Controle de constitucionalidade: noções gerais

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas13-38
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
NOÇÕES GERAIS
2.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
Uma constituição rígida – caso da nossa Constituição Federal de 1988 – é conside-
rada a lei das leis, inserida no ápice da pirâmide normativa estatal, compelindo todas as
demais normas produzidas pelo Estado a observar os princípios e regras nela albergados.
A partir de agora, estudaremos os mecanismos de f‌iscalização destinados a garantir que
os demais diplomas normativos efetivamente sejam editados em consonância com as
normas constitucionais.
E a f‌iscalização da compatibilidade (adequação) das leis e demais atos normati-
vos produzidos pelo poder público com os princípios e regras consagradas em uma
constituição rígida, nós demonstraremos aqui, dá-se por meio do chamado controle
de constitucionalidade das normas. Assim, o Capítulo que ora se inicia (bem com os
próximos) terá por objeto justamente o estudo deste tema.
Trataremos, aqui, das noções gerais sobre o sistema de controle de constitucio-
nalidade adotado no Brasil. Analisaremos, em síntese, os pressupostos e o conceito
do controle de constitucionalidade, o seu objeto, o chamado parâmetro de controle,
as espécies de inconstitucionalidade, bem como as diversas modalidades de controle,
adotados no direito comparado.
2.2 CONCEITO E PRESSUPOSTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Como se sabe, Hans Kelsen1 nos trouxe a ideia da existência de um escalonamento
de leis, de uma verdadeira hierarquia entre as normas que compõem a ordem jurídica de
um Estado, na qual as de hierarquia inferior extraem seu fundamento de validade das
normas superiores, até chegarmos à constituição jurídico-positiva, que se encontra no
ápice da pirâmide normativa estatal. Temos, nessa ideia, a exteriorização do denominado
princípio da compatibilidade vertical das normas.
Sabe-se, ademais, que a constituição rígida é a modalidade de carta constitucional
que, a despeito de permitir alterações de seu texto, somente o faz quando observadas
as regras condicionadoras f‌ixadas em seu próprio texto, necessariamente mais rígidas
1. Teoria pura do direito. 7. ed. Martins Fontes, 2006.
DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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e severas que as impostas às demais normas – infraconstitucionais – que compõem o
ordenamento jurídico do Estado.
Sabemos, ainda, que a constituição rígida, em razão da maior dif‌iculdade para mo-
dif‌icação de suas normas, que não podem ser alteradas pela simples edição de diplomas
infraconstitucionais, é considerada a norma suprema do país, a denominada lex legum
(a lei das leis), da qual todas as demais espécies normativas necessariamente extraem
seu fundamento de validade.
Com efeito, caso fosse possível ao legislador ordinário alterar as normas consti-
tucionais com a simples edição de uma norma infraconstitucional, como se dá com as
constituições f‌lexíveis, não haveria sentido falar-se em supremacia jurídica da constitui-
ção em face das demais normas estatais, uma vez que, nessa hipótese, todas as normas
produzidas pelo Estado estariam no mesmo patamar hierárquico.
Com base nessas assertivas, podemos concluir que o princípio da supremacia da
constituição, ao menos do ponto de vista estritamente jurídico, decorre inequivocamen-
te da rigidez constitucional, uma vez que somente podem ser consideradas válidas as
normas – tanto aquelas produzidas pelo poder constituinte derivado, quanto as infra-
constitucionais – que se revelarem compatíveis com os princípios e regras instituídos
pelo constituinte originário na lei magna, que não podem, por sua vez, ser revogados
pela simples edição de legislação infraconstitucional.
E justamente em razão da supremacia jurídica da constituição, decorrente da
necessidade, existente nas constituições rígidas, de que os diplomas normativos se-
jam compatíveis com os comandos constitucionais, é que se pode pensar em controle
de constitucionalidade das normas, já que não haveria sentido falar-se em referido
controle caso a constituição pudesse ser alterada pela simples edição de uma lei in-
fraconstitucional, caso não houvesse uma hierarquia entre normas constitucionais e
infraconstitucionais.
Logo, é fácil concluir que o controle de constitucionalidade pressupõe a existência
de rigidez constitucional, e, por consequência, de supremacia jurídica da constituição em
face das demais espécies normativas que compõem o ordenamento jurídico estatal.2
Ademais, o inverso também é verdadeiro. Caso não existam mecanismos de controle
da adequação das normas aos ditames f‌ixados pela constituição, não se pode falar em
rigidez constitucional e supremacia jurídica da carta magna.
Como nos lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho,3 quando um Estado não prever
o controle de constitucionalidade das normas, a constituição será necessariamente f‌lexível,
por mais que esta se queira rígida, já que o poder constituinte perdurará ilimitado nas
2. Alguns doutrinadores, é importante que se diga, também incluem, entre os pressupostos do controle de consti-
tucionalidade, a atribuição de competência a um ou mais órgãos, variando em conformidade com o sistema de
controle adotado pelo Estado em particular, para realizar a análise da constitucionalidade das leis e demais atos
normativos em face dos preceitos constitucionais. Com o devido respeito, esse entendimento não nos parece
correto, já que a necessidade de se atribuir competência a um ou mais órgãos, para exercer tal mister, é muito mais
uma decorrência lógica (uma consequência) da previsão do controle de constitucionalidade, do que propriamente
um pressuposto para sua criação.
3. Curso de direito constitucional. 35. ed. Saraiva, 2009, p. 34.

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