença declaratória

AutorDarci Guimarães Ribeiro
CargoAdvogado. Doutor em Direito pela Universitat de Barcelona
Páginas210-227

Advogado. Doutor em Direito pela Universitat de Barcelona. Especialista e Mestre pela PUC/RS. Professor Titular de Direito Processo Civil da PUC/RS e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil. Membro do Instituto Iberoamericano de Direito Processual Civil. Membro representante do Brasil no Projeto Internacional de Pesquisa financiado pelo Ministério da Educação e Cultura - MEC - da Espanha.

"Mais malgré la meilleure législation, les procés naîtront toujours des intérêts contraires et des passions humaines", (BORDEAUX, Philosophie de la Procédure Civile, Edit. Auguste Hérissey, Évreux, 1857, Cap. XVIII, p. 243).

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1. A eficácia preponderante como critério classificador

Sempre que o tormentoso tema da classificação das sentenças se apresenta, convém, antes de tudo, revelar qual o critério utilizado para identificar cada uma das espécies de sentença, a fim de permitir uma compreensão mais exata de cada uma delas, evitando, com isso, uma possível confusão na hora de escolher qual pretensão processual é mais apta a realizar o meu direito. Para tanto utilizaremos um estudo anterior que já apontou detalhadamente todos estes critérios.

Desde o direito romano as pretensões (rectius, ações 1) eram classificadas de acordo com a 'natureza do direito', ou seja, pessoais, reais, mista, pretoriais, etc 2 3. Depois da idéia fundamental dos direitos potestativos anunciada por Chiovenda em sua famosa conferência pronunciada na Universidade de Bolonha, em 3 de fevereiro de 1903, se substituiu a antiga forma que tinha por base a natureza do direito 4, pela modalidade que leva em consideração os 'efectos jurídicos existentes' 5. Page 211

Desde então, os autores começaram a classificar as sentenças a partir dos efeitos jurídicos produzidos por elas. Aqui é necessário, se quisermos evitar confusão, identificar claramente a noção de conteúdo da sentença, seus efeitos e ainda a eficácia da mesma.

Em primeiro lugar, devemos precisar que os efeitos de uma sentença se diferenciam de seu conteúdo e de sua eficácia, pois, enquanto o conteúdo e a eficácia são elementos internos da sentença 6, sua essência, algo que a integra, os efeitos são algo externo, que se projetam fora da mesma 7. Por isso a eficácia, que está no conteúdo da sentença, é a causa 8dos possíveis efeitos que, originados de seu conteúdo, se projetam e se manifestam fora da mesma sentença, mas com ela não se confunde 9. Em conseqüência, o conteúdo da sentença, por ser causa, é maior que os efeitos por ela produzidos 10, isto é, uma sentença pode conter diversas eficácias e produzir, por via de conseqüência, efeitos também diversos que podem Page 212 ocorrer ou não, e. g., de acordo com a doutrina majoritária, a sentença condenatória 11 se caracteriza pela declaração de existência de uma prestação e por conseqüente imposição de uma sanção estabelecida na lei, em virtude do ato ilícito cometido pela outra parte, pertencendo estas duas eficácias ao conteúdo da sentença. Este conteúdo, por sua vez, produz, entre outros possíveis efeitos, o executivo, que consiste na criação de um título, pois ainda predomina o princípio nulla executio sine titulo, porém, que pode não se produzir, uma vez que o vencedor não realize a pretensão executiva. Teremos, por tanto, dois momentos distintos na sentença condenatória: o primeiro constituído por seu conteúdo (rectius, declaração de culpa + imposição de uma sanção legal), e o segundo, constituído por seu efeito executivo que, apesar de haver nascido do conteúdo, se projeta fora da sentença condenatória 12.

Em segundo lugar, também devemos precisar a essência da eficácia para diferenciá-la dos possíveis efeitos produzidos a partir do conteúdo da sentença. A eficácia é o elemento através do qual o conteúdo de uma sentença se diferencia de outros conteúdos, é o componente que qualifica seu conteúdo e permite, por exemplo, distinguir uma sentença constitutiva de uma condenatória, ou uma sentença declarativa de uma constitutiva, e assim sucessivamente. Por isso, a eficácia é o elemento central do conteúdo da sentença, sua 'energia', que está representada pelos diferentes 'verbos' existentes nos conteúdos das sentenças 13, e indica, de acordo com OVÍDIO B. DA SILVA, "mais do que a validade, ou a pura aptidão para ser eficaz, perante seus destinatários, indica a qualidade do 'ser Page 213 eficaz', porque não se diz simplesmente que tal sentença tem eficácia, e sim que tem esta ou aquela eficácia, que ela é declaratória, constitutiva etc" 14. Deste modo, podemos concluir dizendo que enquanto as eficácias estão caracterizadas pelos verbos específicos que traduzem as peculiaridades de cada um deles dentro do conteúdo das sentenças, os efeitos estão fora do conteúdo das sentenças, já que são posterius com relação às eficácias, algo externo que se projetam a partir delas. Daí que as eficácias sejam os 'comandos', por assim dizer, geradores dos possíveis efeitos, e por tanto, a existência de uma eficácia, por exemplo, mandamental (ordem) produz o efeito mandamental que está caracterizado pela expedição do mandado, porém, pode ocorrer que este efeito jamais se produza, basta pensar nas hipóteses de que este mandato não seja expedido. De forma idêntica ocorre com a eficácia executiva, anteriormente analisada, que está dentro do conteúdo de uma sentença condenatória e produz como conseqüência natural o efeito executivo caracterizado na vis executiva (hoje realizada através da fase do cumprimento de sentença, art. 475-I e ss do CPC), que pode não se produzir, vez que o vencedor pode não se utilizar da fase do cumprimento de sentença, e assim sucessivamente com todos os demais efeitos nascidos das respectivas eficácias.

Parte da doutrina processual moderna ainda classifica as diversas pretensões processuais (rectius, ações processuais) como se o conteúdo de cada uma delas tivesse somente uma eficácia, v. g., a pretensão é declarativa porque contém uma eficácia declarativa. Porém, o certo é que, na realidade, como indicamos, os conteúdos das pretensões e das sentenças sugerem conter em si mais de uma eficácia 15. A partir daí Page 214 PONTES DE MIRANDA afirmou categoricamente que: "Não há nenhuma ação, nenhuma sentença, que seja pura" 16. Sem ser tão radical, podemos concluir que as pretensões e, em conseqüência, as sentenças são híbridas, ou seja, geralmente possuem mais de uma eficácia. E se as pretensões e as sentenças possuem mais de uma eficácia, qual é o critério mais adequado para classificá-las? Cremos que o critério mais adequado, por uma questão lógica e metodológica, é o que toma por base a eficácia preponderante entre todas as demais eficácias contidas dentro da declaração petitória do autor, é a "eficácia maior" 17 a que empresta seu nome à pretensão ou a sentença 18, ou mais especificamente: a eficácia preponderante é uma consequência natural do que realmente o autor pede.

A classificação que toma por base só a "specie e alla natura del provvedimento che viene domandado", como se fosse "l'unica classificazione legittima" 19, tem sido bastante Page 215 criticada 20, pois "cuando los conceptos dogmáticos empiezam a predominar en la ciencia puede predecirse la rápida decadencia de la misma. Dogma y ciencia son - por esencia - contradictorios" 21. Do nosso ponto de vista, esta classificação não é adequada - não utilizamos a expressão ilegítima, porque consideramos todas as formas de classificação, como mínimo, legítimas desde sua perspectiva. Basicamente os autores partem do binômio cognição-execução para classificar os diversos tipos de tutela jurisdicional 22. Porém, o certo é que estas duas atividades, conhecer e executar, por questões de ordem sócio-econômica podem, em algumas situações, estar juntas, sendo inclusive impensável separá-las, como ocorre, por exemplo, na tutela cautelar 23, no despejo 24, etc 25. A relatividade desse binômio, Page 216 cognição-execução, já foi apontada pelo próprio LIEBMAN, quando disse: "As duas atividades distintas de 'conhecer' e 'executar' podem reunir-se e misturar-se em único procedimento, examinando-se e resolvendo-se as dúvidas e as questões à medida que surgirem: ou podem separar-se e suceder-se numa ordem nem sempre fixa e invariável. O direito vigente deu a estes problemas soluções que são o resultado de longa e interessante evolução histórica" 26. De igual modo FABRÍCIO destaca: "é ao direito legislado que, sensível inclusive a razões de conveniência sócio-econômica, cabe prover sobre a necessidade ou não, com respeito a determinada pretensão de direito material, de manter ou suprimir a dicotomia cognição-execução" 27.

Deste modo, quando existirem pretensões que se realizem (rectius, produzem transformações no mundo dos fatos) dentro da mesma relação processual sem necessidade de outra relação processual futura, a classificação que toma por base o binômio cogniçãoexecução é inadequada, já que não explica de maneira coerente nem as características nem a função que estas pretensões devem ocupar dentro do ordenamento jurídico. Além do mais, podemos acrescentar que esta classificação comete o equívoco, antes apontado, de Page 217 considerar o conteúdo das pretensões e das sentenças como se cada uma delas tivesse somente uma eficácia.

Do que foi dito se conclui claramente que a classificação mais adequada às novas demandas de uma sociedade pós-moderna, cada vez mais preocupada com a efetividade de seus direitos, é aquela que parte da natureza híbrida das sentenças e adota, como critério mais seguro, a eficácia preponderante entre todas as demais eficácias contidas dentro da pretensão processual, independente do binômio...

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